17/07/2011

SETE PECADOS CAPITAIS: SOBERBA

“Pecados e pecadilhos” já publicados
03.05.2011 - Inveja
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais"

SOBERBA



A palavra “soberba” tem significado que pode conter um sentido enfático, de realce: aquela obra é soberba; aquele edifício é soberbo.
Como Machado de Assis no seu “Quincas Borba”:
“E depois o noivo é rico...”Rubião pensou na carruagem e nos cavalos que levaria, tinha visto uma parelha soberba no Engenho Velho, dias antes...”

Mas não é essa “soberba” a inserida nos “pecados capitais”.
Ela se refere àqueles desvios de personalidade que fazem acreditar a muitos indivíduos, geralmente com alguma forma de poder, o centro do mundo e agem como se fossem imortais, não só pelos seus atos mas pelo modo como pensam e pela possibilidade de convencer incautos. Aquele orgulho...soberbo.
Nestes tempos inglórios e em todos os tempos essas figuras se sobressaem às vezes incompreensíveis pelo que fazem e pelos restos desgraçados que deixam pelo mundo por anos, décadas.
É, pois, no mundo político em que a soberba extrema se mistura com a arrogância e com isso a perda dos escrúpulos mínimos. Que o digam os ditadores que se prendem ao poder como se, naquela linha de esquecerem a mortalidade, e para não descerem desses degraus os deles não cair, sacrificam opositores e inocentes.
Tudo pelo poder e para isso, os fins justificam os meios. Promovam-se guerras e guerrilhas, derrubem aviões e edifícios. Explodam-se bombas no meio da multidão desavisada. Afinal, o poder assim exige e “a minha vontade, em seu nome, haverá que prevalecer”.
Não são batalhas para mudar o que está mal, dentro daquele princípio de que uma revolução se faz necessária para minorar o sofrimento dos mais humildes, mas para se manter o poder. Ou tomá-lo para pouco ou nada mudar. O ruim substituído pelo pior!

Nessa corja de estúpidos se inscrevem os corruptos que não se prestam a questionar de onde vem o produto de seu roubo, sejam obras inacabadas de pequenas casas aos mais pobres, alimentos às crianças em escolas humildes e sacrificadas. Da infelicidade daqueles que os recursos que subtraem poderiam minorar. O que importa são os valores vultosos sempre maiores que não os satisfazem. Não há limites para o corrupto de todos os matizes, porque são os eleitos da “imortalidade”.


Se considero a preguiça moderada um pecadilho, a soberba é o pior dos pecados porque ela tende a cegar, sucumbindo a consciência e os escrúpulos. Ora, os escrúpulos são para os fracos...
Dentro do possível não dei conotação religiosa nesta série de “pecados”, mas cai bem aqui Provérbios 16:18
“A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda.”


Na minha vida profissional, me deparei com muitos desses espécimes. Na empresa tudo gira em torno de suas idéias, são autoritários, improdutivos e afetam o ambiente de trabalho. Confundem autoritarismo com autoridade. Não se dão conta de que autoridade se obtém com a distribuição dos trabalhos, com a participação e com a troca de idéias.
Muitos desses, com o passar do tempo, afastados, numa poltrona, esquecidos, têm consciência de que nada fizeram, não construíram sua subjetividade e vegetam. Quando instados, não sabem de outra coisa que não seja falar de seu passado na empresa – um assunto aborrecido porque ele ficou e a empresa avançou de um modo ou outro...sem eles.




Cuidem, por sua vez os intelectuais e os ditos sábios para não demonstrem ser “os donos da verdade”. Posicionarem-se no pedestal de estátuas. Moderação, moderação faz bem!





Por conta dessas impressões, neste Temas já publiquei e republiquei a história “Reavaliações e renúncias” em 10.10.2010 da qual transcrevo este trecho de ex-executivo que preferiu renunciar a esse mundo, o mundo da soberba. Muitos são os que conseguem:

- Mas, o que parece certo é que a soberba é mais agressiva, mais ambiciosa, assustadora e predomina no mundo. Eu sei disso porque convivi nesse mundo de competição e posso dizer que combati a soberba com a soberba. Mas, os tempos mudaram. Sendo a soberba uma não virtude ela tende a manter as desigualdades subestimando ou minimizando as virtudes do respeito ao próximo, da honestidade, da lealdade, do altruísmo. A modéstia contrapõe-se à arrogância e à violência. Proponho, pois, um mundo "modesto"? Uma utopia? Trazer o céu para a terra? Não é bem isso. Seria uma impossibilidade. Sabemos que nosso mundo é naturalmente o mundo das desigualdades. Com ela, a modéstia, cultivada numa permanente autocrítica do indivíduo, possivelmente fizéssemos o mundo apenas um pouco menos desigual, um pouco menos doente. Com mais amor, mais amizade, mais lealdade, mais altruísmo.
Imagens

(1) Gravura de Karel van Mallery (1571/1635). Fonte: www.baciadasalmas.com
(2) Gooogle (gravura repetida em outros blogs)
(3) idem


ESPECIAL

Piano: Silvio Pimentel Martins

Tema: Ernesto Nazareth, "Brejeiro"

03/07/2011

POEMAS, para não dizer que não falei de... (V)

(Estas composições são de diferentes épocas, lembrando que algumas ou todas já ilustraram crônicas neste Temas – agora nestas resenhas eu as tenho recuperado e compilado).


IMPOTÊNCIAS


Sereno, medito neste meu canto
Uma avenca aos trinta anos me encara
Orquídeas sorriem e olhinhos delicados
Miram violetas roxas com ternura e encanto,

Estanco surpreso com essa beleza
As multicores irradiadas à tépida luz
Nem mais haveria, porque elas exultam
Nesta plaga de recolhimento e singeleza.

Não me constrangeria se ali caísse em oração
Agradecido por aquelas existências reais
Sorrisos doces em oferendas, momentos de paz
Nestes tempos doentes, de guerras e destruição,

Transporto-me então para outra realidade, dura
Lá, tombam árvores, queimam-se florestas
O fogo desencadeia indescritível tragédia
Ceifando tudo, a vida, os bichos, a doçura

Exala de mim amarga tristeza e dor
Por clamar em silêncio, sem ouvidos
Ameaço gritar aos quatro ventos
Mas os sons se perdem em obscuro torpor,

Não reconheço esses ventos maculados
Sopram eles espíritos de tormentas assistidas
Neste fogaréu imenso de provações
Insensibilidades, ódios e odores desregrados,

Saberiam todos que este solo esgotado
Não haverá por muito como se refazer desses abusos
Apontando em riste e em lágrimas secas
Que pouco sobrará destes tempos abusados?

Resigno-me à minha impotência já tanto esquecido
Perante minhas poucas orquídeas, violetas e avencas
Intuindo no íntimo com angústia e melancolia
Que fenecem os tempos neste clima embrutecido.


COQUEIRO QUE DÁ COCO


Meu querido amigo coqueiro
Que plantei como anão
Hoje bate nas nuvens
Complicando a colheita aqui do chão
Você quebra as telhas
Engrossa o tronco gigante,
Assim, meu caro amigo
Que cultivei, vi crescer e cocar
Ficarei com você até não sei
Não pelos cocos às dezenas que devolve
Mas, a sua doçura líquida que me comove.



ANTIGA-IDADE, Antiguidade

Caminho olhando pra frente
Firme, busco compreensão sentida,
Dessa coisa que sacode ardente
Dessa centelha frágil chamada vida!

Mas, o que é isso tudo, afinal
Se a cada momento dado, há impostas
barreiras, desafios, sem prévio sinal?
Remexendo interiores, sem respostas?

Olho ansioso para o alto, então
Ouço a voz universal, tênue e piedosa
Sinto-me entre as estrelas, em solidão
Nada sei dessas luzes silenciosas!

Volto-me para mim, miro-me n’alma
Medito no todo dessa realidade (?)
Insisto em desvendar a centelha calma
Mas, apenas intuo que já vivo antiga-idade...


As outras compilações serão encontradas neste Temas nas datas seguintes com os respectivos títulos:

I – 09.01.2011
Ondas de vida
És jovem sessentão
Poeta beberrão
Presente, passado e futuro
Paixões

II – 31.01.2011
Orquídeas e beija-flores
Passado-presente
Antigo sim, velho jamais

III – 13.03.2011
Etéreos
Contradições e silêncio
Entardeceres

IV – 16.05.2011
Templo violado
Nu artístico
A noite


NOTAS

Inclui nas resenhas constantes do título “Dos livros que não consegui (ainda?) ler. E os já lidos” de 17.10.2010 comentários sobre o livro “O Presidente negro” de Monteiro Lobato.

Para lembrar: na crônica de 28.03.2010 comento e comparo duas obras importantes: “Madame Bovary e Anna Karenina. Duas personagens”, respectivamente de Flaubert e Tolstoi.


Imagens / fotos:

(1) pedranocaminho.blogspot.com
(2) Milton Pimentel Martins do coqueiro que inspira o poema
(3) Google

19/06/2011

AQUELES QUE RENUNCIAM

O assunto que trato hoje nestes Temas, alerte-se, é meio tabu ou por outra, não tem aquele final no qual implicitamente há uma moral, como a “a moral da história”. O desenvolvimento se inspira em fatos. Faz parte das minhas andanças por esses caminhos retos ou tortuosos.
Quero avisar que, depois de mais de uma centena de composições aqui publicadas, nem sei se há muito ineditismo ou repetições nesta. Lugar comum? Obviedades? Não sei.


1.
Certa vez, a um materialista / ateu absolutamente cético ou exibido, tendo diante de nós um corpo sem vida de um amigo comum, desafiei-o.
- Explique a diferença entre o Alcides deitado naquele caixão inerte e você aí de pé perplexo e emocionado. Considere que há uns dias, falávamos com ele no almoço. Hoje ele está lá, sem expressão, sem respiração, sem voz.
Ele apenas me olhou aborrecido e respondeu:
- É por isso que não acredito em nada. O que dizer daquela massa inerte que não durará muito para se decompor...

2.
É muito comum pessoas com alguma interioridade ao acordarem de um sono profundo, sentirem-se angustiados ao constatar que voltaram a ser regidas pela lei da gravidade, devendo carregar seu corpo denso, nesta morada meio sem sentido neste planeta tão desigual. Porque no sono, parece, a alma, o espírito ou o nome que se queira dar a essa luz que nos diferencia dos mortos, desliza no éter sem peso, com liberdade e com a velocidade do pensamento.
Quanto vezes, vi-me levitando num sono “real” e ainda por cima envaidecido por exibir esses meus “poderes”. No sonho!

3.
O retorno, pois, à luta terrena pode causar certo desconforto, mas há que lutar porque há uma música religiosa que proclama que “a vida é luta sem quartel”. Esse fenômeno que se verifica no momento em que se desperta, dá uma idéia entre a possível vida leve do outro lado e a vida densa deste lado, do lado que julgamos ter consciência de nós mesmos. De viver.

4.
São essas variáveis que nos fazem lutadores, felizes tantas vezes, esse sentimento que exulta e nos faz poetas. Mesmo que composições não ritmadas, sem rimadas e sequer escritas.

5.
Mas, há seres humanos que se fixam demais no peso da vida, no que ela pode ter de amargo, assumem a falta de perspectiva, que não absorvem seu limite ou que se sentem derrotados (assumem a condição de "perdedores", em oposição aos "vencedores", um conceito vazio no qual predominam os bens materiais nada a ver com as indagações profundas da vida e da individualidade de cada um). Ao acordarem, diariamente, se angustiam por mais aquele dia de vida consciente, tendo à sua frente menores desafios e mais amarguras sem causa que atormentam. A vida torna-se um fardo.

6.
A moça que conheci era inteligente, tinha boa postura profissional e cultura formal. Viajara diversas vezes para o Exterior.
Sua vida particular não fugia muito da média. Trabalhara em São Paulo, morando sozinha, visitava os pais quase que semanalmente e tinha bons amigos. Demonstrava alguma devoção religiosa, assistindo, normalmente, missa dominical.
No seu relacionamento profissional cotidiano, porém, mostrava-se insegura. Insistia em lembrar os tempos em que fizera teatro amador. Dai seus gestos teatrais, sua entonação de voz.
Somente depois de algum tempo, começou a se descontrair, embora, com alguma regularidade, revelasse momentos depressivos, um estado que não se afastava muito de qualquer um de nós.
Certo dia, imaginando que bem me situava na vida profissional me perguntou:
- O que você está fazendo aqui, essa perda de tempo?

7.
Certo dia, soube que ela resolvera mudar sua vida profissional. Aceitara proposta de trabalho de volta em São Paulo que possibilitaria um convívio num outro ambiente mais "inteligente" no qual se dera melhor no passado.
Tempos depois, por razões de mercado de trabalho, fora ela demitida. Ficara desempregada, frustrando todas suas expectativas.

8.

Meses mais tarde, nas vésperas das festas de fim de ano, período em que a solidão bate forte porque o espírito natalino pode não ser apreendido por aqueles angustiados, tomando um velho revólver esquecido, carregado parcialmente, mirou-o contra o próprio peito, apertando o gatilho.
O tiro fora fatal. Atingira o coração. Nos segundos que se seguiram até sua morte, às pessoas que vieram em seu socorro, disse tenuemente que se arrependera e de que não queria morrer.
Apenas um momento de irreflexão, conduziu-a a um caminho sem volta.

9.
Tal gesto, mesmo que num momento de amargura e dor, exige uma imensa coragem e renúncia porque a viagem ao desconhecido tivera a hora antecipada e, sobretudo, uma atitude antiautopreservação.
O instinto de defesa é anulado, sobrepondo-se o sonho e a esperança da leveza e do encontro com divindades, num mundo no mínimo não tão denso e amargo como o seu. Por ruim que fosse, certamente seria melhor do que a vida vivida.

10.
Nesses casos, sempre me pergunto: que tipo de vozes interiores ouve o suicida no exato momento em que age contra a própria vida? Que vozes tão eloquentes são essas que suplantam o instinto primário da preservação? Se, ao longo da vida, somos preparados para a morte natural, aí incluída a acidental, quais os efeitos do suicídio no exato momento da passagem para o outro lado da existência?

11.
Essas perguntas, ao longo do tempo, têm me afligido muito.
Para os que acreditarem na doutrina, as respostas podem ser encontradas na literatura espírita (especialmente o livro psicografado "Memórias de um suicida" *) e mesmo espiritualista. Todas elas concordam que o suicida atormentado, ao chegar nesse plano, passa pelas mais terríveis experiências, por imensa dor, pois que fugira da luta, abreviara sua estada voluntariamente, interrompera um ciclo de tarefas às vezes por motivos fúteis, incompreensíveis. Destruíra sua própria morada.

12.
Nesse plano, dizem os espiritualistas, a marca da renúncia à vida perdura por longo tempo até que volta o suicida a ser admitido numa escala menos atribulada de aprendizado. Esse gesto extremo, explicaria as grandes anomalias e doenças físicas de certas pessoas, que são submetidas à lei da causa e efeito na reencarnação seguinte.

13.
Na limitada compreensão que tenho (temos) da vida, tudo parece muito injusto e triste. A Lei de Talião aplicada. Mas, esses eventos não podem, ou não devem ser tomados nos limites de uma existência ou nos poucos anos de uma vida. Há uma transcendência que martela, martela e quanto a mim, me conduz a admitir a explicação da reencarnação. Porque, "com a morte, não se perde nada daquilo que a alma adquiriu. As experiências que o homem fez nas vidas passadas, tornam-se instintos e incitam-no ao progresso, até inconscientemente" (cf. "Bhagavad Gîtâ").

(*) “Memória de um suicida”, psicografada pela médium Yvonne do Amaral Pereira (Federação Espírita Brasileira).
Ver crônica de 03.04.2011 o pesadelo de local inóspito, embrutecido: "Alucinações, sonhos(?!)"

Imagem/ fonte: Sociologando.wordpress.com (Google)

ESPECIAL

J.C. Bach - Prelude III in C# Major Book I
Piano: Silvio Pimentel Martins

12/06/2011

LEI DE MURPHY: CARRO "ANTIMILITAR"

Esta crônica não e nova mas eu a divulgo porque o relato é verdadeiro e curioso. Fatos como este, havia alguém que qualificava como "maldade das coisas inanimadas."


"Lei de Murphy" como popularmente conhecida: "Se alguma coisa pode dar errado, dará. Dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível".

A comprovação dessa "lei" ocorreu numa indústria automobilística (Chrysler), naqueles tempos em que o civil "batia continência" até para soldado raso do Exército.

Numa bela manhã, eis que foi anunciado pela administração que um grupo de militares, comandado por um general, visitaria a fábrica "dois", isto é, a filial, que contava em suas instalações, com uma área "suja", digamos assim: uma fundição antiga. No seu recinto havia muita poeira em suspensão, calor e ruído.

Talvez por isso despertasse alguma curiosidade, porque os fornos imprimiam ao ferro derretido aquele vermelho vivo, solar que, ao descer para as formas dos blocos do motor ou virabrequim, rebrilhava ameaçador lembrando as lavas de um vulcão miniatura descendo pelas encostas. Essas operações eram realizadas e presenciadas diretamente "na fonte".

Claro que a recepção fora cuidadosamente preparada. O melhor automóvel foi lavado e perfumado. De porte grande, um Charger RT (“O lado emocionante da vida”) com motor potente, de excelente qualidade, testado milhões de vezes em outros veículos na matriz americana, embora um sacrilégio na época pelo seu alto consumo de gasolina, mesmo com a crise do petróleo sendo já então amenizada.

O carro estava pronto para conduzir os militares à fundição. Ao seu lado, foi posto um carro menor (um Polara), mais popular, também lavado, apenas como reserva ou para atender algum visitante ou acompanhante que não coubesse no outro carro.
Encerrada a reunião, com troca de amabilidades, "abobrinhas", salgadinhos e água, chegou a hora da visita à fundição.


O diretor da fábrica, sujeito exigente, pôs-se a enaltecer merecidamente as qualidades do carro, como bom vendedor que (também) era.
Todos entram no veículo de luxo.

Aciona-se a partida e ela falha. Novamente e nada de pegar. Depois de uma dezena de tentativas, o gerente da fábrica abandona o carro renitente, constrangido, furioso e, naquele seu olhar homicida, busca algum culpado pelo vexame. Não havia culpados.

Resignando-se, perguntou a um funcionário próximo se o pequeno carro do lado estava apto para conduzir parte da delegação até a fundição. Obtendo resposta positiva, sem vacilar, convidou seus visitantes a embarcarem e lá foi ele dirigindo o carrinho.

Tirando o enguiço do carro de luxo, a visita fora normal. Enquanto esta prosseguia, não havia meios de fazer funcionar a partida do carrão. O mecânico olhava para o motor como se fosse a própria esfinge. Pensava-se em rebocá-lo à oficina mecânica para ser consertado. Ao fim da visita.

Mais algumas amabilidades e uma hora depois os militares foram para seu quartel.
Assim que transpuseram a portaria, na última tentativa de acioná-lo antes de ser rebocado para a oficina, eis que o carro pegou ruidosamente, emitindo aquele som cadenciado de motor a qualquer prova.

Todos, perplexos, não tinham explicação para a peça pregada pelo carrão.
Alguém, já que todos se divertiam com a gafe, completou com ironia:

- É que a lei de Murphy é irrevogável. É um verdadeiro Ato Institucional. E até os milicos a cumprem ! Na "marra"!

05/06/2011

A ESTAÇÃO DE TREM E SUA LUZ



Nem devo explicar como é que, por cerca de um ano, me obriguei a frequentar uma velha estação perdida nos trilhos da Santos a Jundiaí.
Quantas vezes me vi sozinho porque, por uma qualquer razão cheguei mais cedo na sua velha estrutura e por muitos minutos me vi só na sua plataforma, sua construção antiga, pintada de marrom terra, dando aquele sentido melancólico do tempo passado, do tempo perdido no tempo.
Nessas vezes em que chegava mais cedo, acomodando-me no velho banco desgastado de sempre, com aqueles pés de ferro trabalhado, pesado, não conseguia me livrar da luz que provinha daquela lâmpada instalada num candeeiro muito antigo, sem graça, sem métrica, sem poesia.
Mariposas se encantavam com a luz naquelas horas da noite e, quanto a mim, um facho dela, insistente, em linha reta ligava-se aos meus olhos míopes.
Aquele rebrilhamento que me incomodava um pouco mas que parecia dialogar, me consolar
- O que o fez chegar nesta lonjura? E aqui estar só, emprestando os meus raios? A sua sorte é perseverar.
Pouco antes de o trem chegar, depois de algum tempo, estação com mais passageiros àquela hora como todos os dias, olhava para a luz sem entender o que alcançaria quando não mais voltasse àquela estação envelhecida, sem atrativos, uma lâmpada fraca, desprotegida que falava comigo...ou eu com ela?
Embarco para o retorno. A composição estava vazia, Me acomodo num banco cujo estofado de espuma de borracha ao lado se soltava do assento. Fora cortada por gilete ou por algum instrumento semelhante, esses vândalos que por ali se acomodavam no sofrimento da madrugada ao começo da noite com a marmita de seu almoço trivial, por lavar, escondida na mochila.
Mesmo com alguns amigos por perto na estação, sabia de minha solidão e que teria que reagir a partir do momento em que nunca mais voltasse à estação e sua lâmpada mágica.
No vagão onde embarcava, algumas vezes o mesmo, ostentava externamente, próximo da porta, bem desenhado, em romanos, o número XXI.
Chamou-me a atenção o 21 porque certa vez meu pai dissera que queria viver até o ano 2000 para se certificar de tudo o que a humanidade enfrentaria. Faleceu em 1987.
Tão distante dessa data na minha vida, principalmente nestes tempos da estação antiga, como pensar no século XXI que os muitos profetizavam o fim do mundo: “de mil passou, de dois mil não passará.” Como será o século XXI? Onde estarei, como estarei?


Mais uma vez o trem chegou à minha estação de desembarque. Desliguei-me dessas reflexões prematuras e segui para casa para o jantar tardiamente, comida requentada.
Amanhã tudo de novo, de novo...


Mais tarde, na metade da década de ouro de 60, vive minhas glórias estudantis e, a despeito de tudo, felicidades

XXI: Minhas angústias por tudo o que vejo. Parece que a humanidade, nunca estará totalmente em paz – não tem essa índole -, predadora, caminha para a tragédia.
A maioria, sim, rejeita esses tempos de obscuridade, mas a minoria insana, implacável, tem predominado na sua insanidade.
Há os que profetizam que esses tempos trágicos, de 2012, dezembro, não passaram.
A volta à estação...


30/05/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / INVEJA




“Pecados e pecadilhos” já publicados
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais"
)



"Também vi eu que todo o trabalho, e toda a destreza em obras, traz ao homem a inveja do seu próximo. Também isso é vaidade e aflição de espírito." (Eclesiastes, 04-4)


Sempre que possível para esses “pecados” valho-me de minha experiência pessoal para quem já viu e vê tanta coisa neste lapso de existência em que vivo e sobrevivo. Não esperem um tratado filosófico sobre a inveja, apenas o sentimento dela. Nela, incluo o ciúmes pelo êxito de outrem e tudo o mais de inconformismos do indivíduo que não reflete sobre o seu próprio lugar.
De todas as definições ou um sentido de objetividade para a inveja é aquela inscrita em inumeráveis para-choques de caminhões, reflexo da sabedoria popular autêntica: “A inveja não mata mas maltrata.”
Às vezes, mata!
Tenho para mim, que trabalhei por décadas na indústria automobilística, é nesse âmbito que a dor da inveja se manifesta de modo bastante eloquente. E por quê?
Porque é dentro da indústria que se dá a competição saudável ou não entre os concorrentes, a terrível “dor de cotovelo” daquele que esperava uma promoção e foi preterido. O desgosto de ter como superior hierárquico exatamente aquele com quem competia e até subestimava. “Apenas porque bajulava de modo mais eficaz”.
É ele agora que participa das reuniões superiores e terá o preterido que esperar as novidades provindas do seu ex-“adversário”, agora seu chefe.
Como essa situação constrange, magoa! E não há meio de contornar. Amanhã de manhã o preterido haverá que chegar ao seu posto de trabalho e esperar as ordens de seu novo chefe que lhe fora imposto “goela abaixo”. Ah, a manutenção do emprego, do carro, do pagamento das contas, da casa, da família!
Eu me deparei, sim, com situações dessa natureza.
O colega, mesmo expondo ocasionalmente algumas bobagens cotidianas tinha um talento especial para a tarefa gerencial. Coisa que eu não tinha muito. Eu sobrevivia mais pela eficiência do que pela aparência, da média. Mas, o que fazer? Do ponto de vista da empresa, esse parceiro, ERA MELHOR DO QUE EU. Eu demorei em reconhecer essa realidade a despeito da influência que direta ou indiretamente produzia ele no todo do departamento. E nesse meio tempo, o meu constrangimento e amarguras demoraram muito para serem superados, se é que foram.
A inveja, no meu conceito, também se dá, pela desconsideração, pela subestimação gratuita entre as pessoas.
Uma manhã, eu estava naquele estágio mental de ter visto o “passarinho verde cantante”.
Em estado de graça, estava postado na porta da minha sala de trabalho na empresa Chrysler, em São Bernardo do Campo.
O pavilhão do departamento estava um pouco abaixo do nível do piso, tanto que de vez em quando, nas chuvas fortes, havia invasão das águas pluviais em toda a sua área.
Logo à direita, por isso, havia uma pequena escada, com dois degraus.
Um daqueles funcionários se bem me lembro da área comercial da empresa, geralmente onde trabalham os mais soberbos, me encarou com aquele olhar torto do deboche, provavelmente me qualificando mentalmente como um sujeito naquele nível dos dois degraus abaixo. Um bullying mental.
Eis que, no primeiro degrau ele escorregou, tropeçou e o tombo inevitável se deu forte à minha frente.
Ele se levantou, talvez dolorido, me encarou perplexo, envergonhado e mais do que depressa saiu dali.
Essas coisas inexplicáveis irradiadas pelo éter, nesse lapso invisível sem espaço.
A inveja...


Imagem: desenho do artista João Werner que não o intitulou como representação da inveja. Mas, achei que a forma do desenho diz alguma coisa sobre ela.

24/05/2011

“A CIÊNCIA DO NÃO” (Segundo Malba Than)

Nessas folgas de leitura, entre ler a literatura densa – como há pouco se deu com a leitura de “Os Sertões” – procuro velhos livros que provieram não sei de onde, estão na minha estante e os vou lendo ocasionalmente.

Um desses é de Malba Tahan, velha edição da “Coleção Saraiva” sob o título “O Terceiro Motivo (Contos e Lendas Orientais)”. O conto principal é esse que dá nome ao livro embora inúmeros outros contos façam parte do pequeno volume. A edição é de 1962. Alguns desses contos são cheios de moral (do tipo “moral da história”), de ensinamentos e até um pouco de esperteza.

Eis como descrevia o escritor brasileiro, Júlio Cesar de Melo e Souza (*), que adotou o pseudônimo acima, Malba Than a antiga ou imaginada Bagdá de uma época indefinida:

“Vamos partir, hoje mesmo, ó irmão dos árabes, vamos partir ao passo lento de nossa caravana, tomando o rumo da majestosa Bagdá, a pérola do Oriente.
Como é formosa a rica, hospitaleira e boa, a gloriosa capital do Islã! Admiremos, com a veneração sincera dos crentes, as suas mesquitas opulentas: percorramos as suas praças alegres movimentadas: visitemos os seus mercados, fervilhantes de vida, onde se reúnem xeiques e lojistas dos quatro cantos do mundo.”


Ah, esses sonhos, esse tempos de paz, quando ela era querida. Depois, a cidade se transformaria num campo de ódio e de batalha, porque há os que não querem a paz e menos ainda o retorno de Bagdá aos tempos da “pérola do oriente”.

Mas, essa violência não é exclusividade do Iraque. O planeta esta doente. Parece que, no conjunto, a humanidade não quer a paz – não vive sem a violência que se expande.

Aqueles que me honram com sua presença neste blog, talvez saibam que num outro, escrevo sobre assuntos indigestos, políticos, sociais e o que mais me aflija no momento.

O trecho do livrinho de Malba Tahan que transcrevo abaixo talvez estivesse melhor situado nesse outro blog, mas trago o assunto para este e, quem sabe, proximamente eu o aproveite naquele.

Trata-se da “ciência do não”. Eis como fora ela exposta. O trecho transcrito é longo mas vale conhecer:

“- A Ciência do Não, ó Príncipe do Islã, envolve leis, princípios e teorias que exprimem preciosos conhecimentos para aqueles que desejam governar com critério e dignidade.
- E é muito antiga essa Ciência? – inquiriu o Califa de Bagdá – esboçando um sorriso de benevolência.
- Antiquíssima – atalhou o sábio Zeidan, num gesto afirmativo, ostentando saber, - Tal ciência acompanha o mundo e os homens desde os primeiros albores da criação. A palavra “não” é obra propriamente divina; foi inventada por Deus. Ao primeiro homem, o nosso pai Adão, ainda entre as sombras deliciosas do Paraíso, o Onipotente prescreveu: “Não comerás do fruto daquela árvore!” e, nessa proibição categórica, já tinha início, bem viva e palpitante, a formidável Ciência do Não! Dos dez mandamentos da lei de Moisés (mandamentos ditados milagrosamente no monte Sinai, por Deus Criador), sete começam pela negativa absoluta: Não. É sempre útil recordar as determinações imutáveis do Decálogo: “Não pronunciarás em vão o nome do Senhor, teu Deus”, “Não matarás”, “Não cometerás adultério”, “Não furtarás”, “Não levantarás falso testemunho”,”Não desejaras a mulher do próximo”, “Não cobiçaras as coisas alheias.” (...)


“E assim o Príncipe, para a defesa do erário, para resguardo mesmo do seu bom nome, vê-se forçado a dizer vinte mil vezes. Não! Não! Não! (...) Proferir não é, em geral, bem mais difícil do que responder sim. E governar, ó Comendador dos Crentes, governar é dizer não. Não, para aqueles que planejam guerras e conquistas. Não, para aqueles que solicitam criação de cargos inúteis ou promoções iníquas. A Ciência do Não é, pois, imprescindível para a cultura do verdadeiro Rei! Repito – Governar é contrariar, é proibir, é vetar!”

Agora pergunto: QUAL PAÍS QUE VOCÊ CONHECE NO QUAL A PALAVRA GOVERNAR É SIM? Adivinhou, hem!


(*) Nascido no Rio de Janeiro de 06.05.1895 e falecido em Recife em 18.06.1974.

Pequena Nota

Na crônica “Dos livros que não consegui ler (ainda). E os já lidos...” de 17.10.2010 faço resenha e comento os livros seguintes, entre outros:
“Os Sertões" de Euclides da Cunha
"Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa
Autor Friedrich Nietzsche
"Ulisses" de James Joyce
"1984" de George Orwell
"Admirável mundo novo" de Aldous Huxley

16/05/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (IV)

Alguns poemas já divulgados em crônicas neste blog, escritos em épocas muito diferentes e distantes.

TEMPLO VIOLADO




Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.
Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.
E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.
Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.
Que delírio insano ocorrera, porém ?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém.


NU ARTÍSTICO


Estanco na figura nua
Mulher linda, perfeita
O clamor da beleza pura
Que a refinada obra acentua.

Fixo-me nas reentrâncias
Nos picos e declives espessos
Penso num abraço
Num beijo ardente à perfeição
Mas, ela ali não vive
É pura inspiração.

Não é ela real, pois.
Uma miragem é o que vejo
O artista que a obra fez
Assim graciosa e linda
Instiga o solitário desejo.
Reajo a tal beleza inatingível
Fixando-me ainda na imagem
Vingo-me, assim, jocoso, então,
Rio de piada antiga:

Senhora com decote revelador
Lindos seios à mostra, encantos
A marca selada da mulher,
Pergunta ao dançarino fogoso:
- Sabes dizer os atributos da mulher
De que mais lindo ela tem?
- Sei-os, senhora, mas não direi...



A NOITE


A noite tudo encombre:
o sono da criança
os beijos dos amantes
o sonho da alma nobre...

A noite é decantada:
é a musa do poeta,
é o repouso da saudade,
é o descanso da passarada...

A noite é temida:
nela tristes seres cantam,
dança a deusa d’água,
triste se torna a vida...

A noite muito inspira:
escondem os namorados,
doces se tornam os lírios,
a vida em silêncio aspira...

A noite é mística:
nela os fiéis oram,
nela a esperança renasce,
nela o filósofo pratica...

A noite é estranha:
ela esconde os ódios,
encobre a beleza,
desaparece a vergonha!

A noite tudo encobre

Foto da noite, de Milton Pimentel Martins

08/05/2011

FRAGMENTOS MATERNOS

Explicação: eu escrevi uma crônica “autobiográfica” (“Fragmentos Paternos” de 13.02.20110) sobre meu pai que, para minha surpresa tem sido muito acessada. Surpresa porque há outras melhores que se perdem esquecidas nas páginas que compõem este blog. Aliás, este blog, por tudo, pelo seu resultado, é uma surpresa.


Falarei, pois, de fragmentos de minha mãe, episódios que se perdem na memória, porque o tempo implacável, como é, desbota imagens e ternuras.
Minha mãe fora criada por madrasta de quem não guardara boas recordações. Aprendera a ler praticamente sozinha, naqueles idos de educação limitada, naqueles idos em que o homem não tinha lá muitos compromissos com a formação – meu pai era guarda-livros, porém - e as mulheres menos ainda. Claro que em determinados segmentos sociais a educação era importante.
Talvez não tenha muito que contar, porque todas as mães têm aquele mesmo sentimento de amor, ainda que reservado.
Foi esse o caso dela. Sofrera demais pelo alcoolismo do meu pai – naqueles idos que alcoólatra era vadio -, houve períodos em que ela praticamente administrou a casa, entre choros e esperanças de que o marido viesse sóbrio naquela noite.
Se não viesse, sua angústia ia ao extremo, sua amargura de tantos e tantos dias, meses, anos...voltava e dava um nó na garganta mais uma vez. Dos soluços ao choro copioso.
Sua ansiedade incontida na iminência de comprar a casa onde morávamos – como relatei na crônica “Fragmentos Paternos”.
Nos bons momentos o amor estava presente.aquele sentimento de ternura revelada, sim, mas sem ser expansiva, só aparentemente distante pelos seus desgostos. Tudo isso me influenciou. Aliás, tudo isso me influenciou de um modo indelével.
Por essa ordem, eu também assim agi, de certo modo, com meus filhos e há os que reclamam.
Com minha mãe por perto tive toda a liberdade para brincar, andar descalço pelas ruas, andar de bicicleta, tomar chuva, jogar bola nos campos enlameados, fazendo química no meu “laboratório ideal”, cuidando do quati enquanto esteve aos nossos cuidados. Liberdade sem medo.
Fora ela muitas vezes chamada no colégio para ouvir recomendações e alertas da diretoria sobre minhas “aprontadas” e indisciplinas.
Mas, nada que a envergonhasse, nada.

Seus cuidados com as plantas, com os cachorros tão amorosos naquele quintal que continha além de videira num caramanchão que não dava uva, apenas uns cachinhos mirrados, também pé de tomate “japonês” e uvaia.
As bananas miúdas das bananeiras no fundo do quintal que ela convertia em bananada jamais imitada.
Que lembranças doces!
Quando mudei do ABC e ela também, com a viuvez, meus contatos, além de visitas periódicas, por anos a fio, foram aos domingos, pelo telefone.
Com o passar dos anos, ela percebeu que sua mente já não respondia ao que pretendia transmitir e isso a fez perder a vontade pela vida. Sabia tudo o que enfrentara. Pouco mais a frente deu-se seu passamento.


Uma mulher corajosa, bondosa, que faz parte da minha interioridade, da minha vida. Dona Cila.





Fotos:
(1) A avenca foi plantada por minha mãe e está conosco há cerca de 30 anos;
(2) Tempos sem registro na memória

01/05/2011

O QUE ESTOU VENDO NESTES TEMPOS DESREGRADOS

Sobre o que se passa em nossa volta neste planetinha cada vez menor já me posicionei muitas vezes.
Em pleno século XXI ainda não criou o homem juízo. Pensa em termos imediatos, promove guerras sem causa – salvo em nome do poder efêmero - destrói o planeta sem medir as consequências, ignorando o futuro dele e dos seus descendentes.
Já não bastassem semelhantes não tão semelhantes, assassinos e violadores (sociopatas criminosos)!
O predador é assim: tudo tem um valor econômico e esse valor se sobrepõe aos valores “espirituais” de uma floresta, ou de um riacho límpido. Estes não são mensuráveis. E lá se vão as margens devastadas que se deterioram nas cheias, afetando sua vazão.
Muito se devastou nos Estados Unidos. Milhares são as casas de madeira...
Entro numa igreja qualquer, aqui como lá ou na Europa e constato, no seu acabamento e nos milhares de bancos reservados aos fiéis quanto de florestas foi predada ao longo dos séculos.
Mas, é por aqui que ainda temos a grande floresta Amazônica que tal qual ação de formigas cortadeiras implacáveis vai sendo dizimada. É daquelas matas que se expande o fluxo da umidade pelo continente influenciando o próprio clima da Terra.
E o seu reservatório de água? Há os que se assustam com a conversa velada de sua internacionalização por conta da sobrevivência do planeta, num futuro. Essa revolução pode amadurecer à medida que aumentarem os desertos e se dê a escassez de água em regiões maiores.
Bem, é como somos irresponsáveis no cuidar desses recursos, como se fossem estrume de gado e não essenciais à vida!
Aumentam os desastres naturais não só aqui nestas terras mas no planeta e se fossem enxergados não como "causas naturais”, mas aquela questão de "causa e efeito", a mão do homem e sua insanidade inconsequente seriam identificadas na maioria dos casos.
Mas, quem nisso acredita?

Um poema, mesmo sem rima como é o caso desse abaixo, tem a virtude de permitir a inserção de simbolismos, numa medida importante – na denominada liberdade poética - embora possa exigir alguma reflexão do esforçado leitor. Chamarei de

TORMENTAS










Deparo-me inebriado
Na fronte da orquídea multicolor
Desligo-me do meu tempo
Do que me afronta o mundo,
Sinto elementos sutis, superiores
A contemplar – e contemplo!
Por um instante, uma fração
Sou sacudido por estampido
Há algo de tenebroso acontecido...
Volto-me para o alto – céu límpido
Não há tormentas anunciadas
Pássaros esvoaçam, me acalmam,
Cheiro de enxofre e dor se expandem no ar
Logo adormeço no pesadelo que vivo,
Deu-se a derribada da velha paineira


Florida e chorosa


Deu-se um tiro no peito do seu algoz
Que tomba no instante do estampido
No chão, no choro misturam-se sangue e resina
Mistura de dor e ódio!
O que mais terei que ver?
Nestes tempos dolorosos?
Serei um desiludido pessimista?
Ou um alienígena no meu tempo?
Não sei, volto-me para a orquídea
Linda, irradiando beijos
Tento esquecer o instante do mundo
Mas, ele está logo aqui, agora
Envolto na orquídea,
Envolto em mim!

24/04/2011

DA VAIDADE AO PÓ (Reflexões sobre a "terra prometida")


"E disse-lhe o Senhor. Esta é a terra de que jurei a Abraão, Isaque e Jacó, dizendo: A tua semente a darei: mostro-ta para a veres com os teus olhos, porém para lá não passarás.
Assim, morreu ali Moisés, servo do Senhor, na terra de Moabe, conforme ao dito do Senhor,
E o sepultou num vale, na terra de Moabe, defronte de Bete-Peor, e ninguém tem sabido até hoje a sua sepultura" (Deut. 34, 4,6)


Efetivamente, no que concerne a mim, não sou alguém religioso no sentido tradicional. Mas, por vezes, me assaltam algumas indagações.
Eis que, rodando ao acaso o controle remoto da televisão, assisti às cenas finais de um filme em que era encenada a morte de Moisés que, diante do comando de Deus, teria mesmo se irritado com Ele –“cruel” -, atitude que parece ser fantasiosa à luz do relato bíblico. A abertura destas reflexões narram o fim de Moisés, assim decidido por Deus porque ele "prevaricara", segundo a Bíblia.
Ocorreu-me, então, melhor refletir sobre essa passagem bíblica.
Com efeito, ao longo de nossa vida, deparamo-nos com pessoas especiais que fazem diferença no mundo, com tarefas exemplares realizadas em prol dos semelhantes, outras com idéias beneficamente influentes e que, por uma contingência qualquer ou naturalmente, morrem abruptamente.
Deixam inacabadas as grandes obras começadas ou permanecem indeléveis na memória de todos, por tudo o que fizeram ou que pensaram e transmitiram. Seu passamento gera, às vezes, grandes comoções coletivas. As pessoas de um modo geral, têm a sensação de perda, decorrendo daí aqueles comentários chavões, mas nem por isso insinceros: "o mundo ficou mais pobre com a morte de fulano"; "foi-se fulano, ficaram as obras". E assim por diante.
Cada um que, neste instante, se puser a pensar, encontrara alguém com esse qualificativo cujo passamento gerou alguma ou muita emoção.
E essas perdas de valores humanos, a obra inacabada que deixam, tornam "injusta" a morte, dolorosa, pranteada.
Mas, certamente, toda obra, por menor que seja, deixa alguma lição: o pai transmite ao filho lições de solidariedade, o filantropo por seus atos desprendidos de caridade, de resignação que um modesto servidor dá a cada dia na execução de seu trabalho mais humilde, pelas palavras de encorajamento que alguém proferiu para amenizar a angustia do amigo...
E apesar de tudo, muitas dessas pessoas que fazem diferença, acabam por não ver a "terra prometida" e desaparecem da vida como que por encanto e, a maioria delas, no pó, acaba sendo mesmo esquecida e "ninguém mais saberá de sua sepultura".
Que é conscientemente difícil aceitar esse "jogo da vida", não tenho a menor dúvida.
Mas, não teria a passagem bíblica relatando a morte de Moisés antes que pudesse adentrar à "terra prometida" também esse significado ? De que de nossas obras, grande ou pequenas, ficam as sementes para serem plantadas ou usufruídas num processo permanente de renovação, pelos nossos descendentes ou pelos nossos semelhantes para continuá-la ?
Moisés, que tanto fizera pelo seu povo, fora privado de adentrar à terra prometida, embora lhe fosse dado vê-la, "apenas" porque prevaricara perante Deus.
E isso com Moisés. Quanto a nós, qual o grau de prevaricação que temos perante Ele?
Eis porque, mesmo para as figuras humanas luminares de nossos dias e de todos os tempos, muitas não ficam para ver o resultado final de sua obra, isto é, não chegam até à "terra prometida", sequer a vêem, a virtual recompensa que poderia advir pelo esforço empreendido.
Talvez porque tudo por aqui seja "vaidade de vaidade".
Até para Moisés isso fora demonstrado, aparentemente por um capricho de Deus. Porque os exemplos e as obras ficam para a posteridade, tal qual sementes plantadas. E ao germinarem, não necessariamente será identificado ou lembrado o semeador.

Uma contradição que constatei? Sintetizada nestas linhas extraídas de poema:

"Da mais humilde à mais soberba criatura
A vaidade impulsiona o mundo, porém
Mas, no fim, nada restará senão o pó, o além...”



Foto: A “mão de Deus” sobre a cidade minúscula, “ameaçada” (ou protegida?) pela tormenta que chega (Foto de Milton Pimentel Martins – v. Galeria Mirtão no Flickr)

17/04/2011

"SERMÃO DA MONTANHA", fragmentos ”históricos” que ficam

De um modo geral todos na sua caminhada nesta estrada que não se divisa o fim, têm algo que contar. Muitos são os que não contam o que implica na perda de uma experiência, de um fragmento histórico, de uma inspiração poética.
O tema desta crônica é real e se afasta daquele sentido tépido, ameno de outras que damos às nossas experiências e as experiências tidas com tipos humanos diversos com que cruzamos ao longo da vida.

Não! Não foi nada ameno e vivido num período de muita tensão e incerteza. Esta passagem já contei muitas vezes, mas tenho aproveitado este Temas - nem sempre sustentado com o ânimo que pareço demonstrar -, para reunir todas essas experiências. São os meus fragmentos históricos.
Para mim o relato abaixo foi emocionante e, como tal, inesquecível, até porque nessa quadra da vida política brasileira, desenhavam-se novos rumos.


Foi assim...
...na greve de 1980 no ABC. Aquela que durou 41 dias e que para sua deflagração, não houve a ação de piquetes.

Trabalhava numa multinacional, em Santo André. Lá pelo 15° dia de paralisação, o ócio do dia-a-dia sem trabalho, sem solução, incentivou que as empresas tomassem algumas medidas para tentar, o quanto possível, esvaziar a greve e trazer os empregados de volta à linha de produção. (1)

Foi decidido, então, "chamar os empregados à responsabilidade", através de uma circular redigida por mim a mando da diretoria, remetida a todos eles, nos respectivos endereços residenciais. Essa circular foi redigida até com termos ríspidos, lembrando, no final que, para continuar garantindo o emprego e o sustento dos empregados e famílias, era necessário que voltassem imediatamente ao trabalho.

Devo acentuar que era chamado para reuniões em São Bernardo do Campo, onde se situava a matriz da empresa (Chrysler) de regra sempre que havia necessidade de redigir alguma circular aos empregados. Isolava-me numa sala e de lá saía o que interessava à empresa dizer.

A reação à carta fora praticamente nula. Até o 25° dia, a greve manteve-se com altos índices de paralisação.


Numa tarde monótona, porém, quente, sufocante e sonolenta, poluída pela atividade de fábricas vizinhas, indústrias químicas, de pneus e a Refinaria de Capuava, dois veteranos empregados da fábrica, pertencentes ao setor de fundição, exatamente o mais sacrificado de todos, pela emanação de poeiras, gases e calor intenso, entraram cautelosos pelo portão principal da fábrica. No pátio, próximo da entrada para a área administrativa, fui chamado. Ambos portavam a carta que, com firmeza, nervosos, repudiaram:

- Não podemos aceitar os dizeres desta carta. Nós estamos aqui trabalhando há mais de 15 anos e eu (o interlocutor mais velho, negro alto e magro, envelhecido pelo trabalho pesado naquele ambiente insalubre) fundi os primeiros blocos do motor de exportação para o México. O que é que o senhor espera que façamos ? Que nós "fiquemos heróis" com tantos colegas lá fora esperando, torcendo para que essa greve acabe logo? Que "nós seja" desrespeitados por eles como traidores, fura greve ?
Que nossas famílias sejam ameaçadas pelos outros grevistas dos barracos vizinhos? O senhor pensa que estamos calmos em casa?

Perplexo, nada pude responder, tal o peso moral das palavras, do sermão que acabara de ouvir.

Enquanto se retiravam dignos e corretos, não pude externar, um pouco por vergonha, outro pouco para não deixar interpretar que a atitude fosse demagógica, minha emoção, meu respeito pelos profissionais simples que, com poucas palavras, pronunciadas corretamente, me passaram, para o momento, um verdadeiro "sermão da montanha", sem saberem que a carta fora redigida por mim. E lá foram eles cheios de dignidade.

"Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mateus 5.3)".

Referências

(1) Sobre a greve de 1978 ("Greve de 1978: início de tudo" de 11.05.2010), tenho um artigo indigesto que pode ser lido no portal www.votebrasil.com e no blog martins.milton2.blogspot.com

Foto da fábrica da Pirelli, em Santo André, então vizinha da fábrica da Chrysler, cuja área foi convertida há anos numa loja Carrefour. A empresa de pneus tem politica de preservação ambiental.

10/04/2011

O QUE TENHO QUE VER AINDA?



Volto-me quieto, um nó na garganta por toda aquela calamidade assassina que se deu na escola no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro
Tenho me queixado muito das coisas tresloucadas que tenho visto nos últimos tempos: tragédias ambientais como aquela que se deu, não faz muito, no próprio Rio de Janeiro, a predação ambiental produzida ou incentivada por desmiolados que não pensam no futuro, nas próximas gerações, o desrespeito aos animais, brutalizados e os que perdem seu habitat, ao tsunamis devastadores e mais frequentes, à crueldade que grassa pelo mundo especialmente pelas guerras sem causa.
Tudo bem que há um outro lado da moeda, aquele que mostra um sentido de ternura que ainda tempera este mundo em desespero.

Com efeito, neste meu canto, meu escritório aqui de casa que já tantas vezes me referi, me consolei por alguns instantes desses traumas que me ferem ao ver uma quantidade de passarinhos, saltitantes no zinco do muro, irradiando aquele sonzinho, em busca de nacos de mamão e bananas ali postos para eles.

A graça e a inspiração que infelizmente não posso tocar, o que seria um consolo físico maravilhoso, porque sua desconfiança natural não permite. “O homem vem aí...”

Há um fantasma que não tem medo da luz do dia: minha cachorrinha preta, já morta, que está por aqui, transmitindo amor a seu modo.
Não há o que temer.

Indago-me, então, nesse mesmo instante aquela seleção do tresloucado, dito doente mental, mas com discernimento suficiente para fazer sua seleção macabra de quem viveria e quem não viveria.
- Fique tranquilo, disse a um menino apavorado, não vou matar você!
E em seguida:
- Vocês fiquem de costas que vou matar todos!
Foram somente as mãos do tresloucado que acionaram as armas?
“Onde estava Deus?”
Como isso foi possível?

Do alto de tantos anos, rememorando tantos eventos dolorosos, constato que, por uma série de razões, essas tragédias crescem de modo assustador e já fazem parte de nosso dia-a-dia. Como nunca.

Atento ao esvoaçar dos passarinhos – não há jeito – volto-me para os meus tempos distantes sem medo. Liberdade sem medo.
O meu passado está comigo. Dele não sou refém, porém.

O presente é incerto.
Se só o presente existe
O que faço com o ontem?
Dele tudo bate no peito
Na alma que se questiona
O que faço se o passado insiste?

No silêncio daqueles instantes
Eclode o sentimento da graça
De amor, tristeza e calma
Se o agora é o que conta
Porque a vida plena está presente

É no passado que ela ensina
E no passado que ela inspira,
Porém.



Acho graça de alguns percalços. Num domingo como este de sol ameno, chuva à tarde, já lá se vão tantos anos, na minha vontade de parecer intelectual, andava pelas ruas de São Caetano do Sul, empunhando um Estadão de “5 mil páginas”, lendo artigos de fundo, contando que as meninas que rumavam para a missa das 10h40 na matriz, me vissem e se impressionassem.
Até o momento em que taquei a testa num tapume na calçada coberto pelo jornal que lia e, de regra, pouco entendia. Acordei dos desvairamentos. Olhei para todos os lados para descobrir alguém que tivesse visto a testada para mais me envergonhar.
Mas, não, não havia. Embrulhei o jornalão debaixo do braço e sai de mansinho.
Destes momentos, neste presente, nessa sucessão de segundos, não há tapume para trombar e me acordar de um delírio.

Aliás, não há delírios nestes tempo, de muita dor e desconsolo.
O que tenho que ver ainda?


Foto 1: http://passaregua.blogspot.com

Tucano na cidade
Parece que, por destruição do seu habitat natural, aves raras estão se aproximando das cidades. Este tucano foi filmado em Piracicaba, num bairro próximo do centro (imagens de Silvio P. Martins)

03/04/2011

ALUCINAÇÕES, SONHOS (?)

Vejo-me dentro do carro - às vezes não é um carro -, eu o deixo estacionado num local absolutamente inóspito: ladeiras íngremes, barrancos ameaçadores, passagens estreitas infestadas por água imunda.

Parece que estou nas alturas. Essa sensação me atormenta porque sou um pouco acrofóbico. Bem pouco. Há situações em que me intranquilizo olhando para baixo lá do alto.

- Se fosse assim, você teria dificuldades do avião, me disse alguém. Vá lá!
Equilibro-me naquelas tábuas, passando por sobre poças e poços. Aquela sensação de mundo perdido, sem verde, sem nada, caos.
Quero voltar e sair dali. Mas onde deixei o carro. Desapareceu.
Outra daquelas alucinações?
Pois um dia havia estacionado o carro numa rua movimentada e fui resolver alguma coisa.
Quando voltei, o carro havia desaparecido. Roubado?
Ameaço ligar para casa para virem me buscar e ir à delegacia registrar a ocorrência.
Entro no meio ovo do orelhão e de relance vejo o carro de volta dois passos à frente tão branco como sempre. Eu o ofendo:
- Por onde você andou seu energúmeno.
A resposta foram sons sutis de gargalhadas. Duendes que me perseguem. Somem coisas na minha frente e viro para um lado desesperado a procura e lá estão elas a menos de um palmo do nariz, na minha frente.
Ou os documentos importantes que sumiram de repente e foram achados no arquivo, em busca exaustiva numa pasta que há anos não mexia.
Não encontro o carro naquela imensidão depredada, sem vida por onde caminho e flutuo.
Volto me equilibrando pelas tábuas, pinguelas, ainda com a sensação do que estou no alto. Me equilibro.
Um grito surdo:
- Socorro.
Volto-me e chego à beira de um fosso cheio de água suja. Meto a mão naquela fossa na altura do meu antebraço e agarro a mão de alguém.
Puxo-o.
O salvado sai com facilidade, está vivo. Começa a devolver a água imunda que bebeu no pré-afogamento. Digo-lhe:
- É isso mesmo, vomite essa água suja que lhe fará bem.
Olho para os lados e só vejo devastação, barrancos. Não sei mais do afogado que puxei. Não sei o caminho de volta, o carro.
Numa fração, estou de volta. Piso no chão duro. O carro está no lugar de sempre me esperando para o trabalho dali a pouco.
Olho-me no espelho com a cara deslavada, com a sensação ainda da minha mão na água suja puxando o afogado e confesso:
- Cara você não sonha é um alucinado mesmo dormindo.
Saio logo depois para o cotidiano “real”. (*)




Noite de breu

Viajo na noite de breu. Não sei bem como cheguei até ali e onde estou. Noite de breu. Acho que estou onde tenho minhas raízes. Nada enxergo, mas pergunto para alguém que não vejo. Aqui é a rua ...? A resposta não veio sonora, mas fui informado por algum modo que era. Mas, a rua era muito acidentada não poderia ser. Nem nos meus tempos de menino que guiava barquinhos de papel pelas guias quando era ainda de terra.
Os barrancos são altos, dava para perceber naquelas trevas. Paro na frente de uma velha casa mal conservada:
- Aqui mora minha tia M.?
Não obtive resposta, mas entrei. Algumas crianças crescidinhas sentaram perto de mim e alguns moços que também lá estavam  me olhavam com condescendência.
Um deles de óculos:
- Nós fizemos alguns negócios, você se lembra?
Não, não me lembrava.
Minha tia aparece vestida com um vestido longo, simples, de cor levemente rosada.
Se aproxima, me beija o rosto e desaparece.
Acordei.
Há anos que minha tia falecera.
Essas sensações além de me deixarem perplexo, me reconfortam.
Tento pensar na casa velha. Não importa, nela moravam seres cordiais e amáveis.



Trailer da passagem...

Você teria coragem de relatar tais terrores?

Pois vou relatar.

Foi assim.

Lá pelas 22h00 horas, no meu escritório de casa, lia as últimas crônicas de Monteiro Lobato na obra “A Onda Verde" (na mesma edição “O Presidente Negro” do qual fiz breve resenha na crônica “Dos livros que não consegui ler - ainda. E os já lidos” de 17.10.2010, neste “Temas”).

A capa é ilustrada pela efígie do autor.


O sono não tinha batido a ponto de me fazer “perder os sentidos”.

Então, como se alguém me ordenasse:

“- Olhe para minha efígie de novo”

Fiz isso e dai para frente não sei o que aconteceu.

Vi-me nalgum lugar sem janela e porta e comecei a gritar:

- Quero acordar, quero minha vida...

Fazia um esforço que imaginava consciente para acordar e sair daquele lugar.

De repente, como todos os sonhos, me achei acordado, ao lado de pessoas desconhecidas subindo degraus daquele que parecia o antigo sobrado onde morara em outra cidade, dirigindo-me ao quarto dos meus filhos, portas fechadas.

Nesse instante acordei do lado de cá do mesmo modo como adormecera: sem sobressaltos.

Tivera, talvez pela minha idade, experiência da perda de rumo quando da passagem para o outro lado... definitivamente.

Um trailer da passagem. Sem volta?



Imagens


(1) "Spiritual Repose", de Max Ernest
(2) "A grande convulsão" de Henry de Groux
(Fonte: http://casoual.wordpress.com)

Livro de Monteiro Lobato:
"Onda Verde" - Edição de 1961 - Editora Brasiliense

(*) V. "Terrores e Tremores" de 06.06.2010