Resisti em publicar esta crônica, tais as tragédias atuais, as naturais como as grandes enchentes e as provocadas pela insanidade humana, como as grandes queimadas e o imenso e insistente ataque aos bens naturais.
Mas, repensando os eventos, resolvi pela sua divulgação aqui nestes temas, que são livres.
As ruínas de Pompéia lá estão atestando a catástrofe que se deu com a erupção brutal do vulcão Vesúvio.
Caminho por aquelas ruelas de pedra – grandes pedregulhos lisos – que dificultam os passos.
Tinha poucas informações sobre a cidade soterrada por cinzas e lapíli – um composto sólido, pequeno, tipo pedrisco, incandescente, expelido pelo vulcão.
Melhor assim, porque, quem sabe (?), tivesse alguma sensação diferenciada captando vibrações do local, tantos foram as surpresa e os sofrimentos pela tragédia.
As poucas informações me levaram a um estágio diferenciado quando há anos visitara as pirâmides de Teotihuacán, no México (v. crônica de 04.04.2010).
Essas impressões ou sentimentos espocam quase que naturalmente. Como não reverenciar ou se emocionar diante de uma catedral à beira de completar um milênio ou mais, tão comum na Europa, cuja construção levou dois ou três séculos? Quantas mãos a construíram, quais sofrimentos trouxeram ao ser erigida pelos séculos e quais orgulhos vibram nos milhares de blocos fortemente assentados que a constituem?
Dias antes, estivera no túmulo de São Francisco, em Assis. Tudo me faz crer que aquele clima de reverência existente, tantos religiosos por ali, muitos em oração, produz um clima de paz facilmente absorvido, aquele enternecimento que não se explica. E não há a invocação à sensitividade como se tudo se explicasse à luz de fenômenos parapsicológicos. As emoções se aguçam e se revelam. Só isso.
Talvez por conta de todas essas impressões anteriores vividas naqueles dias, quando fui avançando pelas suas ruínas de Pompéia, tudo se resumia à indiferença.
Fora uma cidade próspera que, tanto quanto a cidade vizinha de Herculano estava ao pé do Vesúvio, uma montanha com mais de 1200 metros de altura.
O Vesúvio situa-se nas proximidades de Nápoles, bela cidade bem ao sul de Roma, a 194 quilômetros de distância da capital.
A erupção que soterrou Pompéia e Herculano se deu em 79 DC.
Ao ressurgir das cinzas e dos elementos do Vesúvio, quando começaram as escavações no início do século 18, toda sua intimidade foi revelada, destacando-se as obras de arte, a maneira como resolveram seus habitantes a urbanização da cidade, os monumentos e as grandes construções.
Pompéia se situava numa região rica em vinhas, adorando deuses pagãos, não fora surpresa encontrar em suas reentrâncias sinais de erotismo exacerbado. Aliás, num aposento de rica residência, depara-se, desenhando na parede, a figura singular do Priapo, o deus da luxúria.
Em Pompéia não se tem o sentimento do sagrado, a despeito do sofrimento do cadáveres ali preservados e mantidos com suas expressões de terror diante da morte inevitável imposta pela fúria do vulcão, talvez porque haja até, pelos próprios guias turísticos aos montes por lá, uma certa malícia ao destacar aquele lado luxurioso que existiu nos costumes da cidade.
Esses cadáveres “soterrados na cidade foram recobertos de cinzas molhadas. Com o tempo, as camadas ficaram sólidas, moldando-se perfeitamente ao formato dos corpos, registrando até a expressão facial dos habitantes em seus momentos derradeiros. Depois do processo de decomposição, restaram moldes ocos, cujas cavidades foram preenchidas com gesso líquido para formar as mais famosas imagens da cidade.” (1)
Havia resquícios de presença do cristianismo. No livro de E.C. Conte Corti, há uma foto de um genuflexório tendo à frete um cruz, encontrado em Herculano, provavelmente pertencente a um escravo. Seria essa uma das poucas referências à incipiente influência cristã por aquelas plagas pagãs. (2)
Quando da erupção do Vesúvio, os habitantes de Pompéia, preocuparam-se em salvar o que pudessem de suas riquezas. Muitos morreram soterrados ou sufocados pelos gases preocupados em carregar pertences de valor (jóias, em especial):
“Os moradores dos bairros do oeste de Pompéia, mais próximos do mar conseguiram salvar-se; entre eles, Caius Sallustius, a quem pertencia a casa da esquina, no fim da Rua do Mercúrio. Sua mulher, pelo contrário, perdeu tempo tentando reunir suas jóias; acompanhada por três mulheres de condição modesta, caiu na rua, a pouca distância, com seu dinheiro, seu espelho e suas jóias, e afundou-se na cinza encharcada.” (2)
Outros, pela surpresa da catástrofe, morreram mal abandonando a mesa de refeições.
Num outro trecho do magnífico livro o autor compara o sofrimento de Pompéia com “o castigo infligido por Deus às cidades ímpias da Palestina”. E acrescentava: “Um homem, certamente judeu, refugiado numa casa, escreveu na parede: “Sodoma e Gomorra.” (2)
O que se conclui dessa tragédia no meio de tantas outras?
O lugar comum: a vulnerabilidade da vida, a insensatez da vaidade e a transitoriedade da riqueza.
Legendas:
Foto 1: Entrada das ruínas de Pompéia
Figura 1: Localização de Pompéia
(1) Revista “Veja” de 15.03.2000
Foto 2: Cadáveres “petrificados” de vítimas do Vesúvio em Pompéia
(2) E.C. Conte Corti, “Vida, Morte e Ressurreição de Herculano e Pompéia” –Ed. Itatiaia – 1964 (BH)
Sobre o genuflexório, esclarece o autor que “diante de uma cruz, num aposento de uma casa em Herculano, descoberto em 1929, a prova de que no ano 79 já havia ali uma pequena comunidade cristã.”
2 comentários:
Pois é, amigo Milton, também estive em Pompéia e foi uma emoção muito grande ver de perto o que a gente estudava nas aulas de história, nos bancos escolares.
E diante daquilo tudo, da imponência do Vesúvio ao fundo, prestes a acordar a qualquer momento, a gente sente mesmo "a vulnerabilidade da vida, a insensatez da vaidade e a transitoriedade da riqueza". Parabéns pelo texto que induz à rfeflexão
abrs
Ivana Negri
Ola Dr. Martins, realmente o sr. descreve com perfeição o "dilema" da humanidade e lendo seu texto me lembrei das linhas finais de um soneto de Sheldon Vanauken :
"Entre o provável e o provado existem hiatos
Uma fenda. Com medo de saltar, permanecemos ridículos.
Então vemos atrás de nós o chão afundar e, pior,
Nosso ponto de vista esfacelar-se. O desespero desponta
Nossa única esperança: saltar para o Verbo
Que abre o universo fechado"
Obrigada pela visita no Adiemus.
Um grande abraço.
Mara Bombo
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