Já disse. Trabalhei a maior parte de minha vida profissional em multinacionais do ramo automobilístico.
Salvo na fábrica da Chrysler da cidade de Santo André (SP) há muitos anos extinta, talvez pelo meu modo de ver as coisas a despeito da minha atividade profissional sempre me considerei um anônimo no meio daqueles gerentes, supervisores e mesmo da peãozada toda.
Tinha um nome que até poderia soar forte na empresa, mas me sentia absolutamente desconhecido e desconhecia todas aquelas pessoas com as quais me relacionava no dia-a-dia
Vou dar um exemplo real da face2 usada dentro da empresa.
Eis que num fim-de-semana caminhando num lado qualquer do bairro, dou de cara com um gerente da empresa que se aplicava no jardim e numa horta de sua casa com a mão mergulhada na terra e no esterco, manejando enxada e regador.
Na segunda-feira, assim que eu o encontrei na fábrica, fiz provocação amistosa:
- Poxa, no sábado você foi aprovado como jardineiro, hem!
Resposta inesperada e constrangida:
- Não conte isso para ninguém.
Fiquei perplexo. Na fábrica ele usava a face2. Não me dera conta disso até então...
Ao longo desses anos todos, exigente comigo mesmo e com os meus pares, comecei a entrar num terrível processo de tédio, assistindo reuniões horríveis, aguentando colegas com alto grau técnico e zero – que eu conhecesse ou que se deixassem conhecer – em atitude humana, de interioridade, de subjetividade.
Numa multinacional para a qual trabalhara, certo dia surgira novo presidente um americano alto, loiro, cabelos mais para o grisalho, rosto magro e avermelhado, nariz empinado. Viera para proceder à reestruturação da empresa.
Iria “cortar na carne”, anunciava a “rádio peão”.
Criou-se um clima de expectativa e terror. Esse sujeito se impunha pela truculência verbal, expressando-se num português razoável.
Já pouco afinado por tudo isso que acima relatei e adquirindo antipatia incontornável por esse gringo, por várias vezes disse alto e pensei:
- O melhor para mim seria a demissão acrescida do pacote especial e tomar outro rumo na vida.
Porém, num processo contraditório, pus-me a ler, imaginando uma melhoria com a reestruturação que se desenhava e também por curiosidade, um livro não comercial de autoconhecimento e uso das “forças mentais”.
Na reunião decisiva da reestruturação, a despeito de toda minha dedicação, assim imaginava, fui preterido, sendo demitido.
Dera-se, sobretudo, um choque de desejos entre aquilo que passara a ler no livro citado e aquele pensamento forte anterior como o ideal (demissão).
Pelo que soube mais tarde, alguns daqueles gerentes a quem dera apoio, sempre, haviam também votado pela minha demissão.
Passado aquele momento amargo, inédito, porque nunca tivera tal experiência, refleti muito.
Na verdade, eu pedira mentalmente aquele desfecho.
Ademais, pelo meu tédio, rejeitando mentalmente dirigentes, julgando-os ignorantes devo ter alimentado por meses e meses, muitos inimigos não declarados resultado do rebate negativo do que eu pensava fortemente sobre eles.
O dia seguinte, sábado, fora um dia doloroso. Jamais imaginara que depois de tantos anos dedicados às empresas viveria essa experiência. Imaginava ser “imortal” nelas. Bobagem. E que bobagem.
Fora um pesadelo. Muitos se sucederam em estado de semivigília. Via-me chegando à empresa pela manhã, rumava para minha sala, não a encontrava ou havia alguém estranho sem rosto no meu lugar. Caminhava, então, pela fábrica como um fantasma, via sem ser visto, renovando a angústia da demissão ao acordar.
Soubera após administrar centenas de demissões nas várias multinacionais para as quais trabalhara os efeitos danosos que produziam nos demitidos.
Lembrara-me da angústia dos empregados humildes, que tentavam de todas as formas garantir seu emprego, implorando por uma transferência para outra seção ou para a matriz em outra cidade. E meu constrangimento em processar demissões de colegas próximos com quem compartilhara com lealdade êxitos e fracassos, por anos a fio.
- Recebera minha paga, pensara. Sentira o amargo do fel.
Nos dias que antecederam à minha saída definitiva da empresa, ex-subordinados bajuladores ou não, colegas do dia-a-dia, passaram a ignorar-me – da mesma forma como se daria nos sonhos -, como se receassem o contágio duma doença incurável. Mas, a despeito disso, sempre cuidara para que diante de mim próprio não fizesse o papel canastrão, de vítima. Quais lições tirei desse evento real?
i.) Que o pensamento é uma força que precisa ser cuidada. Há então se esforçar muito para superar, em relação ao seu antagonista, sentimentos de raiva, de intolerância e de dúvida. Haverá, pois, que mentalmente mudar o modo de pensar em relação a ele e transmitir pensamentos positivos de tolerância recíproca para que ele também mude o modo de agir. Esse exercício funciona.
(Não estou nem de longe tentando passar lições de autoajuda com o meu relato. Se tem algo que receio é ser ou parecer ridículo).
Já emiti pensamentos que não direi quais – porque são só meus – que vi repetidos a mim por pessoas próximas, para minha surpresa;
ii.) O pensamento forte obedece ao seu emissor, podendo provocar desgostos ou êxitos.
(Reconheço que há eventos que fogem dessa fórmula básica, provenientes, acredito, de outras causas pendentes na vida. Mas, esse é um outro tema).
De tudo isso que relatei, conclui por fim que há profissionais que nasceram para ser executivos e, menos que críticas, há que se esforçar para entendê-los.
E quanto a mim com a experiência relatada de perdas e ganhos: mais ganhei do que perdi.
Sabem por quê?
Porque para mim “tudo está ótimo!”
Imagem: He-Man, “Eu tenho a força” (Google)
Nenhum comentário:
Postar um comentário