08/07/2019

OS ROBÔS e EU E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL


Lá pelos idos da década de 70, eu assentava meus filhos pequenos no banco traseiro do Dodginho (Chrysler) e saía pelo ABC e São Paulo nalguns passeios e regularmente à rua 7 de Abril numa lanchonete "Jack in the box" (acho que não existe mais ali) sofisticada e todos lanchando os abomináveis hamburgueres, inclusive de linguiça.

Argh!

Nessas idas de vindas, para acalmar as criança impacientes lá atrás, eu contava histórias e, repetindo muitas vezes, o primeiro conto do livro "Eu Robot", de Isaac Asimov que fora lançado em 1950.

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É a história do robô mudo Robbie, espécie de ama-seca da menina Glória com quem interage como se humano fosse.

A mãe de Glória implica com a máquina que poderia ser perigosa até o ponto em que Robbie é devolvido ao fabricante.

Glória sofre muito com a separação, sempre esperando que Robbie volte:

— "Por que está chorando, Gloria? Robbie era apenas uma máquina, uma máquina velha e feia (...) 
— “Ele 'num' era nenhuma máquina!”, gritou Gloria ferozmente. Ele era uma ‘pessoa’, como eu e você; e era meu amigo. Quero Robbie de volta."

Até que depois de um tempo por injunção do pai a família visita a fábrica para mostrar à menina que os robôs não passavam de máquinas que se movimentavam.

Quando Glória, ao longe, avista Robbie, corre em sua direção sem perceber que perigosamente se aproximava um trator pesado na iminência de atropela-la mortalmente.

Robbie avança e a salva a tempo.

O robô já obsoleto, então, é aceito de volta à casa cuidando da menina Glória.

Esse conto de Assimov fazia muito sucesso entre os meus filhos pequenos.

Logo na abertura, o livro dá a conhecer as três leis da robótica:

1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; e 3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. 

Será que essas leis serão, afinal, cumpridas?

Porque, além da robótica e da automação, a inteligência artificial, hoje, avança com a celeridade nunca pensada.

No meu artigo, "Temas de Relações Trabalhistas" publicado em março de 1983 na Revista Jurídica LTr, entre os vários temas de interesse me referi ao avanço da automação e introdução de robôs nas linhas de montagem da indústria automobilística.

Tudo nesse tempo e nesse tema havia lá suas desconfianças,  descrenças e até "profecias".

A introdução dessas máquinas trazia indagações até ilustradas com um acidente do trabalho fatal que chamaria a atenção para o "milagre japonês" e seu eficiente sistema de robôs, que já ia sendo a implantado intensamente. A morte do operário japonês Kenji Urada, de 37 anos, for noticiada com detalhes: 

"Urada morreu quando tentava consertar um requintado robô, vendido ao preço de 46 mil dólares (...) que distribui peças a máquinas montadoras de caixa de câmbio para automóveis e pode ser programado, ainda, para trabalhos de soldagem e pintura. E morreu por ter desrespeitado normas básicas de segurança. Ele pulou a corrente que circunda o robô a alguns centímetros do solo — quando o correto seria utilizar-se de uma portinhola que, aberta, o desativaria de imediato. O operário preferiu desligar a máquina com as próprias mãos, mas, depois, tocou inadvertidamente no mesmo botão. Colhido no peito pelo braço de aço do robô, Urada teve morte instantânea". (1)

Os robôs nos meios de produção geraram polêmica. Os sindicatos reconheciam que a automação tendia a substituir trabalhadores. Alguns setores industriais foram adotando robôs apenas para atividades insalubres ou penosas.

Mas, essa tecnologia com os resultados que trazia (e traz) não ficara só nisso.

Em meio à essa polêmica anunciaram-se estudos identificadores do impacto dos robôs sobre a mão-de-obra, com intuito de determinar regras para sua implantação.

Nunca soube desses estudos e quais regras, tanto que os robôs devagar foram sendo instalados em diferentes atividades da produção, especialmente na indústria automobilística.

Já se disse eu digo tanto quanto, que os robôs são incansáveis, o seu ambiente é limpo, não são sindicalizadas, não descansam, não fazem greve e são extremamente lucrativos, porque não há salários e não há encargos adicionados.

E o que nos reserva o futuro com o avanço dos robôs?

(...) no fim deste século, a máquina terá provavelmente alcançado o "homo sapiens". "Dentro de 20 ou 30 anos — diz Hans Moravec, "pai" do robô de nove olhos — as máquinas serão tão inteligentes quanto nós. 

E concluía:

"A longo prazo os humanos não terão outra coisa senão abdicar". (2)

Essa "profecia" é de 1981. 

Nesse diapasão, a automação e os robôs nas empresas dos mais variados ramos tornaram-se realidade irreversível.

Os homines sapientes naquelas profissões menos especializadas, foram substituídos em larga escala, não por abdicação, mas por exoneração inevitável. Os robôs fazem com precisão milimétrica inumeráveis atividades antes desenvolvidas por dezenas de profissionais.

Quando escrevi aquele artigo, em 1983 havia poucos meses, eu deixara de trabalhar na Chrysler do ABC que encerraria suas atividades logo depois. As instalações foram adquiridas pela VW.














Linha de montagem do Dodge Polara - Chrysler  (SBC) - em 1973  movimentação manual.

Sob a linha, operadores agachados em trabalhos de montagem manual. 

A linha de montagem Dodge embora automática era lenta, e a produção toda manual razão pela qual me chamava a atenção os avanços iniciais da automação.

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Linha de montagem moderna, automatizada com robôs e alta tecnologia. Poucos operadores.

Em 1989 já seis anos longe da indústria automobilística, conheci essa linha da Chrysler em Detroit. A operação na montagem dos carros era muito rápida: começava num extremo a configuração das carcaças e no final da linha os carros saíam praticamente prontos e, pela ação dos robôs, com baixo número de profissionais presentes.

Naquela oportunidade confirmei a minha "suspeita" de que essa tecnologia haveria de ter forte impacto sobre o mercado de trabalho e sobre a mão de obra num nível mundial.

Os fatos hoje revelam tais mudanças de modo impressionante.

Nessa massa de desempregados, quantos foram afetados pela generalizada automação que se dá no mercado industrial?

Na década de 80 a VW, por exemplo, tinha cerca de 35 mil empregados, não menos que isso. Em 2022, apenas 8.200. Essa redução de efetivo não tem a ver com eventual "diminuição da demanda" da marca mas, sobretudo, com a automação. 

Esse quadro é uma realidade.

Mas, não só isso, estamos caminhando céleres para a Inteligência Artificial – AI.

Há filmes de ficção que exploram o domínio da inteligência artificial sobre as ações e sobre a inteligência humana e, nesses casos, os robôs ignoraram aquelas três leis da robótica de Asimov. 

O mais emblemático é o filme de Stanley Kubrick, "2001, uma Odisseia no Espaço" de 1968.

Nesse filme admirável, estabelecera-se, então, uma viagem interplanetária para Júpiter, cuja nave seria toda controlada por um computador poderosíssimo, o Hal 9000, infalível, revelando "sentimentos", especialmente o da arrogância.  Ameaçado de ser desconectado, depois de um erro inexplicável na missão, tornou-se rebelde e assassino da tripulação sendo por fim desligado pelo último sobrevivente.

Há filmes nos quais os robôs são muito mais cruéis e desdenham da mortalidade inevitável do ser humano.

Um deles, "Alians Covenant" de 2017 do diretor Ridley Scott.

Diálogo entre o criador do robô e o próprio robô batizado de Davi inspirando-se na imagem de Davi, a escultura perfeita de Michelangelo:

Eu sou o seu criador, você me deve obediência.
— Se você é meu criador, quem o criou? pergunta o robô.
— A dúvida é de onde viemos...
— Mas, como humano, você é mortal e eu sou imortal.
— Davi me sirva um chá, agora, ordena o criador,  para confirmar sua autoridade.
Davi obedece.


O robô Davi seria escalado para assessorar missões interplanetárias e se revela cruel, inclusive cultivando 'óvulos' de "xenomorfos", aqueles monstros horrorosos, violentos e carnívoros do tipo visto no filme "O oitavo passageiro".

Davi desdenhando dos homens: "Eles são humanos, eles morrem."

Mas, abreviando o tempo dessa discussão no meio científico indagam-se  as consequências do aperfeiçoamento da IA — Inteligência Artificial do controle da informação, da desinformação, da liberdade de pensamento, do controle político mencionando-se mesmo os riscos à democracia.

No mundo do trabalho há estudos não otimistas (Goldman Sachs) dando conta que a AI poderá diminuir 300 milhões de empregos no mundo à medida que essa nova tecnologia for avançando.

Quem, afinal de contas, controlará esse poder imenso que pode resultar do aperfeiçoamento da IA?  

Nas várias atividades que pode responder a AI há a possibilidade de manifestar algo parecido com o sentimento humano, nas suas virtudes e tragédias.

Num artigo publicado no The New York Times, num trecho se lê:

"O que significaria para os humanos viver em um mundo no qual uma grande porcentagem das narrativas, melodias, imagens, leis, políticas e ferramentas é moldada por inteligência não humana, que sabe como explorar com eficiência sobrehumana fraquezas, vieses e vícios da mente humana ao mesmo tempo que sabe formar relações íntimas com os seres humano?" (3)

Essas proposições não seriam mais ficção, como a convivência  da menina Glória e seu Robbie no livro de Isaac Asimov. 

E essa IA não necessariamente seguirá os princípios morais da "lei da robótica".

Fora já "profetizado", como acima mencionado, que os humanos com essa tecnologia não terão outra coisa que não seja "renunciar".

Nesse mesmo artigo do TNYT, é esclarecido que numa sondagem  feita em 2022, entre mais de 700 acadêmicos e pesquisadores, metade deles "declarou que existe uma chance de 10% ou mais de extinção da humanidade (ou alguma insegurança similarmente permanente e grave) provocada por sistemas de IA." (3)

Dai porque nessa perspectiva que até pode-se dizer sombria, há muitos que se preocupam com a evolução dessa "inteligência" exatamente pelas mudanças severas de paradigmas na vida de todos como indagamos linhas acima. E pedem cautela às experiências que avançam.

Pensando bem, já não estamos renunciando?


Referências

(1) Revista Veja de 16.12.1981
(2) O Estado de São Paulo de 13.09.1981
(3) Artigo publicado no The New York Times e transcrito em "O Estado de São Paulo" de 29.03.2023. "Será a inteligência artificial o começo de nosso fim?" (Autores: Yuval Arari, Tristan Harris e Aza Raskin).



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