Há dias em que as coisas amargam.
No domingo voltara a ver a minha cachorrinha preta, com doença grave, que a deixava prostrada e sofrendo. Por causa da doença, perdera aquele seu brilho nos olhos e agora me olhavam suplicantes.
Dizia para ela que sua doença era grave. Inteligente, ela parecia compreender mas contava comigo.
Exatamente naqueles dias em que o quadro da minha preta se agravara eu escrevera sobre São Francisco e os animais.
Que situação contraditória, que experiência essa eu não gostaria de ter!
Saio para umas andanças e vou visitar a muda de “pau-brasil” que plantara na área verde próxima daqui, que por muito cuidara. Outras árvores plantara há tempos que floresceram.
A muda de “pau-brasil” que florescia muito bem, estava partida no meio do seu tronco ainda frágil. Quem poderia ter praticado aquele ato estúpido?
Um soco na cara.
Quem sabe ela ainda brote do que restou, renascendo e florescendo? Difícil!
Moralmente a nocaute liguei a muda arrebentada com o sofrimento de minha cadelinha.
Estivera por aqueles dias no veterinário.
Relatei a um outro “paciente” que levara seu cão para tratamento, o estado de minha cadelinha, tentando esconder a emoção;
- Ela já está comigo há 17 anos, e está muito doente!
O meu interlocutor simplesmente comentara:
- Não é possível tratar um cachorro como um ser humano, é preciso separar as coisas...
Algo assim, nesse sentido. Essa observação me fizera mal.
Mas, é claro que não poderia, a minha cachorrinha ser tratada como um ser humano. Ela não era humana, mas um animal angélico. Uma humilde vira-lata. Não exagero sob os efeitos da emoção, não!
Era ela quem me chamava latindo ou choramingando sabendo que eu chegara, se não fosse vê-la apenas por um instante até ao anoitecer;
Era ela que feliz ia à minha frente nos rumos do quintal do fundo certificando-se se eu a seguia; lá me fazia companhia, me observando sentado no banco que ali há, fuçando e se espojando no gramado. Foi nesse quintal que li, com ela por perto sempre, a maior parte do imenso “Guerra e Paz”, de Tolstoi.
Era para ela que recitava carinhos que os recebia sempre com gratidão;
Era ela que reclamava dos banhos sob a torneira nos dias quentes e ficava exultante após se sacudir toda;
Era ela incondicional com a família mas principalmente comigo.
Não, ela não poderia ser tratada como ser humano, porque são poucos os que agem desse modo incondicional com os semelhantes. São Francisco?
Ela se foi. A doença a consumia de um modo atroz. Não havia como suportar.
Ficou comigo a amargura do que me obriguei a fazer, uma experiência que me diminuiu, mas a sua doçura haverá de temperar esse desgosto.
Fotos:
1. Flores do pau-brasil
2. Preta e eu
28/11/2010
21/11/2010
MEUS 40 ANOS
Esclarecendo: a efeméride a que se refere esta crônica já se deu há MUITO tempo. Nem esta crônica é nova, mas eu a colhi do “estoque” porque adiei uma outra sobre “ataque” de pássaros que ainda preciso escrever. Hoje as asas da inspiração não alçaram voo...
A vida começa aos 40 e a velhice na cabeça de cada um...
No exato dia do meu 40° aniversário, postei-me no fim da tarde na sorveteria das Lojas Americanas de Santo André, no calçadão da principal rua comercial, refletindo, com um sorvete na mão, o que significava, efetivamente, para mim, ter alcançado aquela idade.
Sentia-me iluminado e inspirado. Um retorno ao passado saudoso fez-me rabiscar mais tarde (sim, rabiscar, primeiramente, porque computadores eram equipamentos de iniciados, e eu era sofrível datilógrafo), uma crônica publicada alhures, sobre aqueles momentos e o passado nem sempre vivido com a intensidade que seria desejável. Fora falta de aviso, com certeza. Algo assim:
- Viva intensamente esta década, a década de 60, porque ela será um marco de referências.
Mais poderia ter feito e vivido. Mas, eu desconhecia ou não sabia como construir esses momentos de felicidade. Talvez ela estivesse comigo todo o tempo mas apenas não explodiu como poderia.
Um momento inesquecível, hoje hilariante, constrangedor então, que quando dele me lembro me faz rir pelos cantos e pelas ruas, ocorreu a partir de uma aula de filosofia no colegial.
Dentro da minha irreverência, nas aulas de filosofia eu me tornara um aluno "inconveniente" para meu professor da matéria. Misturava conceitos de suas aulas, com rudimentos esotéricos que então começava a me iniciar, e a cada interrupção que fazia, mais ficava o mestre perplexo e confuso. Boquiaberto mesmo. Não, é claro, pelo meu brilhantismo, mas pelo que poderia se chamar de "samba do ‘filósofo’ doido".
Sendo um sujeito sensível, certamente que para conviver com minha "inconveniência", minhas notas sempre foram ótimas. Porque, sobretudo, penso eu, havia uma mútua simpatia e ele, para retribuir essa reciprocidade, me garantia notas excelentes em sua disciplina. Ou simplesmente para não me ver no ano seguinte, repetindo a sua matéria, tendo que me aguentar.
Mas, nessa disputa para mostrar conhecimento, ainda que desconexos, ocasionalmente ocorriam dissensões.
Havia na minha classe um sujeito metido a Ruy Barbosa, que assim pensava porque carregava, também, o sobrenome Barbosa.
Certa feita, desdenhara a classe toda, solicitando ao mesmo professor de filosofia que repetisse determinado conceito porque somente ele, por certo, o teria entendido.
Não fiz por menos:
- Falou o gênio Barbosa que não é o de Ruy.
Acabada a aula, com delicadeza ele chegara até mim, perguntando suavemente se aquela observação fora para ele. Respondi secamente:
- Se o capuz lhe serviu, use-o.
Traiçoeiramente, desferiu um belo soco no meu queixo. Meus óculos voaram pelo corredor. Senti todo o peso de sua mão fechada no meu maxilar. Chegou, é claro, a turma do "deixa disso e pôs as coisas no lugar".
A agressão não teve maiores consequências, somente imensa repercussão no colégio. Meus amigos faziam troça, olhando para meu queixo, procurando algum estrago "merecido". Um deles, gaiato, muitos anos depois, sempre que me encontrava fazia questão de relembrar a cena do soco, examinando meu queixo e fazendo troça dos meus óculos subindo alguns palmos no éter.
Repassando esse evento ali, na frente da sorveteria das Lojas Americanas, agora do alto dos meus 40 anos, na rua movimentada, mal consegui conter o riso.
Eis que minha atenção é despertada para um idoso com a Bíblia na mão. Associei a um amigo, muito religioso, desses que assumem a religião, com intensa fé, com desconcertante convicção.
Alguma vezes tentara me ensinar lições da Bíblia, mas essa tarefa nunca dera certo, porque tinha eu por hábito, como até hoje tenho, de fazer questionamentos "inconvenientes". Já me referi a isso em outros escritos que às vezes a Bíblia revela sua profundidade no silêncio da meditação.
Discutia muito com ele sobre religião. Em sua opinião, a China naqueles dias já pós Mao Tse Tung, uma potência nuclear que parecia olhar com desprezo o ocidente e seus "pecados" , seria a alavanca do apocalipse bíblico. Ao visualizar a China, então, eu a enxergava cinzenta, talvez porque a roupa padrão normalmente nessa tonalidade do chinês retransmitisse em minha mente essa cor como sendo do próprio país.
Eis que, num daqueles dias, o "Estadão" estampou manchete significativa, algo assim: "A China abre-se para o mundo".
Mostrei-lhe a manchete. Ele não se abalou e fez até um sinal de conformismo.
Naquele instante, com alívio, quem sabe, passara a adiar o apocalipse que "profetizara" iminente. (*)
Com essas lembranças, saí pelo calçadão, emocionando-me com o semblante humilde de algumas pessoas que passavam ao meu lado ou vinham em minha direção. É que as quarenta velinhas resplandeciam intensas na minha interioridade.
Só via beleza por todos os lados.
(*) Não é nestes Temas que faço observações de natureza política mas acho oportuno neste caso.
Anos depois da manchete do jornal, em 1989, viajando aos Estados Unidos já ocorrendo a invasão de bugigangas asiáticas, os carros japoneses se impondo com o binômio preço-segurança, fiz questão de trazer na bagagem algum objeto genuinamente americano.
Depois de muito procurar, encontrei um rádio-relógio GE, marca tradicional. Quando o tirei da caixa e o examinei com atenção lá estava: “made in Malásia”.
Mais tarde tive oportunidade de ouvir a preleção de uma comissão chinesa comandada por uma representante que falava relativamente bem o português. Estava, se bem me lembro, pesquisando meios de comercialização do etanol. Recusava-se em discutir o regime político chinês muito mais fechado, então. “Estamos aqui a negócios”.
Bem. Deu no que deu. A China invadiu o mundo com suas bugigangas a preços irrisórios e agora ataca com produtos de alta tecnologia. Se a China é apocalíptica o será pela emanação de gazes tóxicos na atmosfera, agravando o “efeito estufa”...juntamente com as outras grandes e médias potências.
Foto: Rua Coronel Oliveira Lima - Santo André - década de 90 (PMSA)
A vida começa aos 40 e a velhice na cabeça de cada um...
No exato dia do meu 40° aniversário, postei-me no fim da tarde na sorveteria das Lojas Americanas de Santo André, no calçadão da principal rua comercial, refletindo, com um sorvete na mão, o que significava, efetivamente, para mim, ter alcançado aquela idade.
Sentia-me iluminado e inspirado. Um retorno ao passado saudoso fez-me rabiscar mais tarde (sim, rabiscar, primeiramente, porque computadores eram equipamentos de iniciados, e eu era sofrível datilógrafo), uma crônica publicada alhures, sobre aqueles momentos e o passado nem sempre vivido com a intensidade que seria desejável. Fora falta de aviso, com certeza. Algo assim:
- Viva intensamente esta década, a década de 60, porque ela será um marco de referências.
Mais poderia ter feito e vivido. Mas, eu desconhecia ou não sabia como construir esses momentos de felicidade. Talvez ela estivesse comigo todo o tempo mas apenas não explodiu como poderia.
Um momento inesquecível, hoje hilariante, constrangedor então, que quando dele me lembro me faz rir pelos cantos e pelas ruas, ocorreu a partir de uma aula de filosofia no colegial.
Dentro da minha irreverência, nas aulas de filosofia eu me tornara um aluno "inconveniente" para meu professor da matéria. Misturava conceitos de suas aulas, com rudimentos esotéricos que então começava a me iniciar, e a cada interrupção que fazia, mais ficava o mestre perplexo e confuso. Boquiaberto mesmo. Não, é claro, pelo meu brilhantismo, mas pelo que poderia se chamar de "samba do ‘filósofo’ doido".
Sendo um sujeito sensível, certamente que para conviver com minha "inconveniência", minhas notas sempre foram ótimas. Porque, sobretudo, penso eu, havia uma mútua simpatia e ele, para retribuir essa reciprocidade, me garantia notas excelentes em sua disciplina. Ou simplesmente para não me ver no ano seguinte, repetindo a sua matéria, tendo que me aguentar.
Mas, nessa disputa para mostrar conhecimento, ainda que desconexos, ocasionalmente ocorriam dissensões.
Havia na minha classe um sujeito metido a Ruy Barbosa, que assim pensava porque carregava, também, o sobrenome Barbosa.
Certa feita, desdenhara a classe toda, solicitando ao mesmo professor de filosofia que repetisse determinado conceito porque somente ele, por certo, o teria entendido.
Não fiz por menos:
- Falou o gênio Barbosa que não é o de Ruy.
Acabada a aula, com delicadeza ele chegara até mim, perguntando suavemente se aquela observação fora para ele. Respondi secamente:
- Se o capuz lhe serviu, use-o.
Traiçoeiramente, desferiu um belo soco no meu queixo. Meus óculos voaram pelo corredor. Senti todo o peso de sua mão fechada no meu maxilar. Chegou, é claro, a turma do "deixa disso e pôs as coisas no lugar".
A agressão não teve maiores consequências, somente imensa repercussão no colégio. Meus amigos faziam troça, olhando para meu queixo, procurando algum estrago "merecido". Um deles, gaiato, muitos anos depois, sempre que me encontrava fazia questão de relembrar a cena do soco, examinando meu queixo e fazendo troça dos meus óculos subindo alguns palmos no éter.
Repassando esse evento ali, na frente da sorveteria das Lojas Americanas, agora do alto dos meus 40 anos, na rua movimentada, mal consegui conter o riso.
Eis que minha atenção é despertada para um idoso com a Bíblia na mão. Associei a um amigo, muito religioso, desses que assumem a religião, com intensa fé, com desconcertante convicção.
Alguma vezes tentara me ensinar lições da Bíblia, mas essa tarefa nunca dera certo, porque tinha eu por hábito, como até hoje tenho, de fazer questionamentos "inconvenientes". Já me referi a isso em outros escritos que às vezes a Bíblia revela sua profundidade no silêncio da meditação.
Discutia muito com ele sobre religião. Em sua opinião, a China naqueles dias já pós Mao Tse Tung, uma potência nuclear que parecia olhar com desprezo o ocidente e seus "pecados" , seria a alavanca do apocalipse bíblico. Ao visualizar a China, então, eu a enxergava cinzenta, talvez porque a roupa padrão normalmente nessa tonalidade do chinês retransmitisse em minha mente essa cor como sendo do próprio país.
Eis que, num daqueles dias, o "Estadão" estampou manchete significativa, algo assim: "A China abre-se para o mundo".
Mostrei-lhe a manchete. Ele não se abalou e fez até um sinal de conformismo.
Naquele instante, com alívio, quem sabe, passara a adiar o apocalipse que "profetizara" iminente. (*)
Com essas lembranças, saí pelo calçadão, emocionando-me com o semblante humilde de algumas pessoas que passavam ao meu lado ou vinham em minha direção. É que as quarenta velinhas resplandeciam intensas na minha interioridade.
Só via beleza por todos os lados.
(*) Não é nestes Temas que faço observações de natureza política mas acho oportuno neste caso.
Anos depois da manchete do jornal, em 1989, viajando aos Estados Unidos já ocorrendo a invasão de bugigangas asiáticas, os carros japoneses se impondo com o binômio preço-segurança, fiz questão de trazer na bagagem algum objeto genuinamente americano.
Depois de muito procurar, encontrei um rádio-relógio GE, marca tradicional. Quando o tirei da caixa e o examinei com atenção lá estava: “made in Malásia”.
Mais tarde tive oportunidade de ouvir a preleção de uma comissão chinesa comandada por uma representante que falava relativamente bem o português. Estava, se bem me lembro, pesquisando meios de comercialização do etanol. Recusava-se em discutir o regime político chinês muito mais fechado, então. “Estamos aqui a negócios”.
Bem. Deu no que deu. A China invadiu o mundo com suas bugigangas a preços irrisórios e agora ataca com produtos de alta tecnologia. Se a China é apocalíptica o será pela emanação de gazes tóxicos na atmosfera, agravando o “efeito estufa”...juntamente com as outras grandes e médias potências.
Foto: Rua Coronel Oliveira Lima - Santo André - década de 90 (PMSA)
14/11/2010
07/11/2010
PENSAMENTO FORTE
Já disse. Trabalhei a maior parte de minha vida profissional em multinacionais do ramo automobilístico.
Salvo na fábrica da Chrysler da cidade de Santo André (SP) há muitos anos extinta, talvez pelo meu modo de ver as coisas a despeito da minha atividade profissional sempre me considerei um anônimo no meio daqueles gerentes, supervisores e mesmo da peãozada toda.
Tinha um nome que até poderia soar forte na empresa, mas me sentia absolutamente desconhecido e desconhecia todas aquelas pessoas com as quais me relacionava no dia-a-dia
Vou dar um exemplo real da face2 usada dentro da empresa.
Eis que num fim-de-semana caminhando num lado qualquer do bairro, dou de cara com um gerente da empresa que se aplicava no jardim e numa horta de sua casa com a mão mergulhada na terra e no esterco, manejando enxada e regador.
Na segunda-feira, assim que eu o encontrei na fábrica, fiz provocação amistosa:
- Poxa, no sábado você foi aprovado como jardineiro, hem!
Resposta inesperada e constrangida:
- Não conte isso para ninguém.
Fiquei perplexo. Na fábrica ele usava a face2. Não me dera conta disso até então...
Ao longo desses anos todos, exigente comigo mesmo e com os meus pares, comecei a entrar num terrível processo de tédio, assistindo reuniões horríveis, aguentando colegas com alto grau técnico e zero – que eu conhecesse ou que se deixassem conhecer – em atitude humana, de interioridade, de subjetividade.
Numa multinacional para a qual trabalhara, certo dia surgira novo presidente um americano alto, loiro, cabelos mais para o grisalho, rosto magro e avermelhado, nariz empinado. Viera para proceder à reestruturação da empresa.
Iria “cortar na carne”, anunciava a “rádio peão”.
Criou-se um clima de expectativa e terror. Esse sujeito se impunha pela truculência verbal, expressando-se num português razoável.
Já pouco afinado por tudo isso que acima relatei e adquirindo antipatia incontornável por esse gringo, por várias vezes disse alto e pensei:
- O melhor para mim seria a demissão acrescida do pacote especial e tomar outro rumo na vida.
Porém, num processo contraditório, pus-me a ler, imaginando uma melhoria com a reestruturação que se desenhava e também por curiosidade, um livro não comercial de autoconhecimento e uso das “forças mentais”.
Na reunião decisiva da reestruturação, a despeito de toda minha dedicação, assim imaginava, fui preterido, sendo demitido.
Dera-se, sobretudo, um choque de desejos entre aquilo que passara a ler no livro citado e aquele pensamento forte anterior como o ideal (demissão).
Pelo que soube mais tarde, alguns daqueles gerentes a quem dera apoio, sempre, haviam também votado pela minha demissão.
Passado aquele momento amargo, inédito, porque nunca tivera tal experiência, refleti muito.
Na verdade, eu pedira mentalmente aquele desfecho.
Ademais, pelo meu tédio, rejeitando mentalmente dirigentes, julgando-os ignorantes devo ter alimentado por meses e meses, muitos inimigos não declarados resultado do rebate negativo do que eu pensava fortemente sobre eles.
O dia seguinte, sábado, fora um dia doloroso. Jamais imaginara que depois de tantos anos dedicados às empresas viveria essa experiência. Imaginava ser “imortal” nelas. Bobagem. E que bobagem.
Fora um pesadelo. Muitos se sucederam em estado de semivigília. Via-me chegando à empresa pela manhã, rumava para minha sala, não a encontrava ou havia alguém estranho sem rosto no meu lugar. Caminhava, então, pela fábrica como um fantasma, via sem ser visto, renovando a angústia da demissão ao acordar.
Soubera após administrar centenas de demissões nas várias multinacionais para as quais trabalhara os efeitos danosos que produziam nos demitidos.
Lembrara-me da angústia dos empregados humildes, que tentavam de todas as formas garantir seu emprego, implorando por uma transferência para outra seção ou para a matriz em outra cidade. E meu constrangimento em processar demissões de colegas próximos com quem compartilhara com lealdade êxitos e fracassos, por anos a fio.
- Recebera minha paga, pensara. Sentira o amargo do fel.
Nos dias que antecederam à minha saída definitiva da empresa, ex-subordinados bajuladores ou não, colegas do dia-a-dia, passaram a ignorar-me – da mesma forma como se daria nos sonhos -, como se receassem o contágio duma doença incurável. Mas, a despeito disso, sempre cuidara para que diante de mim próprio não fizesse o papel canastrão, de vítima. Quais lições tirei desse evento real?
i.) Que o pensamento é uma força que precisa ser cuidada. Há então se esforçar muito para superar, em relação ao seu antagonista, sentimentos de raiva, de intolerância e de dúvida. Haverá, pois, que mentalmente mudar o modo de pensar em relação a ele e transmitir pensamentos positivos de tolerância recíproca para que ele também mude o modo de agir. Esse exercício funciona.
(Não estou nem de longe tentando passar lições de autoajuda com o meu relato. Se tem algo que receio é ser ou parecer ridículo).
Já emiti pensamentos que não direi quais – porque são só meus – que vi repetidos a mim por pessoas próximas, para minha surpresa;
ii.) O pensamento forte obedece ao seu emissor, podendo provocar desgostos ou êxitos.
(Reconheço que há eventos que fogem dessa fórmula básica, provenientes, acredito, de outras causas pendentes na vida. Mas, esse é um outro tema).
De tudo isso que relatei, conclui por fim que há profissionais que nasceram para ser executivos e, menos que críticas, há que se esforçar para entendê-los.
E quanto a mim com a experiência relatada de perdas e ganhos: mais ganhei do que perdi.
Sabem por quê?
Porque para mim “tudo está ótimo!”
Imagem: He-Man, “Eu tenho a força” (Google)
Salvo na fábrica da Chrysler da cidade de Santo André (SP) há muitos anos extinta, talvez pelo meu modo de ver as coisas a despeito da minha atividade profissional sempre me considerei um anônimo no meio daqueles gerentes, supervisores e mesmo da peãozada toda.
Tinha um nome que até poderia soar forte na empresa, mas me sentia absolutamente desconhecido e desconhecia todas aquelas pessoas com as quais me relacionava no dia-a-dia
Vou dar um exemplo real da face2 usada dentro da empresa.
Eis que num fim-de-semana caminhando num lado qualquer do bairro, dou de cara com um gerente da empresa que se aplicava no jardim e numa horta de sua casa com a mão mergulhada na terra e no esterco, manejando enxada e regador.
Na segunda-feira, assim que eu o encontrei na fábrica, fiz provocação amistosa:
- Poxa, no sábado você foi aprovado como jardineiro, hem!
Resposta inesperada e constrangida:
- Não conte isso para ninguém.
Fiquei perplexo. Na fábrica ele usava a face2. Não me dera conta disso até então...
Ao longo desses anos todos, exigente comigo mesmo e com os meus pares, comecei a entrar num terrível processo de tédio, assistindo reuniões horríveis, aguentando colegas com alto grau técnico e zero – que eu conhecesse ou que se deixassem conhecer – em atitude humana, de interioridade, de subjetividade.
Numa multinacional para a qual trabalhara, certo dia surgira novo presidente um americano alto, loiro, cabelos mais para o grisalho, rosto magro e avermelhado, nariz empinado. Viera para proceder à reestruturação da empresa.
Iria “cortar na carne”, anunciava a “rádio peão”.
Criou-se um clima de expectativa e terror. Esse sujeito se impunha pela truculência verbal, expressando-se num português razoável.
Já pouco afinado por tudo isso que acima relatei e adquirindo antipatia incontornável por esse gringo, por várias vezes disse alto e pensei:
- O melhor para mim seria a demissão acrescida do pacote especial e tomar outro rumo na vida.
Porém, num processo contraditório, pus-me a ler, imaginando uma melhoria com a reestruturação que se desenhava e também por curiosidade, um livro não comercial de autoconhecimento e uso das “forças mentais”.
Na reunião decisiva da reestruturação, a despeito de toda minha dedicação, assim imaginava, fui preterido, sendo demitido.
Dera-se, sobretudo, um choque de desejos entre aquilo que passara a ler no livro citado e aquele pensamento forte anterior como o ideal (demissão).
Pelo que soube mais tarde, alguns daqueles gerentes a quem dera apoio, sempre, haviam também votado pela minha demissão.
Passado aquele momento amargo, inédito, porque nunca tivera tal experiência, refleti muito.
Na verdade, eu pedira mentalmente aquele desfecho.
Ademais, pelo meu tédio, rejeitando mentalmente dirigentes, julgando-os ignorantes devo ter alimentado por meses e meses, muitos inimigos não declarados resultado do rebate negativo do que eu pensava fortemente sobre eles.
O dia seguinte, sábado, fora um dia doloroso. Jamais imaginara que depois de tantos anos dedicados às empresas viveria essa experiência. Imaginava ser “imortal” nelas. Bobagem. E que bobagem.
Fora um pesadelo. Muitos se sucederam em estado de semivigília. Via-me chegando à empresa pela manhã, rumava para minha sala, não a encontrava ou havia alguém estranho sem rosto no meu lugar. Caminhava, então, pela fábrica como um fantasma, via sem ser visto, renovando a angústia da demissão ao acordar.
Soubera após administrar centenas de demissões nas várias multinacionais para as quais trabalhara os efeitos danosos que produziam nos demitidos.
Lembrara-me da angústia dos empregados humildes, que tentavam de todas as formas garantir seu emprego, implorando por uma transferência para outra seção ou para a matriz em outra cidade. E meu constrangimento em processar demissões de colegas próximos com quem compartilhara com lealdade êxitos e fracassos, por anos a fio.
- Recebera minha paga, pensara. Sentira o amargo do fel.
Nos dias que antecederam à minha saída definitiva da empresa, ex-subordinados bajuladores ou não, colegas do dia-a-dia, passaram a ignorar-me – da mesma forma como se daria nos sonhos -, como se receassem o contágio duma doença incurável. Mas, a despeito disso, sempre cuidara para que diante de mim próprio não fizesse o papel canastrão, de vítima. Quais lições tirei desse evento real?
i.) Que o pensamento é uma força que precisa ser cuidada. Há então se esforçar muito para superar, em relação ao seu antagonista, sentimentos de raiva, de intolerância e de dúvida. Haverá, pois, que mentalmente mudar o modo de pensar em relação a ele e transmitir pensamentos positivos de tolerância recíproca para que ele também mude o modo de agir. Esse exercício funciona.
(Não estou nem de longe tentando passar lições de autoajuda com o meu relato. Se tem algo que receio é ser ou parecer ridículo).
Já emiti pensamentos que não direi quais – porque são só meus – que vi repetidos a mim por pessoas próximas, para minha surpresa;
ii.) O pensamento forte obedece ao seu emissor, podendo provocar desgostos ou êxitos.
(Reconheço que há eventos que fogem dessa fórmula básica, provenientes, acredito, de outras causas pendentes na vida. Mas, esse é um outro tema).
De tudo isso que relatei, conclui por fim que há profissionais que nasceram para ser executivos e, menos que críticas, há que se esforçar para entendê-los.
E quanto a mim com a experiência relatada de perdas e ganhos: mais ganhei do que perdi.
Sabem por quê?
Porque para mim “tudo está ótimo!”
Imagem: He-Man, “Eu tenho a força” (Google)
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