07/09/2012

MEMÓRIA. DAQUELES TEMPOS CINZENTOS


      

Explicação
Todos os meus textos que tenham alguma conotação política, fora da linha que entendo “literária”, não publico neste Temas, mas num espaço próprio (blog martinsmilton2.blogspot.com.br)
Porém, este tema, que foge um pouco das características de tudo o que aqui já publiquei, revelam minhas experiências nos tempos dos militares.
Pequenas porque trabalhava em multinacional automobilística. Um detalhe que não dá para omitir: tempo de pleno emprego.
Mas, houve horrores nos bastidores, nos departamentos, nos subterrâneos. Artigos sobre esse tema, busquem no outro blog que acima indiquei.

Autocensura

Por alguma razão não muito clara na minha memória, interessei-me pelo movimento sindical. Talvez porque, quando funcionário da GM de São Caetano, nas épocas de eleição da diretoria da entidade sindical, a multinacional, como de resto todas as outras, não davam muita atenção para os sindicalistas..
Muitos daqueles que procuravam a empresa para algum pedido, eram atendidos com desdém na portaria.
Afinal, nos tempos cinzentos da ditadura, nem pensar em instaurar greve ou promover movimentos reivindicatórios públicos. Tudo se resolvia nos Tribunais do Trabalho sob o peso forte das orientações oficiais. Reajustes, apenas a reposição da inflação.
As publicações jurídicas, por seus colaboradores de prestígio quando tratavam dos sindicatos o faziam apenas sob o timbre de sua natureza jurídica, nunca por sua atuação política.
Ora, os idos dos primeiros anos da década de 60 a atividade político-sindical fora por demais intensa. De certo modo, contribuiu para a deposição de João Goulart. Pois não fora o Mal. Castello Branco que qualificara o poder do CGT – Comando Geral dos Trabalhadores, como “ilegal poder”?
Pois, foi nesse clima que em 1976 escrevi um artigo sobre sindicalismo “político” numa prestigiosa revista jurídica. (1)
Não só pela tolerância que tinham os editores com os meus textos, mas certamente que rompera aqueles grilhões para lembrar que os sindicatos eram, como são, entidades também políticas.
Naqueles tempos, os sindicatos, por conta da repressão se converteram em entidades assistenciais.
Pois, bem, um pouco por falta de base outro pouco pela terrível autocensura pelo que um tal texto daqueles poderia representar no âmbito da repressão, o artigo beirou, sim, a mediocridade. Nem mais o fazia constar no meu currículo.
Mas, claro que amigos meus entenderam a minha “dificuldade” em tratar do tema considerando a época e saíram em sua defesa. Gentilezas.

Arapongas, “terceiros” no meio da linha

Em 1978, quando eclodiram as greve em São Bernardo eu estava na fábrica e acompanhei tudo aquilo, o desajeito dos empresários e nós todos em tratar de algo impensado em plena ditadura. (2)
Por todas essas experiências “históricas”, um dia resolvi que escreveria um livro sobre o tema. E ele realmente foi escrito, a quarta edição, pela pressa se constituiu na minha “futura ex-obra prima”. (3)
Quando comecei a cogitar em tratar o tema com mais informações, resolvi que tinha que entrevistar o dirigente principal do CGT que após o 31 de março de 1964 fora banido da vida pública. (4).
Consigo um primeiro contato telefônico e vou me apresentando. A conversa demora, explico meus objetivos e marquei um dia para comparecer à sua casa num bairro modesto de São Paulo.
Esse ex-sindicalista é o mesmo que num documentário sobre Juscelino Kubitschek relatou a advertência do presidente quando o CGT ameaçara uma greve geral em São Paulo, com decisão já tomada pelo Tribunal do Trabalho. (5)
Dissera Juscelino a ele:
- Greve contra decisão da justiça é inadmissível. Nesse caso terei que agir para manter a ordem.
Algo parecido com isso.
A greve não foi deflagrada, segundo o ex-sindicalista. Pois, bem, assim que vou encerrando o telefonema, afirmando que o meu interesse era apenas de pesquisa, tive a nítida impressão que um terceiro na linha suspirara com alívio.
Arapongas a postos naqueles tempos 'chumbados'?

“Quem sou eu?”

A greve de 1980 foi por demais tumultuada e insolúvel no ABC, desorganizando o dia-a-dia da cidade de São Bernardo do Campo. (6). Intransigentes os sindicalistas, inúmeros deles foram presos a mando do Governo Federal, de Santo André e São Bernardo do Campo, incluindo Lula, nas “instalações” do DEOPS de São Paulo.
Muitos daqueles presos se sentiram muito mal, depressivos, embora não fossem maltratados na prisão.
Passado um tempo, todos libertados, um deles, querendo transmitir sua experiência ou simplesmente desabafar, compareceu na fábrica, uma visita, na qual trabalhava, Chrysler de Santo André (hoje, salvo engano,no terreno instala-se uma loja do Carrefour). (7)
Relatou toda a sua experiência “doméstica”, o revezamento da faxina e toda sua angústia naqueles dias de cárcere.
Saindo da fábrica depois de longa conversa, provavelmente esse sindicalista relatou a visita nalgum boteco perto do sindicato.
No dia seguinte, dois policiais a paisana, chegaram de carro nos portões da fábrica e perguntaram para o responsável pela segurança – um ex-militar que me batia continência – quem era eu.
- Ele é o gerente de RI, um estudioso do sindicalismo, respondeu o correto funcionário a mim subordinado.
Os policiais foram embora. Qual ameaça significaria um gerentinho de RI de uma fábrica já com os dias contados para ser extinta?
Era perigoso até conversar com os supostos inimigos do regime.
Arapongas a postos.


Referências:

1.) Revista LTr de 1976
(2) O relato do aspecto mais significativo de minha experiência de 1978, v. minha crônica de 11.05.2010  “Greve de 1978: o início de tudo : o dia em que a boiada virou boiadeiro”, no blog martinsmilton2.blogspot.com. br;
(3) V. minha crônica de 31.10.2010, “A história de uma edição: Errinhos que humilham “.
(4) Dante Pelacani, já falecido. Com o golpe militar de 1964, refugiou-se no Uruguai e depois na Tchecoslováquia, retornando ao país em 1969.
(5) “Os anos JK” de Silvio Tendler.
(6) Um relato envolvendo empregados humildes da fábrica, no decorrer da greve de 1980, v. crônica de 17.04.2011 ”Sermão da montanha”: fragmentos históricos que ficam”.
(7) José Cicote, que chegou a ser eleito deputado estadual.

Foto: Milton PImentel Martins (a foto é muito bonita, mas o raio nela captado simboliza o temor que nos afligia naqueles tempos cinzentos de repressão).




2 comentários:

Caio Martins disse...

Assim foi, meu caro Milton. Tomado o poder "manu militare", impôs-se o dedurismo, a chantagem, a violência e, com ela o medo. Não foi fácil, resistir ao regime militar. Esperamos que tais situações não mais se repitam, seja daquela forma, seja numa ditadura de partido único.
Abraços.

TEMAS LIVRES disse...

Caio: Claro que eu era "não engajado" ao poder militar - que demorou demais. Mas, na PUC havia os arapongas voluntários, perigosos. Quantos foram torturados ou detidos "de graça" por conta desses dedos-duros vingativos, deslumbrados, que se engajaram no "autoritarismo" da época. Uns burros úteis...
Abração. MM