Quando aportei no México, na capital, claro, já batia, então, forte, a saudade dos meus e do próprio Brasil. Já me cansara, efetivamente, de "hablar o portunhol". Já estava quase chegando ao “espanhol puro”.
O México não seria a última parada. Haveria, ainda, a Venezuela, então um país com forte moeda, pelo seu petróleo, que irrompia "aqui ou ali" na versão de um bem humorado venezuelano que lá conheci e ainda uma passada por Manaus.
Naqueles idos, as comunicações não tinham a desenvoltura e as facilidades de hoje
Num entardecer, depois de uma visita atribulada à fábrica de automóveis na cidade
de Toluca, meio deprimido, não tanto pelo "home sick", mas pela recepção impaciente que recebera nessa minha estada profissional, dentro de um carro magnífico, mal me dava conta dos recantos mexicanos.
Rumávamos para meu hotel e eu me perguntava do desequilíbrio daquele dia. “Afinal, pensava, não seria uma rara oportunidade que teriam os mexicanos que me recepcionaram de comparar os países e os modos de vida”? Naquele momento a oportunidade se perdera.
Não me dera vontade de começar qualquer conversa com o motorista, um sujeito afável e amistoso que não merecia minha indiferença. Era eu quem perdia aquela mesma oportunidade.
Diante do meu silêncio deselegante, ligou o rádio. A música que tocava, naquele instante, fora um alento: "Jesus Cristo" de Roberto Carlos. Naquele país distante, apertado pela saudade, nada mais reconfortante que ouvir Roberto Carlos com aquele seu apelo: "Jesus Cristo, Jesus Cristo eu estou aqui..."
Fora como um chamamento, uma sacudida para me lembrar da religiosidade dos mexicanos. Nas fábricas que visitei, em vários locais, mesmo na linha de montagem, havia altares com a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe. A reverência permanente à santa.
Visitando a magnífica Catedral Metropolitana da cidade, num dia de solenidade religiosa, mal pude me mexer dentro da igreja de tão lotada.
Num dos últimos dias no México, numa providencial manhã de folga, fui visitar as pirâmides de Teotihuacan, nas proximidades da cidade.
Essas pirâmides situam-se num local que chamaria de imenso largo escampado. São suntuosas e impressionantes construções de pedra, com degraus com cerca de 50 cm de altura.
O dia estava ensolarado e quente, o céu azul. Soprava uma leve brisa.
O conjunto das pirâmides transmitia, com o contraste do céu e do sol, um sentido enigmático. Ao me aproximar de seus domínios, fui acometido de leve mas perceptível arrepio que circulou pelos meus braços.
Escalei a pirâmide do Sol, entrei nalguns de seus compartimentos com a vontade de intuir quais motivações religiosas poderiam ter inspirado tal modelo de obra.
De volta ao Brasil, pouco tempo depois, descrevia a um médico amigo as impressões desse passeio nas pirâmides de Teotihuacan. Estudioso de temas esotéricos ele me perguntou, sem qualquer expectativa, se eu não sentira algo de anormal naqueles sítios.
Relatei-lhe o arrepio, chegando ambos à conclusão de que aquela reação poderia ser resultado de vibrações que permaneciam no éter, ecoando pelos séculos, sendo captadas, eventualmente, pelo profundo magnetismo religioso que marcara o local.
Anos se passaram.
Desde aquela viagem, por muito tempo o México ocupara minha mente e espírito com muito carinho. Porque naqueles dias, e creio que ainda agora, havia interesse efetivo dos mexicanos pelas coisas brasileiras, especialmente pelo futebol e pela música.
Em 1992, por ocasião das comemorações do 5° século do descobrimento da América, as diversificadas pesquisas e indagações que essas comemorações propiciaram, só vieram confirmar minha relativa ignorância sobre os astecas.
Se os espanhóis se comportaram como bárbaros para dominar o grande império asteca, como se comportavam estes em relação aos seus prisioneiros?
Os astecas praticavam sacrifícios, com requintes de crueldade e depois os devoravam. As pirâmides, então, asseguram os historiadores, cheiravam matadouros porque eram exatamente o que eram. Os prisioneiros, com os corações extirpados do peito, eram empurrados lá do alto.
A cidade do México foi construída sobre a destruída Tenochtitlán (capital do império asteca, fundada em 1325). De tão bonita e organizada essa cidade asteca, Cortês, o conquistador espanhol, chegara a escrever: "Não posso dizer outra coisa senão que na Espanha nada existe de comparável".
Houve, pois, naqueles terrenos, do alto das pirâmides e nas suas imediações, muito sofrimento, sacrifício e sangue derramado. As vibrações que ali se expandem podem conter gritos propagando forças revoltas e inconsoláveis do sofrimento e da morte.
O meu quase imperceptível arrepio, mas indelével, quando da minha visita às pirâmides, não terá sido uma tênue ligação com uma manifestação sutil do mistério da morte e do pavor dos sacrificados?
O arrepio é comum no frio, no susto e no medo. Não me parece que seja veículo para transmitir um instante de inspiração, de elevação.
Por essas contradições é que, até hoje, tenho essa como uma experiência valiosa e inesquecível. Não poderia ser indiferente a ela, imaginando que aquela sensação fosse apenas o efeito da brisa que soprava. Enfim, não posso ignorar, num mero dar de ombros essas passagens que, de certa forma, fortalecem o espírito e temperam a vida.
PS: Alguém insiste: “E se fosse mesmo apenas a brisa “encanada”? Pensei e não vacilei na resposta: “O que mudaria?”
Fotos:
Catedral Metropolitana do México: flicker.com (Google imagens)
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