03/10/2010

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE BEM-TE-VIS E MIMOS

A manhã começara mal-humorada
Não bastara o café adocicado
Algo no jornal me deprimira
Uma notícia cruel e malvada.

Mas, ai um bem-te-vi
Na janela me avisou que me vira
Eu também te vi, vigilante passarinho.



Diante da minha voz que se perde a um metro à frente do meu nariz, um apelo que se perde na areia fina do deserto que me perturba a alma, passei a ignorar as tragédias humanas nas quais se destaca a devastação ambiental e os maus tratos aos bichos. Se não ignorasse mais sentiria o murro no estômago.
Não me venham com essa de que o ser humano também sofre, é abandonado, as crianças se perdem, são molestadas. Essa é a tragédia humana que nada mais é do que o reflexo concreto de sua própria crueldade que não poupa nem os semelhantes. Ela se expande pelo que fazemos aos animais e à flora como uma nuvem espectral ampliada, captada pelas mentes inferiores.

Um desses dias em que não me senti confortável no desempenho do meu cotidiano referiu-se à notícia de que o bioma denominado “Cerrado”, aqui no Brasil, já foi devastado em 50%. Até 2004, 60 fornos de carvão – no que se converteu a vegetação do Cerrado – abasteciam siderúrgicas de Lagoa Santa, em Minas Gerais.”
É possível se imaginar uma coisa grotesca dessas?
O Cerrado, “pode ser chamado de “caixa d’água do continente sul-americano”, por captar águas pluviais que abastecem nascentes e formam rios nas bacias do Amazonas, São Francisco, Paraná e Tocantins...” (1)
E embora os tais fornos fossem desativados, a agropecuária constitui-se numa ameaça ao desmatamento continuado do Cerrado e o risco à fauna rica que lá (sobre) vive.
Essas barbaridades não são um despautério apenas brasileiro, porque
“Olhando uma imagem de satélite da Rússia, pode-se ver uma vasta extensão de terra áridas onde há décadas havia uma vegetação luxuriante. Eu me refiro à República da Calmúquia, que abriga o primeiro deserto produzido pela ação humana da Europa e reconhecido como tal nos anos 90.” (2)
Isso para ficar apenas num caso no Exterior para ser “solidário” com nossa inconseqüência continuada.

Mas, a despeito disso e da minha voz tão sem eco, já fiz campanha e continuo fazendo, de enfeitar as estradas na sua área divisória de pistas, como é o caso da maioria das estradas do Estado de São Paulo, plantando em espaços regulares mudas de hibisco (mimo) nas suas várias cores como forma de, também, “humanizar” o trajeto.

Mas, o que me levou a nocaute naquela manhã foi esta notícia:
“Uma queimada para renovação de pasto no Pantanal de Mato Grosso do Sul carbonizou um número ainda não estimado de ninhos com filhotes de araras, papagaios, periquitos e maritacas que, nesta época do ano, estão nos primeiros dias de vida. Também morreram queimados mamíferos, cobras e lagartos, conforme constataram soldados da Polícia Militar Ambiental em uma área de 2240 hectares consumidas pelo fogo.”
Diz a mais a notícia que a queimada de mato seco ficou sem controle, esclarecendo que “a maior destruição da fauna e da flora aconteceu em áreas de preservação permanente”
O proprietário, mais que irresponsável, foi multado em R$2 milhões, “a maior multa aplicada a uma única ocorrência do gênero pelo Estado até agora.” (3)

Pasto, sempre o pasto! O Universal Channel num documentário recente mostrou como são preparados os hambúrgueres nos Estados Unidos. Claro que a par da matança monstruoso dos bois, a mistura do produto contém toda aquela gordura, aquele sebo misturado à carne moída. Pois são esses “ingredientes” que dão o sabor ao hambúrguer. Argh!

Naquela manhã depressiva, relembrando os estragos do fogo criminoso na reserva ambiental de Mato Grosso do Sul, me questionando, afinal, o que eu fazia por aqui, neste mundo entre o sublime e o pavoroso, cada vez mais, sem nenhuma vontade de renunciar a todos os meus valores e tarefas, porém, um pequeno evento me alertou: um bem-te-vi empoleirou-se na janela do meu escritório no 5° andar e pipilou aquele som estridente que lhe batizou: bem-te-vi!
Eu me volto e dou nos seus olhinhos entre as tiras da cortina.
Creio que há algum ninho nos vãos de ar condicionado, por ali.
A vida ainda se renova, bem vi. Até quando, meu querido amarelinho gritador, até quando?


Rodapé
1. Jornal “O Estado de São Paulo” de 02.09.2010
2. Idem de 03.10.2010, artigo de Kwame Anthony Appiah, “Pecados de longo Alcance”.
3. Idem de 29.09.2010

Imagens / Fotos:
i.) Mapa IBGE: localização dos biomas no território brasileiro (clicando no mapa, dá-se a ampliação)
2.) Hibisco (mimo) - fonte: http://multiflorafernandopolis.blogspot.com/
3.) Bem-te-vi - fonte: http://flog.clickgratis.com.br/

Um comentário:

Milton Martins disse...

Critiquei a "receita" dos hamburgueres animais nesta crônica. A escritora Ivana Maria Negri, remeteu a receita abaixo de hamburquer vegetariano (soja) e de "fanta natural". Anotem e aproveitem:

Hamburguer de soja
Deixar previamente de molho 3 xícaras de proteína de soja moída. Espremer bem a água e juntar um ovo, 1 envelope de sopa creme de cebola e um pouco de trigo até dar liga. Colocar shoyo para dar cor, mas não colocar muito porque o creme de cebola já é salgado.

Fazer as bolotas e amassar com forma própria para hambúrguer. Embalar em plástico ou em alumínio e congelar. Na hora de utilizar é só dourar numa frigideira antiaderente untada com pouco óleo ou colocar numa assadeira e levar ao forno.

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Fanta Natural (rende 5 litros)

4 cenouras médias raspadas e picadas

casca amarela de uma laranja madura

1 copo de suco de limão

açúcar a gosto (mais ou menos 250 grs.)

3 litros e meio de água mineral gaseificada

Coloque no copo do liquidificador as cenouras, a casca de laranja, o suco de limão e bata bem. Coe numa peneira fina, coloque o açúcar, mexa bem e por último, a água. O resíduo pode ser usado para fazer geléia ou bolo de cenoura. É importante usar só a parte amarela da casca da laranja, pois a parte branca acaba amargando a bebida.