24/02/2013

GUERRA, POR FALAR EM...E SUAS TRAGÉDIAS HUMANAS


Breve 'debate' do tema “guerra” inspirado nalguns títulos da literatura universal (“Nada de Novo no Front”, “Guerra e Paz”), no cinema (“Rambo”) e análise filosófica sobre elas (Krishnamurti).

"NADA DE NOVO NO FRONT" (1)

PARA RELEITURA COMPLETA DA RESENHA DO LIVRO "
NADA DE NOVO NO FRONT", ACESSAR:

TEXTO REVISADO E AMPLIADO




"RAMBO"

A guerra do Vietnã foi para os Estados Unidos por demais traumática. Há em pontos do seu território, memoriais com os nomes de todos os mortos nessa guerra perdida. E também do lado vietnamita há lembranças de suas vítimas, por pequenas campas em cada quintal.

Os veteranos americanos da guerra do Vietnã foram incluídos em programas de “ação afirmativa”, que incentivavam a sua contratação profissional e também dos mutilados.

Há, aliás, uma cena muito significativa no filme Rambo, que não escapara desse trauma. O enredo se concentra na presença do herói solitário (Rambo), um soldado com treinamento especial, apto a suportar os maiores desafios, que vaga pelas plagas do seu país em busca dos seus amigos, soldados também, mas não os encontrou, porque todos mortos.

Nessas caminhadas, chega Rambo a uma pequena cidade na qual é gratuitamente hostilizado, até que parte para o revide e a partir dai a violência explode na tela.


No final, diante do seu general, que o “criara” com aquelas habilidades sobre-humanas, explode num choro convulsivo lamentando a solidão e até mesmo a sua impossibilidade em conseguir...um emprego, porque veterano do Vietnã.

"GUERRA E PAZ"

No imenso “Guerra e Paz” de Leon Tolstoi há uma “cena” para mim bastante significativa. Um momento em que o herói da história, Pedro, luta com um soldado francês. Ambos se confundem quem era quem naquela luta que se iniciara, a preocupação descabida, a insanidade que só a guerra produz:

“Durante alguns instantes, miraram-se os dois rostos desconhecidos um ao outro, com espanto e perplexidade. Cada qual perguntava a si mesmo: “Fui eu que o aprisionei ou ele que me aprisionou?” O oficial francês parecia pender mais para esta última suposição, porque a mão vigorosa de Pedro, movida por um terror instintivo, lhe apertava cada vez mais a garganta. Ia dizer qualquer coisa, quando uma bala passou num assobio sinistro quase aos rés de suas cabeças; Pedro pensou que a do francês tinha sido arrancada, tão rapidamente a havia abaixado. Baixou também ele a sua e largou a presa.”

Claro que a obra de Tolstoi é, sobretudo, um romance com fortes impressões da ambição conquistadora de Napoleão que invadiria a Rússia.

O castigo dado a um traidor russo que se “vendera” a Bonaparte:

“- Uma boa machadada, hem?...Está estrangulado?...O traidor, o Judas! Não, respira ainda!...Tem a vida dura!...Só tem o que merece!...Uma machadada!...Está acabado?”

(...)

“Oh! Meu Deus, que animal feroz é o povo! Como depois disso poderia o coitado viver ainda?!” – repetia-se. – “E como era jovem!...sem dúvida um filho de papai!...Ah! o povo!...Dizem que não era esse...Como, não era ele?...Oh! meu Deus! E o outro em quem bateram, dizem que está semimorto!...Oh! o povo...aquele que não tiver medo do pecado...” diziam as mesmas pessoas que contemplavam agora, com compaixão, o cadáver de Verechechaguin, cujo rosto roxeava, coberto de sangue e de poeira e cujo longo pescoço esguio estava seccionado pela metade.”
 
(2)

Cenas de guerra, até “suaves”.

E o mal que fazem as guerras aos seus jovens soldados, obrigados ao “heroísmo” e a matar?


KRISHNAMURTI

J. Krishnamurti, filósofo de origem indu, considerado desde quando criança, pela Sociedade Teosófica um novo profeta – e ele rejeitaria esse qualificativo – educado por ela, tornou-se nos idos da década de 60, importante conferencista que pregava o que pode ser resumido na busca do autoconhecimento para mudar o caos em que se encontra o mundo:

“Não são apenas os americanos e os vietnamitas, porém cada um de nós, os responsáveis por essas guerras monstruosas. Não estamos empregando superficialmente a palavras, “responsáveis”. Nós somos responsáveis, não importa se a guerra está no Oriente Médio, ou no Extremo Oriente, ou noutra parte qualquer. Há fome, em grande escala, governos ineptos, acumulação de armamentos, etc. Observando tudo isso, somos natural e humanamente levados a exigir uma mudança, uma revolução em nossas maneiras de pensar e de viver.
Afirma que essas tragédias são causadas pela nossa “consciência nacional” e pela nossa religião: “Nossos deuses, nossas nacionalidades nos dividiram”.
Às vezes, sinto no seu pensamento certo limite porque atingir essas consciência – “aprender a respeito de nós mesmos” – sem fragmentações não se constitui tarefa fácil.

Já naqueles anos, servindo para os dias atuais, sem essa “revolução” religiosa – religiosa num sentido de interioridade e não de exterioridade – dizia ele que,

“Somos o depósito de todo o passado, da experiência racial, familial e individual da vida; somos isso e, a menos que em nossa própria essência haja uma revolução, uma mutação, não vejo possibilidade de nascer uma sociedade boa”.(3)

Creio mesmo que, aqueles espíritos superiores que conseguiram essa “revolução na própria essência”, pelas dificuldades que se apresentam hoje para viver com alguma plenitude nesse mundo tão desigual e contraditório, fogem desse cotidiano amargo.


Não divisando a possibilidade de “revolução na própria essência”, percebo a vida neste mundo cada vez mais difícil de ser vivida. Não há no relacionamento entre os povos aquele desprovimento do “seu mundinho”, de suas fronteiras, de suas idiossincrasias, pelo que a violência se manifesta, se ampliam os atos terroristas nestes tempos, cruéis, as armas de grosso calibre com poder de ceifar milhões de vidas a par de fazer tremer a própria estrutura da Terra...

Ah, sim, a fome poderia ser banida no Mundo se houvesse a utilização de apenas parte desses recursos bélicos imensos para o combate à miséria e introduzir o sentido da solidariedade.

Referências:


(1) Erich Maria Remarque, “Nada de novo no front” (Ed. Record)
(2) Leon Tolstoi, “Guerra e Paz” ( Ed. Itatiaia – 1997 – Vol. 2)
(3) J. Krishnamurti, “Como viver neste mundo” (Inst. Cultural Krishnamurti – 1976).

Imagens / Fotos:

1ª. Personagem Rambo;
2ª. Serenidade da noite sob a luz do luar - foto de Milton Pimentel Martins




05/02/2013

IRREFLEXÕES (... há algo de sacrilégio?)


O vento suave sopra de um modo que poderia sugerir um poema qualquer com rimas, ou sem elas exaltando esse momento. Único.
Entardece, esse vento com seu frescor ameniza o calor tórrido e faz com que, além de respirar fundo, tenha uma inspiração, uma busca de não sei bem o quê e onde. Mas, é um sentimento sensível, de paz. Há o silêncio – que tenho o direito de usufruir. Esse raro momento.
Medito. Nessas tardes, quando há essas coincidências todas entendo um pouco mais o significado do relaxamento interior pelo respirar pausado que bate fundo no peito.
Minhas misérias, captadas num vácuo da mente, se afastam envergonhadas e há esse sentido harmonioso a tudo se sobrepondo. As nuvens se desajeitam como sempre se desajeitam. Formam estrias. 

Aquela branca vindo tal qual algodão limpíssimo, por alguns instantes desenha...um caboclo? olhando para o alto, mãos cruzadas em oração?
Talvez ainda chova mais tarde um pouco. Nuvens escuras estão se aproximando. Que venha a chuva, sinfônica.

“O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte: continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos”.

Essa frase é bíblica.
Levanto-me na preguiça e alcanço a Bíblia já aberta num livro específico. Costumo me cansar com os textos bíblicos porque exigem menos que leitura literal, interpretações.

[Já escrevi sobre esse tema, “Intuição desvendada”, crônica de 20.09.2009].

Mas, se tem livro que me deixa perplexo, é “Eclesiastes”:

“Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e aflição do espírito”.

[Vaidade, nos dicionários: “desejo imoderado de atrair admiração ou homenagens, presunção, futilidades...”].

“E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que, trabalhando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol.”

Claro que o objetivo de tal texto é informar sem rodeios que no fim nada restará das riquezas, da fama, da fortuna, porque do seu autor só restará o pó. As placas, as homenagens se perdem no tempo, enferrujam, perdem-no viram pó, areia. “Quem era ele?”

[Já escrevi sobre isso, “Da vaidade ao pó (Reflexões sobre a terra prometida)” de 24.04.2011].

Mas, e as palavras e os exemplos dos que obraram pela Humanidade? A Bíblia está cheia deles.
Quanto a mim, a despeito dessa realidade da qual a cada dia todos vamos nos aproximando – do pó -, prefiro exercer o trabalho como um significado para a vida, mesmo sem a intensidade de antes.
Para muitos uma maneira de elevação (vaidade?). Há que lembrar que muitos sem trabalho, por outra, se perdem na depressão, no vício. E estes pontos respondem ao pregador:

“Que vantagem tem o homem, de todo o seu trabalho, que ele faz debaixo do sol?”

A Natureza trabalha e se renova sob nossos olhos.
E eu mesmo já disse, alhures, que “a vaidade impulsiona o mundo, porém.”

Depois de amanhã, será segunda-feira “brava”. Se não iniciar meu caminho nos rumos do pó – esse momento misterioso que nos “apaga” -, antes, terei tarefas e trabalhos a executar, com ou sem vaidades.
A chuva está chegando. Ela irrigará esta parte da terra. Que venha, sinfônica.


Fotos:
1. Nuvens, de Milton Pimentel Martins
2. Lavorando a terra


28/01/2013

ÉDIPO E A ESFINGE: FRASE QUE NÃO ESQUEÇO / Antígona de Sófocles



Há décadas e décadas na pequena estante do meu pai havia um livro muito antigo, “A Esfinge” cujo autor fora Mondini Belleti. Penso ser esse o título e o livro.
Curiosamente, buscando no Google, encontrei num sebo, a oferta desse livro, cuja edição é de 1923. Talvez o livro que li quando bem jovem, fosse exatamente essa edição.

Li sem interesse e, reconheço, com algum desdém, o livro, cuja história se baseia na tragédia de "Edipo”. Desdém ou não a verdade é que gravei para sempre, “enquanto durar esse sempre”, a seguinte frase do autor que, me parece, sintetiza todo o sentido da obra:

“Se ao invés do enigma proposto, impusesse a esfinge de Tebas que Édipo lhe definisse o homem, e seria Édipo devorado como todos os outros menos desgraçados.”

O desdém se devia à definição do “homem” para mim, então, algo descabido. “Definir o homem”, ora.
Mas, hoje, assistindo o que eu assisto, as mazelas, a violência entre os seres humanos, a maldade desmedida contra os animais, aquilo que tanto já disse, neste mundo de desigualdades onde convivem, lado a lado, a sordidez e a santidade, a frase me faz mais sentido.  E sempre aquela pergunta que não quer calar: qual o sentido de tudo isso, da vida, sob o sol do dia-a-dia?
E Édipo? E essa esfinge de Tebas?

Mitologia grega. Édipo foi vítima de uma maldição. Matou sem saber seu próprio pai e se casou, também sem saber, com sua própria mãe. Conhecida a verdade, Jocasta, a mãe, se suicidou enquanto Édipo, por não ter reconhecido quem era a mulher com que se casara, feriu-se provocou sua própria cegueira e se emasculou (castrou-se).



Dessa história da mitologia grega nasceu a teoria psicanalítica freudiana do “complexo de Édipo” segundo a qual o filho pode ter mais afeição à mãe e menos com o pai. Até mesmo aversão. Essa afeição à mãe se resolveria numa dada idade, com o “complexo de castração”.

E a Esfinge?


Um monstro com cabeça de mulher e corpo de animal (cão) que aterrorizava Tebas com seus enigmas. Não desvendado pelas suas vítimas, eram mortas e devoradas.

O enigma proposta a Édipo:
“Qual o animal que tem quatro patas de manhã, duas ao meio-dia e três à noite”?
Édipo venceu a Esfinge – que foi destruída -, com esta resposta:

- É o homem. Pela manhã ele engatinha com quatro ‘patas’; ao meio-dia é o adulto que anda com as duas pernas e à noite (na velhice) ele se vale de uma bengala, três pernas. (*)

Tudo isso relato por conta dessa frase que decorei há décadas. Essas coisas estranhas da mente que frequentemente afloram. Desta vez dela me livro oficialmente, mas continuo não sabendo definir o homem. E quem saberá?


(*) ÉDIPO REI de Sófocles, acessar comentários da peça:

https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2019/05/edipo-rei-de-sofocles-livro-60.html

Imagens.

1. Edipo e sua filha Antígona, que nunca o abandonou.
2. Representação da esfinge de Tebas


ANTÍGONA de SÓFOCLES


Sófocles (496-406 AC) escreveu uma das tragédias mais conhecidas do teatro grego, “Antígone” (Antígona), filha de Édipo que para mim – e por isso fiz um resumo valendo-me da edição de ebooksbrasil [www.ebooksbrasil.org] – tem algum ponto em que lembra a peça “Romeu e Julieta” de William Shakespeare. (Nessa obra de Sófocles, encontram-se a intransigência da autoridade representada pelo rei Creonte, a sua tardia resignação e a tragédia, o confronto entre o ódio e o amor e a consecução daquilo que já estava escrito, o destino).



Principais personagens (há outros na peça de Sófocles)


Antígone

Ismênia

Creonte

Hemon

Tirésias

Eurídice



Antígone – Ismênia



São irmãs e filhas de Édipo e Jocasta. Antígone chama a irmã para comunicar que desrespeitaria as ordens de Creonte.
Eram irmãos das duas, Eteócles e Polinice.
Com a morte do pai, Édipo, ambos lutaram pelo poder em Tebas, mas, “ao passo que dois infelizes, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, ergueram, um contra o outro, suas lanças soberanas e deram-se reciprocamente a morte!”
Então, Antígone relata à dolorosa notícia à sua irmã Ismênia:

“Pois não sabes que Creonte concedeu a um de nossos irmãos e negou a outro, as honras da sepultura? Dizem que inumou a Eteócles, como era de justiça e de acordo com os ritos, assegurando-lhe um lugar condigno entre os mortos, ao passo que, quanto ao infeliz Polinice, ele proibiu aos cidadãos que encerrem o corpo em túmulo (...). Quer que permaneça insepulto, sem homenagens fúnebres e presa de aves carnívoras”.

Ismênia vacila, teme pela sorte da irmã, que decidiu sozinha proceder à inumação do irmão Polinice.

Creonte

Com a morte dos irmãos, filhos de Édipo, assume o reinado de Tebas, Creonte.
Seu édito contra Polinice – negando a sepultura - foi assim explicado por ele:  

Eteócles que, “lutando em prol da cidade, morreu com inigualável bravura”.  Polinice, “que só retornou do exílio com o propósito de destruir totalmente, pelo fogo, o país natal e os deuses de sua família, ansioso por derramar o sangue dos seus, e reduzi-los à escravidão”.

Antigone consegue sepultar o corpo de seu irmão pouco abaixo da relva, sendo descoberta.

É questionada por Creonte sobre a sua grave desobediência. Diz ela:

“Nem eu creio que seu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis”.
(...)

Creonte:  “Ah! Nunca! Nunca um inimigo me será querido, mesmo após sua morte.”

Mas,  Antigone: “Eu não nasci para partilha de ódios, mas somente de amor!"

Hamon, filho de Creonte, noivo de Antigone

Questiona o pai pela dura resolução em condenar a morte a jovem:

“Quanto a mim, ao contrário, posso observar às ocultas, como uma cidade deplora o sacrifício dessa jovem; e como, na opinião de todas as mulheres, ela não merece a morte por ter praticado uma ação gloriosa.”
(...)
"Ela morrerá, eu sei! Mas sua morte há-de causar uma outra!"

Mesmo com todas as criticas à resolução, o édito de Creonte, por sua ordem, fora levado à frente.  Antigone foi levada a um sítio deserto e encerrada viva em um túmulo subterrâneo, “revestido de pedras, tendo diante de si o alimento suficiente para que a cidade não seja maculada pelo sacrifício.”

Tirésias, o adivinho

Revela a Creonte que sua resolução lhe trará graves consequências e desgraças.

Influenciado por Tirésias, convencido pelo clamor geral em salvar a jovem Antigone, Creonte se apressa em libertá-la do túmulo.

Tardiamente.

Ao lá chegar, encontra Antigone que se suicidara enforcando-se com os cadarços de sua cintura e lá está o seu filho Hemon em desespero. Cospe no rosto do pai que se aproximara, que clamava que dali saísse, mas seu filho tira a espada, tenta atingi-lo, e se suicida fincando a espada contra o seu próprio peito.

Eurídice

Esposa de Creonte e mãe de Hemon

Sabendo da morte do filho Hemon, Eurídice se fere com um punhal, suicidando-se com “um profundo golpe no fígado, ao saber da morte de Hemon.”


Cleonte entra em profundo desespero, sentindo-se culpado pelas mortes de Antígona, de seu filho Hamon e de sua esposa Eurídice. Pela sua tragédia.


“Não formules desejos...Não é lícito aos mortais evitar as desgraças que o destino lhes reserva!”

25/12/2012

PERCY E MARY SHELLEY...QUEM?



Sabem essas pausas de leitura nas quais um livro qualquer lhe cai às mãos e você passa a ler para não perder aquele hábito relutante porque a televisão está à sua frente como sereia pegajosa, bastando um clique?

Foi assim com o livro de André Maurois, “Ariel ou a vida de Shelley”, com tradução de Manuel Bandeira.

Bem, o livro deveria ser bom porque Mourois (1885-1967) fora renomado escritor francês, membro da Academia Francesa desde 1938. Manuel Bandeira (1886-1968), renomado escritor e poeta brasileiro, fora o tradutor. Deste o sempre lembrado “Vou-me embora pra Pasárgada”:

[Vou-me embora prá Pasárgada
Lá sou o amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora prá Pasárgada.]


À medida que avanço nas páginas do pequeno livro (197 páginas) vou com ele me encantando com os episódios da vida de Shelley, poeta inglês com grande talento. Descrito como “muito bonito”, com traços femininos, rebelde ao extremo, “não cristão” – defendera na juventude a necessidade de ser ateu.

Pela sua rebeldia, seu pai, muito rico, negou-lhe ajuda o que fez com que vivesse sempre com imensas dificuldades o que não o impediu de se casar aos 19 anos, com Harriet, de 16 anos.

Sua vida foi marcada por tragédias: a primeira esposa (Harriet) suicidou-se quando abandonada por ele, filhos seus que morreram precocemente naqueles tempos de medicina precária. Já vivendo com Mary Goldwin, casou com ela 15 dias depois da notícia da morte de sua primeira esposa. Após o casamento chamou-se Mary Shelley.

Nessa quadra de amargura vira a filha de sua cunhada Clara com Lord Byron - tratado como um devasso – deixada morrer, abandonada, num convento pelo pai.

As escalas poéticas, excêntricas de Shelley podem ser compreendidas por este trecho do livro de Mourois:

“Um dia o marinheiro encontrou-o tão absorvido numa visão longínqua que não ousou interrompê-lo sem primeiro lhe despertar a atenção e fazendo estalar as agulhas secas dos pinheiros. (...)
Chamou Shelley, que virou a cabeça e disse com lentidão:
- Hello! Entre.
- Este então é o seu gabinete de trabalho?
- É, estar entre as árvores são os meus livros. Quando a gente compõe, é preciso que a atenção não fique dividida. Numa casa não há solidão: uma porta que se fecha, um rumor de passos, uma campainha ecoam no espírito, dissipam visões.
- Aqui há rumores do rio, dos pássaros.
- O rio desliza como o tempo, e os sons da natureza fazem bem à alma. Só o animal humano é discordante e me incomoda...Oh, como é difícil perceber por que razão estamos aqui neste mundo, perpétuos tormentos para nós mesmos e para os outros!”

Percy Shelley morreu afogado aos 29 anos, vítima de um naufrágio.

Mary Shelley

No livro de André Maurois, Mary Shelley é apresentada como mulher, esposa e até protetora de seu marido.


Mas, Mary Shelley fora escritora talentosa com inúmeras obras.

Talvez não a melhor, mas aquela que ultrapassou os séculos é “Frankenstein”, escrita por Mary quando tinha 19 anos, em 1817.

Esse seu personagem ilustra até hoje histórias em quadrinhos, inúmeros filmes já foram produzidos, sendo constantemente reintroduzido na ficção.

Frankenstein, na obra, é o sobrenome do seu criador, Victor, que ao criar a criatura monstruosa, se arrepende amargamente da experiência, é perseguido por ela que em lugar de o atacar como ele receava, ataca sua esposa e a enforca. Há momentos ternos mas Frankenstein é sempre tratado sem complacência, porque julgado sobretudo por sua aparência.

No leito de morte de Victor, a criatura lá está emocionada com a partida iminente do seu criador.

A filha legítima de Lord Byron – ADA LOVELACE

Shelley se relacionou muito com Lord Byron, poeta e escritor inglês influente, mas tratado no livro como um devasso.

Ele teve uma filha legítima, Ada Lovelace. E daí?

Fora ele talentosa matemática e é lembrada como a primeira programadora de computador. Isso mesmo, e em meados do século 19!

Ada viveu pouco, apenas 37 anos incompletos (10.12.1815 - 27.11.1852). Mente avançada para o seu tempo, entendera a máquina de Charles Babbage, fizera anotações que seriam utilizadas um século depois de sua morte (início da década de 50) na construção dos primeiros computadores.

Envolvida no projeto Babbage, ela desenvolveu algoritmos que permitiriam à máquina computar valores de funções matemáticas.

[Algoritmo: passos para solucionar uma tarefa, um programa: como fazer...]

Charles Babbage (1791-1871) foi um cientista, matemático, engenheiro mecânico e inventor e reverenciado como aquele que projetou o primeiro computador, a máquina analítica, considerado como o “pai” da computação, embora seu invento não fosse concluído pela precariedade técnica no seu tempo. 

Essas invenções, porém, não eram conhecidas dos criadores dos atuais computadores.

No que se refere a Ada Lovelace em 1980, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos registrou linguagem de programação estruturada com o nome “Ada” em, sua homenagem. (1)

É pouco?

Todas essas informações – úteis ou não – foram surgindo de um simples livro que o acaso chegou até mim, o livro de André Maurois, “Ariel ou a vida de Shelley”. (1)

Referências:

(1) As respectivas biografias de todos os nomes mencionados nesta crônica podem ser encontradas nos portais de busca na internet

(2) Editora Record

Imagem:


Retrato de Mary Shelley por Richard Rothwell