21/11/2010

MEUS 40 ANOS

Esclarecendo: a efeméride a que se refere esta crônica já se deu há MUITO tempo. Nem esta crônica é nova, mas eu a colhi do “estoque” porque adiei uma outra sobre “ataque” de pássaros que ainda preciso escrever. Hoje as asas da inspiração não alçaram voo...

A vida começa aos 40 e a velhice na cabeça de cada um...

No exato dia do meu 40° aniversário, postei-me no fim da tarde na sorveteria das Lojas Americanas de Santo André, no calçadão da principal rua comercial, refletindo, com um sorvete na mão, o que significava, efetivamente, para mim, ter alcançado aquela idade.

Sentia-me iluminado e inspirado. Um retorno ao passado saudoso fez-me rabiscar mais tarde (sim, rabiscar, primeiramente, porque computadores eram equipamentos de iniciados, e eu era sofrível datilógrafo), uma crônica publicada alhures, sobre aqueles momentos e o passado nem sempre vivido com a intensidade que seria desejável. Fora falta de aviso, com certeza. Algo assim:
- Viva intensamente esta década, a década de 60, porque ela será um marco de referências.
Mais poderia ter feito e vivido. Mas, eu desconhecia ou não sabia como construir esses momentos de felicidade. Talvez ela estivesse comigo todo o tempo mas apenas não explodiu como poderia.
Um momento inesquecível, hoje hilariante, constrangedor então, que quando dele me lembro me faz rir pelos cantos e pelas ruas, ocorreu a partir de uma aula de filosofia no colegial.
Dentro da minha irreverência, nas aulas de filosofia eu me tornara um aluno "inconveniente" para meu professor da matéria. Misturava conceitos de suas aulas, com rudimentos esotéricos que então começava a me iniciar, e a cada interrupção que fazia, mais ficava o mestre perplexo e confuso. Boquiaberto mesmo. Não, é claro, pelo meu brilhantismo, mas pelo que poderia se chamar de "samba do ‘filósofo’ doido".
Sendo um sujeito sensível, certamente que para conviver com minha "inconveniência", minhas notas sempre foram ótimas. Porque, sobretudo, penso eu, havia uma mútua simpatia e ele, para retribuir essa reciprocidade, me garantia notas excelentes em sua disciplina. Ou simplesmente para não me ver no ano seguinte, repetindo a sua matéria, tendo que me aguentar.
Mas, nessa disputa para mostrar conhecimento, ainda que desconexos, ocasionalmente ocorriam dissensões.
Havia na minha classe um sujeito metido a Ruy Barbosa, que assim pensava porque carregava, também, o sobrenome Barbosa.
Certa feita, desdenhara a classe toda, solicitando ao mesmo professor de filosofia que repetisse determinado conceito porque somente ele, por certo, o teria entendido.
Não fiz por menos:
- Falou o gênio Barbosa que não é o de Ruy.
Acabada a aula, com delicadeza ele chegara até mim, perguntando suavemente se aquela observação fora para ele. Respondi secamente:
- Se o capuz lhe serviu, use-o.
Traiçoeiramente, desferiu um belo soco no meu queixo. Meus óculos voaram pelo corredor. Senti todo o peso de sua mão fechada no meu maxilar. Chegou, é claro, a turma do "deixa disso e pôs as coisas no lugar".
A agressão não teve maiores consequências, somente imensa repercussão no colégio. Meus amigos faziam troça, olhando para meu queixo, procurando algum estrago "merecido". Um deles, gaiato, muitos anos depois, sempre que me encontrava fazia questão de relembrar a cena do soco, examinando meu queixo e fazendo troça dos meus óculos subindo alguns palmos no éter.
Repassando esse evento ali, na frente da sorveteria das Lojas Americanas, agora do alto dos meus 40 anos, na rua movimentada, mal consegui conter o riso.
Eis que minha atenção é despertada para um idoso com a Bíblia na mão. Associei a um amigo, muito religioso, desses que assumem a religião, com intensa fé, com desconcertante convicção.
Alguma vezes tentara me ensinar lições da Bíblia, mas essa tarefa nunca dera certo, porque tinha eu por hábito, como até hoje tenho, de fazer questionamentos "inconvenientes". Já me referi a isso em outros escritos que às vezes a Bíblia revela sua profundidade no silêncio da meditação.
Discutia muito com ele sobre religião. Em sua opinião, a China naqueles dias já pós Mao Tse Tung, uma potência nuclear que parecia olhar com desprezo o ocidente e seus "pecados" , seria a alavanca do apocalipse bíblico. Ao visualizar a China, então, eu a enxergava cinzenta, talvez porque a roupa padrão normalmente nessa tonalidade do chinês retransmitisse em minha mente essa cor como sendo do próprio país.
Eis que, num daqueles dias, o "Estadão" estampou manchete significativa, algo assim: "A China abre-se para o mundo".
Mostrei-lhe a manchete. Ele não se abalou e fez até um sinal de conformismo.
Naquele instante, com alívio, quem sabe, passara a adiar o apocalipse que "profetizara" iminente. (*)
Com essas lembranças, saí pelo calçadão, emocionando-me com o semblante humilde de algumas pessoas que passavam ao meu lado ou vinham em minha direção. É que as quarenta velinhas resplandeciam intensas na minha interioridade.
Só via beleza por todos os lados.

(*) Não é nestes Temas que faço observações de natureza política mas acho oportuno neste caso.
Anos depois da manchete do jornal, em 1989, viajando aos Estados Unidos já ocorrendo a invasão de bugigangas asiáticas, os carros japoneses se impondo com o binômio preço-segurança, fiz questão de trazer na bagagem algum objeto genuinamente americano.
Depois de muito procurar, encontrei um rádio-relógio GE, marca tradicional. Quando o tirei da caixa e o examinei com atenção lá estava: “made in Malásia”.
Mais tarde tive oportunidade de ouvir a preleção de uma comissão chinesa comandada por uma representante que falava relativamente bem o português. Estava, se bem me lembro, pesquisando meios de comercialização do etanol. Recusava-se em discutir o regime político chinês muito mais fechado, então. “Estamos aqui a negócios”.
Bem. Deu no que deu. A China invadiu o mundo com suas bugigangas a preços irrisórios e agora ataca com produtos de alta tecnologia. Se a China é apocalíptica o será pela emanação de gazes tóxicos na atmosfera, agravando o “efeito estufa”...juntamente com as outras grandes e médias potências.

Foto: Rua Coronel Oliveira Lima - Santo André - década de 90 (PMSA)

07/11/2010

PENSAMENTO FORTE

Já disse. Trabalhei a maior parte de minha vida profissional em multinacionais do ramo automobilístico.
Salvo na fábrica da Chrysler da cidade de Santo André (SP) há muitos anos extinta, talvez pelo meu modo de ver as coisas a despeito da minha atividade profissional sempre me considerei um anônimo no meio daqueles gerentes, supervisores e mesmo da peãozada toda.
Tinha um nome que até poderia soar forte na empresa, mas me sentia absolutamente desconhecido e desconhecia todas aquelas pessoas com as quais me relacionava no dia-a-dia
Vou dar um exemplo real da face2 usada dentro da empresa.
Eis que num fim-de-semana caminhando num lado qualquer do bairro, dou de cara com um gerente da empresa que se aplicava no jardim e numa horta de sua casa com a mão mergulhada na terra e no esterco, manejando enxada e regador.
Na segunda-feira, assim que eu o encontrei na fábrica, fiz provocação amistosa:
- Poxa, no sábado você foi aprovado como jardineiro, hem!
Resposta inesperada e constrangida:
- Não conte isso para ninguém.
Fiquei perplexo. Na fábrica ele usava a face2. Não me dera conta disso até então...
Ao longo desses anos todos, exigente comigo mesmo e com os meus pares, comecei a entrar num terrível processo de tédio, assistindo reuniões horríveis, aguentando colegas com alto grau técnico e zero – que eu conhecesse ou que se deixassem conhecer – em atitude humana, de interioridade, de subjetividade.
Numa multinacional para a qual trabalhara, certo dia surgira novo presidente um americano alto, loiro, cabelos mais para o grisalho, rosto magro e avermelhado, nariz empinado. Viera para proceder à reestruturação da empresa.
Iria “cortar na carne”, anunciava a “rádio peão”.
Criou-se um clima de expectativa e terror. Esse sujeito se impunha pela truculência verbal, expressando-se num português razoável.
Já pouco afinado por tudo isso que acima relatei e adquirindo antipatia incontornável por esse gringo, por várias vezes disse alto e pensei:
- O melhor para mim seria a demissão acrescida do pacote especial e tomar outro rumo na vida.
Porém, num processo contraditório, pus-me a ler, imaginando uma melhoria com a reestruturação que se desenhava e também por curiosidade, um livro não comercial de autoconhecimento e uso das “forças mentais”.
Na reunião decisiva da reestruturação, a despeito de toda minha dedicação, assim imaginava, fui preterido, sendo demitido.
Dera-se, sobretudo, um choque de desejos entre aquilo que passara a ler no livro citado e aquele pensamento forte anterior como o ideal (demissão).
Pelo que soube mais tarde, alguns daqueles gerentes a quem dera apoio, sempre, haviam também votado pela minha demissão.
Passado aquele momento amargo, inédito, porque nunca tivera tal experiência, refleti muito.
Na verdade, eu pedira mentalmente aquele desfecho.
Ademais, pelo meu tédio, rejeitando mentalmente dirigentes, julgando-os ignorantes devo ter alimentado por meses e meses, muitos inimigos não declarados resultado do rebate negativo do que eu pensava fortemente sobre eles.
O dia seguinte, sábado, fora um dia doloroso. Jamais imaginara que depois de tantos anos dedicados às empresas viveria essa experiência. Imaginava ser “imortal” nelas. Bobagem. E que bobagem.
Fora um pesadelo. Muitos se sucederam em estado de semivigília. Via-me chegando à empresa pela manhã, rumava para minha sala, não a encontrava ou havia alguém estranho sem rosto no meu lugar. Caminhava, então, pela fábrica como um fantasma, via sem ser visto, renovando a angústia da demissão ao acordar.
Soubera após administrar centenas de demissões nas várias multinacionais para as quais trabalhara os efeitos danosos que produziam nos demitidos.
Lembrara-me da angústia dos empregados humildes, que tentavam de todas as formas garantir seu emprego, implorando por uma transferência para outra seção ou para a matriz em outra cidade. E meu constrangimento em processar demissões de colegas próximos com quem compartilhara com lealdade êxitos e fracassos, por anos a fio.
- Recebera minha paga, pensara. Sentira o amargo do fel.
Nos dias que antecederam à minha saída definitiva da empresa, ex-subordinados bajuladores ou não, colegas do dia-a-dia, passaram a ignorar-me – da mesma forma como se daria nos sonhos -, como se receassem o contágio duma doença incurável. Mas, a despeito disso, sempre cuidara para que diante de mim próprio não fizesse o papel canastrão, de vítima. Quais lições tirei desse evento real?
i.) Que o pensamento é uma força que precisa ser cuidada. Há então se esforçar muito para superar, em relação ao seu antagonista, sentimentos de raiva, de intolerância e de dúvida. Haverá, pois, que mentalmente mudar o modo de pensar em relação a ele e transmitir pensamentos positivos de tolerância recíproca para que ele também mude o modo de agir. Esse exercício funciona.
(Não estou nem de longe tentando passar lições de autoajuda com o meu relato. Se tem algo que receio é ser ou parecer ridículo).
Já emiti pensamentos que não direi quais – porque são só meus – que vi repetidos a mim por pessoas próximas, para minha surpresa;
ii.) O pensamento forte obedece ao seu emissor, podendo provocar desgostos ou êxitos.
(Reconheço que há eventos que fogem dessa fórmula básica, provenientes, acredito, de outras causas pendentes na vida. Mas, esse é um outro tema).

De tudo isso que relatei, conclui por fim que há profissionais que nasceram para ser executivos e, menos que críticas, há que se esforçar para entendê-los.
E quanto a mim com a experiência relatada de perdas e ganhos: mais ganhei do que perdi.
Sabem por quê?
Porque para mim “tudo está ótimo!”



Imagem: He-Man, “Eu tenho a força” (Google)

31/10/2010

A HISTÓRIA DE UMA EDIÇÃO. Errinhos que humilham

Saibam, meus amigos, que nessa história de publicação e artigos, tive meus momentos de glória. Ilusórios, passageiros, mas, momentos!
Desde sempre fui assinante do jornal “O Estado de São Paulo”.
Um dia, já faz tanto tempo, escrevi um artigo de natureza jurídica (“O artigo 581 da CLT”). Eu o achei bom e remeti para o citado jornal.
Umas duas semanas depois, quase tive um desmaio ao vê-lo publicado na página que então havia de artigos jurídicos, ao lado de outros juristas. Salvo engano os temas trabalhistas nessa página eram coordenados pelo saudoso ministro Rezende Puech (do TST).
Alucinado, depois de algumas semanas, remeti outro, também publicado. A “glória” meus amigos.
Naquele primeiro artigo fiz críticas ao posicionamento da prestigiosa Editora LTr a respeito daquele dispositivo numa das suas edições da CLT. A Editora respondeu explicando os seus motivos em boletim próprio.
A partir daí, a aproximação com a Editora fora um passo. Escrevi diversos artigos em seus boletins e mesmo na Revista LTr, na qual só cabiam juristas da área trabalhistas.
Meus artigos lidos hoje, por mim? Modestos!
O principal dono da Editora, Dr. Armando Casimiro Costa, pode ter ido com a minha cara, tanto que me convidou, num dos congressos patrocinados por ela, Editora, para palestrante numa das seções.
Não muitos anos depois, elaborei um programa de treinamento de relações trabalhistas e sindicais para uma multinacional trazendo toda a minha experiência do ABC.
Submeti esse programa à Editora LTr. Foi ela reticente em aceitar a publicação o que determinaria, por mim, o abandono da ideia.
Depois de um cartão de Natal normal que remeti, ele me respondeu solicitando que eu remetesse novamente os originais.
E assim surgiu a primeira edição do meu “Sindicalismo e Relações Trabalhistas”.
A segunda edição não demoraria porque o livro fora adotado por uma amigo meu, Edmir de Freitas Garcez nos seus cursos “Negociando com negociadores”.
A terceira edição foi muito melhorada mas a editora não cuidou bem da revisão, o que me obrigou a responder críticas vindas até da Bahia.
Finalmente, a quarta-edição, que poderia ser a minha contribuição “profissional” para o tema, foi escrita às pressas a despeito do volume imenso de informações que me obrigara a compulsar, saiu com falhas minhas.
Quando isso acontece e você vê os errinhos com o “dedo em riste” apontando em sua direção, impossíveis de serem corrigidos, tudo fica meio deslustrado. Imperdoável, porque toda a edição poderia ser muito melhor.
“Aconselho”, pois, a todos os escritores, às voltas com a edição de seu livro, que deem o máximo e o revisem tantas vezes quantas necessárias. Insiram e completem. Nada de preguiça.

Aonde foi parar toda essa gana de jurista? Já disse alhures que, no fundo no fundo, com suas exigências e metas a alcançar, a empresa de certo modo enterra o talento que se desvia para ela e por conta do salário no fim do mês.
Tudo isso se passou num estalo de dedo. As ilusões.



Errinhos que humilham

A propósito do tema, escrevi alhures uma crônica que transcrevo em parte. Assim,

Esse título não é meu. É do saudoso escritor mineiro Otto Lara Rezende que, numa crônica no jornal “Folha de São Paulo” de 18.01.1992 o utilizou no singular.
Mas, eu já vou logo grafando no plural, “errinhos que humilham”.
Inicia o cronista se queixando de erros de revisão que se davam, eventualmente, nos seus escritos, lembrando que “quando surgiu o computador na imprensa, pensei que vinha para acabar com essa gralha. Qual o quê. Sofisticou-a”.
Com o computador, dizia o escritor, não seria mais possível atribuir a revisor os erros do autor.
E nestes dias, então, com o notório avanço tecnológico e da comunicação? Não sei, não. Há “mistérios insondáveis” nos errinhos que humilham.
Com computador e tudo, ao longo do tempo, já me deparei com empastelamento em textos que escrevi, corte da conclusão, a essência do texto, para caber no espaço do veículo e até mexidas insuportáveis de quem entendera pouco do que nele se debatia.
Como explicar um erro tal num título de artigo no qual “queremismo” foi grafado como “quirimismo”? Ou a expressão “ato contínuo” com o sentido claro que contém e que foi impresso como “um ato contínuo”, significando que a inclusão do numeral “um” estreitou sua abrangência?
Para aqueles que se propõem a escrever publicamente o português é um desafio permanente, porque muitas vezes se sabe que a regra “é assim” mas não “o porquê de ser assim”.
Outro ponto lembrado por Otto são os erros do próprio cronista que insere um dado equivocado, uma desinformação, na crônica. Sem volta porque a eventual correção posteriormente é inócua ou com efeito limitado. E dizia: “Qual! Fica o travo da pequenina humilhação que me convida à humildade.”
Saibam todos, pois, que o cronista se depara com erros ortográficos dele próprio e, pior – afaste de mim esse cálice – erros de concordância. E isso mesmo tendo lido o que escrevera várias vezes.
Saibam mais os leitores que o cronista em cada crônica enfrenta esses vilões e escorregões. Ele cria, escreve e...erra. Um “sofredor”. E muitas vezes paga por erros que não são seus.



Imagem: O coelho de “Alice no país das maravilhas”. É tarde, é tarde! O tempo passou, mas sempre é tempo.