11/03/2013

UM BREVE RETORNO NO TEMPO (Uma jornalista no século XIX)


Há exatos 15 anos, escrevi uma crônica sob o título acima referindo-me ao centenário de uma peça jornalística que teve grande repercussão na França, do escritor Emile Zola, J ’Accuse publicado em 14 de janeiro de 1898 em defesa da maior farsa acusatória da qual foi vítima o militar Alfredo Dreyfus no final do século XIX.
E porque me veio à mente essa crônica tanto tempo depois?
Primeiro porque ao “dia internacional da mulher”, houve a sobreposição do final de uma novela da Globo, “Lado a lado”, que assisti fragmentos na qual a heroína não podia assinar artigos jornalísticos  em seu nome, somente com pseudônimo masculino porque à mulher não era dado o “direito” de escrever sobre “assuntos sérios”.
E nesse “embalo” me veio um nome, Severine, jornalista francesa, a “rebelde”.
Por vezes escrevo crônicas fora desse contexto no qual se misturam figuras antagônicas amor e ódio, herói e vilão ou meras cenas do cotidiano.
Esta é mais uma fora desse contexto, esperando não aborrecer muito os ocasionais leitores.

Alfredo Dreyfus, acusado falsamente de alta traição por ter supostamente passado aos alemães, informações secretas sobre equipamentos militares franceses, sofreu um processo penoso, prisão humilhante por anos, embora gritasse sua inocência era execrado como traidor por quase toda a França.
Mesmo com divergências nas provas grafotécnicas num bilhete obtido pela espionagem francesa no cesto de lixo de um adido militar alemão lotado na Embaixada Alemã em Paris, aquele “judeu traidor” foi preso em 1894, despojado de todas as suas insígnias e mais tarde preso na Ilha do Diabo na costa da Guiana.
Afinal:
- Que lhe importa que esse judeu fique na Ilha do Diabo?
- Mas, ele é inocente!
O “Eu acuso” (J’ Accuse) de Emile Zola, fora uma peça com acusações repletas de adjetivação contra os algozes de Dreyfus, na maioria militares: “autor diabólico do erro judiciário, “crime de lesa-humanidade”, “monstruosa parcialidade”.
Por ter tomado partido com tamanha veemência, foi Zola vítima de um processo, sendo condenado, sob o furor do populacho que via ele também c como traidor.
A partir daí surgiram duas correntes: os “dreyfusistas” e os “não-dreyfusistas”.
O absurdo do processo chegara a tal ponto, tão fragrante o escândalo, que entre os “dreyfusistas” estavam a Rainha da Inglaterra, o Tzar da Rússia, o Papa Leão XIII.
A Corte Suprema da França para por fim ao escândalo que se constituíra o processo, à repercussão mundial – Ruy Barbosa posicionou-se a favor do acusado – em 12 de julho de 1906, doze anos depois de iniciada a farsa, anulou a sentença, declarando que a condenação fora “ditada por erro e sem razão”.
De lado o sofrimento da vítima, o processo Dreyfus constitui-se num empolgante romance de farsa e indignidades, pouco alcançado pela ficção em episódios e mesmo suspense.

Talvez o livro mais completo sobre o “processo Dreyfus” seja a do jornalista Paul Richard, escrito em 1937. Ele fora um jovem jornalista que acompanhou todo o processo. A edição que nos chegou às mãos casualmente, é de 1945, editada pela extinta “Livraria do Globo” de Porto Alegre. 






As mulheres e a jornalista no processo Dreyfus

A tragédia de Alfredo Dreyfus trouxe revelações: a participação das mulheres.
Elas começavam a despontar nas profissões ditas masculinas, se é que naqueles idos havia alguma que não fosse masculina, salvo, para as mulheres os deveres do lar.
Além do incansável e corajoso empenho da esposa de Dreyfus em defesa de seu marido a famosa atriz Sarah Bernhardt apoiando o acusado: “Não sofra mais, caro mártir nosso. Olhe em torno, mais longe, mais longe ainda e verá essa multidão de seres que o amam e defendem contra a covardia, a mentira e o ódio. Entre esses seres está sua amiga”.


Mas, eu quero destacar a jornalista Severine, a frondeuse (rebelde). Ela era jornalista do jornal “Le Fronde” (O Estilingue), fundado por uma mulher, feito por mulheres e para as mulheres que chegou a ter boa tiragem.
Nos estudos sobre o jornalismo no século XIX e início do século XX Severine é lembrada pelo seu acompanhamento do processo Dreyfus: “o grande tema no coração da escrita de Severine é a oposição da testemunha, esta observadora que vê o acontecimento e, nesta proximidade, o contrapõe, com todo o seu corpo, ao jornalismo tradicional que fala à distância.” (*)

É isso que queria lembrar, deixando a mensagem de que o jornalismo no Brasil deu passos interessantes naqueles tempos com a participação feminina.

Fotos:
1. Capa desgastada do livro de Paul Richard, “Os grandes processos da história”;
2. A Jornalista Severine, foto estampada no livro de Paul Richard.

(*) Trecho extraído do estudo de Maria João Silveirinha, “As mulheres e a afirmação histórica da profissão jornalística...”

Um comentário:

Shirley Brunelli disse...

Li o seu texto e vou usar uma frase feita, Milton: Assim caminha a humanidade... Abraços!