02/04/2019

MEMÓRIA: OS TEMPOS DE 1964



O trecho abaixo, faz parte da minha "memória', exposta no meu livro Joana d'Art. Vou desde logo informando que já "convivia" naqueles tempos de 64 gloriosos e contraditórios. Eu vivi bem aproveitando o pleno emprego e progresso.
Com censura e tudo, a produção musical e artística foi muito rica.

A queda de João Goulart precipitada por clamor popular, se golpe houve, avançou na madrugada de 02 de abril no Congresso Nacional, por ato do senador Moura Andrade, que declarou vaga a Presidência da República, quando o presidente se refugiava no Rio Grande do Sul. Darci Ribeiro informara que o presidente lá estava em missão oficial. Estava em território brasileiro, dai o golpe.

 Nesse momento, houve aplausos e protestos. Tancredo Neves o teria chamado de "canalha".

Depois, a posse de Castelo Branco e com ele as cassações, a repressão militar, a censura nos meios de comunicação e no ambiente artístico.

Os grupos armados que se opuseram à deposição de Goulart e que se organizaram anos depois, não procuraram a restauração da democracia, mas a introdução de um regime do tipo que vigorava (e vigora) em Cuba, muito na moda naqueles anos.


A guerra fria depois desse pico - refiro-me ao incidente dos mísseis soviéticos instalados em Cuba e apontados para os Estados Unidos -, teria influência decisiva no Brasil, com a suposta ameaça comunista já no Governo de João Goulart.

A reação se alvoroçara quando Luiz Carlos Prestes dissera que os comunistas estavam no poder, mas não ainda no governo.

Tinha, quando ainda acadêmico, um amigo judeu, estatura mediana, nariz adunco, sempre com seu fusca vermelho, crítico feroz de Prestes. Não fazia concessões o Israel:

- Esse comunista, dizia ele, tivera vida política inútil, trágica. Constitui-se herói do nada. Um desastre. Mesmo respeitando a época em que viveu, cheia de ideologias, autoritarismos, preconceitos, guerras e violência inimagináveis, propícia à ampliação do comunismo no mundo, debito-lhe nessa insanidade os argumentos dos ditadores para implantarem a ditadura no Brasil.

Mas, os eventos políticos nos idos de 64, com a ameaça comunista se precipitaram, resultando na deposição de João Goulart pelos militares.

Houve festa e alívio no âmbito da classe média alta e baixa que aplaudiu o golpe. “A propriedade estava salva”.

O golpe contra Jango deu-se em 1° de abril de 1964. Comentário do jornal “O Estado de São Paulo” de 2 de abril que encontrei num monte de jornais velhos:

A grande vitória de ontem, conduzida pela mão segura do general Amauri Kruel a frente do II Exército, vem, como era inevitável, sendo interpretada das mais diversas maneiras. Para os que tendem a encarar os acontecimentos pelo seu lado superficial, ela surge como epílogo dos fatos que tiveram início na Semana Santa. Na realidade, porém, o significado do 1° de abril é muito mais profundo e complexo. Antes do mais, o triunfo alcançado está a dizer-nos que, finalmente, a democracia brasileira venceu a ditadura em cujas estruturas a nação vegetava.”

Aquilo tudo, a marcha da família em São Paulo, os noticiários relatando a gravidade do momento, não me afetaram muito. Ingenuamente, estava em disputa no grêmio do colégio pelo que quase tudo acompanhava de longe.

A década de 60 para os que não se engajaram, os indiferentes, aceitando que os tempos de Jango não poderiam mais ser adiados ou suportados – porque havia forte campanha contra ele na imprensa e declarada conspiração americana –, viveram esses anos sentindo certa glória pela criação artística, com a música marcante da bossa-nova, da jovem guarda, no teatro e cinema quando vencida a cesura, impertinente, sem critérios, e quantas vezes burra.

Nessa década os grupos armados que se organizaram opondo-se ao golpe militar, iniciaram luta surda. Nos porões dos órgãos de repressão, a tortura selvagem se tornara uma prática comum. Brutal. Mas, claro que não havia santos do lado dos grupos clandestinos armados.

Jovens e estudantes inteligentes se uniram a esses movimentos alimentando um ideal ambíguo de desforra impossível. De mudar o país com o povo unido. Mas, não havia povo. Ideais e ideologias que não diziam respeito a muitos daqueles que aderiram a essa luta. E, pior, tombaram sem bandeira e sem razão. 

Essa luta armada, no fundo, dera munição aos militares para o endurecimento do regime e o “vale tudo” da linha dura prevaleceu na ação repressiva.

Não foram muitos os que se decidiram por aquele espírito belicoso incluindo os que rumaram meio às cegas, mas vários foram os militantes que se deram mal. 

Esse tipo de oposição fora instituída num momento de arrogância militar. 

Um erro. Haveria que esperar o momento começando por discutir ideias. O regime militar haveria que se enfraquecer como resultado de sua fadiga. 

Cairia de velho.

O sindicalismo no ABC por linhas tortas tivera essa percepção ou tudo fora casual. De um modo ou outro deram contribuição para a queda do regime militar mais tarde.

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