07/06/2009

ECOLÓGICOS

Explicações

Sou um otimista por opção pessoal, “para mim tudo está ótimo”, repito, mesmo nos reveses próprios de minha profissão. O baque de hoje será, logo no dia seguinte, a inspiração para (tentar) a reversão do insucesso ou minimizar seus efeitos.
Tem sido assim há anos. Do ponto de vista externo, porém, isto é, o que se passa à minha volta e no mundo, há momentos que meu desânimo beira a depressão, tamanhas as cenas de violência, de abandono e o desrespeito que diariamente se conhece em relação ao meio ambiente.
Pois bem, nessa visão “externa” sou pessimista. Na questão ambiental estamos vivendo uma situação limite à beira do caos.
Há alguns anos, num desses delírios e comoção diante da devastação crescente da Amazônia e da poluição global, escrevi breve texto ao qual denominei “oração anti-insensatez”.
Amigos velhos que o leram, o julgaram pessimista e apelativo demais. E até piegas. Invoquei a intervenção de Deus – mas, onde estará Deus no seu mistério ao assistir esses desvarios? – ao refletir naquela noite clara, encarando o universo que sempre humilha minha “inteligência” menor.
Hoje, passados esses anos, obrigo-me a mais uma vez transmitir minha “oração”, mais do que isso, um “clamor ecológico”, pouco importando se emotiva, pessimista ou piegas. Agora mais do que nunca.

Depois dela, duas poesias também invocando temas da mesma natureza.



Clamor ecológico

Com profunda dor assisto a destruição das matas que, derribadas pelo fogo ou serra, arma maldita, viram pasto ou deserto.
Também a odiosa valoração da árvore pelo quantum em vil metal.
Com profunda amargura vejo animais desrespeitados, apreendidos mortos, covardemente caçados como esporte, extintos.
Para mim, carne não é alimento.
Com terrível preocupação vejo os rios e lagos serem poluídos e mesmo mortos,
sem vida, sem peixes.
Com desencanto constato os oceanos imundos, ameaçados, despejo de todos os detritos e até óleo de navios tanques, dirigidos por facínoras.
Com perplexidade apreendo que a água que se bebe, elemento vital, pode ser a mesma de onde se despejam detritos incompatíveis e sujeita à escassez.
Com sofrimento sinto cada vez mais o ar poluído, nuvens sórdidas que escondem o sol, tremenda insanidade, descaso com as atuais e ameaça às futuras gerações.
Porque, meu Deus
Amo a mata cerrada como reduto de paz, guardiã de tanta vida, de borboletas, de flores, mundo dos macacos, pássaros, serpentes...
Tenho profunda ternura pelos animais, ondas de vida que merecem respeito
e acolhimento.
Tenho saudades das águas límpidas dos rios e lagos onde podia banhar os pés sem medo de contaminação.
A imensidão dos mares é um ponto de reflexão, pela sua harmonia sinfônica e porque neles habitam deuses da criação...como nas matas.
Por tudo isso compreendo o mundo mais
triste
tenso
quente
violento
pobre
sofrido
doente
esfomeado
sedento
Desrespeitada, a Terra reage com terremotos, enchentes, tornados, desertos irrecuperáveis, doenças, destruição. Causa e efeito.
Caio em oração, implorando indignado que nós todos mudemos nossa mente, atitudes, lembrando sempre que, nestas plagas antes paradisíacas, seus recursos não se renovam com a velocidade de sua terrível destruição.
Haveremos um dia que deixá-las, até mesmo abruptamente, na nossa hora, ficando ao “deus dará” todas as nossas riquezas e misérias pessoais.
Por isso, deixemos nossa marca positiva de reconstrução, de incentivo, de preservação dessas riquezas que (ainda) restam como dádivas e que ficarão (ou deveriam) para nossos descendentes.
Comecemos partir de hoje, de agora.
Eu peço, eu imploro. Com esperança de tempos melhores. Amém.


Orquídeas e beija-flores

Eis-me aqui amargurado e pensante
Mal respirando nesse clima insano,
Tudo que exala desse meio paulista urbano
Envolto na fuligem dessas chaminés rasantes.

Que mundo é este de dura resistência!
Que mundo é este de intensa incerteza
Que mesmo à reação da pródiga natureza,
Ampliam-se os desertos por abusada inconsequência?

Que mundo é este de ganância e escuridão,
Que princípios postos pouco ou nada valem?
Se de tudo que inspira sucumbe, porém,
Nessa sanha caótica de destruição?

Reajo impotente qual um conformado perdedor
Sonhando acordado, no tráfego, quietamente,
Vendo desabrochar orquídeas no fundo da mente,
Visitadas por beija-flores em doce torpor.

E assim, no interior de minh’alma triste
Revela-se que tais doces criaturas, parecem,
De Deus, são o preferido passatempo, uma prece,
E somente por essa dúvida a esperança persiste.

Esses instantes de valor e Paz perdem-se na poluição,
Sobressaltado não pela água límpida irradiando o sol,
Mas pela barulhenta abertura do farol,
Cujo verde não é o das matas que clamam proteção.


Templos violados

Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.

Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.

E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.

Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.

Que delírio insano ocorrera, porém?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém".

30/05/2009

LARGO DE SÃO FRANCISCO. A ACADEMIA DE SÃO PAULO



"Beijo eterno"
Foto: Neuza Guerreiro de Carvalho (www.vovoneuza.blogspot.com)


Há um encanto no Largo de São Francisco mesmo que mau cuidado. Por mais exausto que esteja nessa “paulicéia atribulada”, não consigo me livrar da imagem da Faculdade de Direito bem ali à frente, para mim a figura de uma esfinge. Mau estudante, não consegui resolver seu “enigma”, o vestibular e por ela fui “devorado”.
Chego até a igrejinha do Convento de São Francisco, fundado em 1647 ao lado direito da Faculdade e lá, surpreso, descubro que as primeiras aulas foram ministradas em sua pequena sacristia, a partir de março de 1828.
Avanço nos dados históricos: dom Pedro I instituiu os cursos jurídicos no Brasil em 11 de agosto de 1827, com faculdades em Olinda e São Paulo. Tal se deu porque não havia opção de formação de bacharéis no país, apenas em Portugal, na famosa Universidade de Coimbra, fundada por dom Diniz, rei de Portugal, em 1290. Falarei sobre ela numa próxima crônica.
A Faculdade de São Paulo, foi instalada no recinto do Convento de São Francisco, que contava com instalações adaptáveis e biblioteca. Somente em 1933 o prédio do antigo convento foi demolido. Foram encontrados esqueletos humanos misturados à argamassa em suas paredes, o que pode significar que serviram elas de túmulo para os religiosos.
O novo prédio da Faculdade ficou pronto em 1938, mas de modo completo somente 12 anos depois.
Apesar dos esqueletos encontrados nas paredes do prédio demolido do Convento, não há fantasmas na Faculdade. No seu ambiente, porém, de tantas tradições, de tantos vultos que lá estudaram e se formaram, sempre pressinto um sentido solene em seu ambiente.
Derrubaram-se as paredes, mas ficaram as vibrações, o “espírito” do lugar.
Quase defronte à entrada principal da Faculdade, um contraste a esse sentimento captado no seu interior, encontra-se a irreverente escultura do sueco William Zadig, “Idílio” ou “O beijo eterno”, na qual amantes nus, representando um francês e uma índia se enlaçam num ósculo vibrante e sensual. Fora uma homenagem do Centro Acadêmico XI de Agosto a Olavo Bilac que falecera em 1918. Essa escultura foi instalada em locais diferentes de São Paulo, sempre removida porque considerada uma “imoralidade”. Permaneceu, por tal censura absurda, adormecida por muito tempo em depósitos da Prefeitura até que, por injunção dos estudantes da própria Faculdade, foi ela instalada no Largo de São Francisco e lá permanece firme, uma homenagem ao amor e à poesia sensual de Olavo Bilac. O “Beijo eterno” do poeta tem esta estrofe final:

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!


Afasto-me do “Beijo eterno”, a escultura que encontrou a sua “liberdade”, atravesso o Largo e saio pela rua Líbero Badaró nos rumos do Largo de São Bento.
Penso nessa figura polêmica que deu nome à rua: Líbero Badaró.
Teve ele vínculos com a Academia, como professor de Geometria do curso preparatório para ingresso na Faculdade de Direito. Dedicou-se, também, à medicina e ao jornalismo. O italiano Giovanni Batista Badaró um liberal, incluiu no seu nome o apelido “Líbero” – que não tem sentido preciso no português, salvo na linguagem futebolística -, resultando no nome Líbero Badaró. Fundou o jornal "O Observador Constitucional" que propagava as idéias liberais, antimonárquicas e antiabsolutistas. Com esses ideais e campanhas, obteve inimigos poderosos. Foi vítima de um atentado a tiros nas proximidades de sua residência, nunca esclarecido, que se deu em 20 de novembro de 1830, e que resultaria na sua morte horas depois, momento em que teria dito a frase célebre: "Morre um liberal, mas não morre a Liberdade".
Liberdade, liberdade!
A rua de São José onde morava passou a chamar-se Líbero Badaró.
Meio nostálgico por todas essas impressões, confortei-me em lembrar que também estudei num convento que não perdeu ainda sua forma original, a PUC de São Paulo. E como foi difícil obter o diploma naquela escola tão rigorosa, naqueles dias.
Quantas vezes, beirando a madrugada, depois dos exames orais descia apressado a rua Monte Alegre, Perdizes, garoa fria no rosto, encharcado correndo para o último trem na Barra Funda. E nas noites quentes, tranquilas, já com meu Fusca vermelho, uma pausa na Xavier de Toledo, na leiteria, uns petiscos e uma olhada no Mappin que já se foi.
São Paulo da garoa, hoje dos congestionamentos e da poluição, mas repleta de reentrâncias e muitos segredos a serem revelados. Aqueles tempos mais doces que amargos...

22/05/2009

AMARGURAS E TERNURAS CONTIDAS











VÍCIO DOENÇA

Uma sensação de alívio. Aquele dia estava salvo. Tudo ficaria mais tranqüilo. O olhar para os colegas de escola seria mais confiante, haveria mais ânimo para enfrentar algumas aulas monótonas e, no geral, um fim de noite mais tranquilo.
A angustia ao anoitecer, era diária. Chegaria ele sóbrio ou embriagado?
Se embriagado, a angústia se converteria em constrangimento e insegurança.
A saída de casa seria envergonhada, não conseguiria sorrir porque tinha a sensação de que seus olhos, se o fizesse, revelariam seus segredos e sua amargura.
Por essa permanente incerteza, os amigos deveriam ser discretamente mantidos à distância de casa. Para qualquer adolescente, um pai não casualmente embriagado dificilmente não se constitui causa de alguns traumas.
Às vezes, uma exagerada reação agressiva com os amigos, momentos de exacerbada humildade, que se aproximavam da depressão.
Mas, nessa relação angustiada, tempestuosa e mesmo rancorosa, por incrível que pareça, há dezenas de perdões e de promessas. Quem sabe, não será amanhã o início da recuperação, sendo a vergonha em casa mais forte que a tentação da bebida?
Seria o alcoólatra um egoísta sem vontade de reagir? Pois resta-lhe o sabor e, principalmente, o conforto e a alienação da bebida. Para a família, o sabor da amargura e, para os filhos, a vergonha das ruas e a insegurança constante. Mais, a impossibilidade de entender o desarranjo havido naquele ser humano amado, que se apresenta com a personalidade destroçada pelo álcool.

Havia lá pelos lados onde morei um bêbado perdido e abandonado, apelidado de "Risadinha", apelido que se coadunava com seus cantos desconexos e suas gargalhadas por nada, salvo a visão dos seus demônios alcoólicos.
Muitas e muitas vezes tropecei nele, sempre desacordado numa esquina suja, mitório de cães de rua, estirado, desacordado e malcheiroso.
Pendurado na parede, dois metros acima onde permanecia desacordado, era fixado o cartaz do principal cinema da cidade, que mudava duas ou três vezes por semana, anunciando os filmes e os dias de exibição. Quantas vezes os títulos dos filmes coincidiam com a cena do corpo negro jogado no canto imundo: “Qual será o nosso amanhã?”, “Servidão humana”.
Numa manhã de domingo surpreendi-me vivamente com ele. Lá estava "Risadinha" de pé, sóbrio, à minha frente. Retornara à vida. Um quase ex-alcoólatra estava tentando recuperá-lo, tendo mesmo arrumado um emprego para ele. Lembro-me bem: naquele dia, ao ser oferecida uma bebida qualquer, aceitara apenas "água tônica". Era um sujeito simpático e inteligente. Naquela manhã estava perfumado e seus cabelos crespos retidos por alguma loção naqueles tempos da brilhantina.
Depois daquele rápido período de vida abstêmia, fora encontrado morto na mesma esquina. O filme anunciado no cartaz, com uma ponta de ironia, lá pendurado, fora “A fonte dos desejos”. Seus amigos de bares e de porre total, ao serem informados de sua morte, apenas comemoraram com mais uma dose. Porque havia mais que comemorar, o álcool o exigia.
Os tempos mudaram, para melhor. Antes o alcoólatra era considerado um viciado fraco, egoísta e desavergonhado.
Hoje o alcoolismo é classificado como doença psiquiátrica pela Organização Mundial da Saúde mudança que dá tolerância maior ao alcoólatra que pode se submeter a tratamento especializado.

DESPEDIDA

Acompanhei de perto os últimos momentos de vida de meu pai, acometido de insuficiência respiratória, certamente pelas décadas de fumante que foi, a despeito de, havia muito, ter largado o vício com algum sacrifício no começo. Costumava mascar "chicletes" para se livrar da maldição do cigarro toda vez que a abstenção da nicotina reclamava reposição.
Lembro dele fazendo caminhadas pela cidade, cada vez mais curtas à medida que aumentava sua dificuldade em respirar.
Nos últimos momentos de sua vida, estivera eu em São Caetano do Sul, exatamente para resolver algumas pendências deixadas por ele e minha mãe naquela cidade do ABC.
Naqueles últimos dias, ele já estava na UTI, respirando com extrema dificuldade, sendo auxiliado por aparelhos.
Após resolvidas as pendências naquela cidade do ABC, passaria no hospital em São Paulo para visitá-lo.
O trânsito estava pesado, totalmente parado na Av. do Estado. O metrô paulistano estava paralisado em greve, agravando o tumulto.
Imobilizado no meio de todos aqueles carros, ansioso por chegar ao hospital, mentalmente solidarizava-me com as pessoas nervosas de uma cidade tão difícil como São Paulo, com o povão amarrotado dentro dos ônibus superlotados ou mesmo indo a pé, como naquela tarde, pela falta de transporte que lhe fora sonegado. A poluição era sufocante e as árvores mantinham (como mantém) um verde escurecido, sobreviventes.
Quando cheguei ao hospital, o horário de visita já se expirara. A recepcionista da UTI gentilmente compreendera meu atraso. Deram-me um avental branco e um par de sapatilhas também brancas. Devagar, mantendo o equilíbrio no chão liso do hospital, cheguei à enfermaria onde estava meu pai.
Havia outro paciente ao seu lado, prostrado, adormecido.
Meu pai estava muito pálido, muito magro com o aparelho de oxigênio ligado diretamente em suas narinas. Parecia dormir.
Sentiu minha presença: abriu levemente os olhos e fez um leve cumprimento com a cabeça. Fechou de novo os olhos e pareceu adormecer.
Tentei tocar seu peito, mas não cheguei a isso. Ele estava muito magro, com o peito encolhido pela doença.
Deixei o hospital. No elevador, desci com o médico da UTI. Pergunta óbvia para uma resposta insincera e grosseira:
- Doutor, quais são as possibilidade de meu pai?
- Como você acha que vou saber? A qualquer momento ele pode se recuperar...
Perturbado com a resposta assumi insensatamente que meu pai poderia viver mais algum tempo.
Viajei à noite para o Interior de São Paulo.
Ao chegar ao meu destino, ele já havia falecido. Cerca de 15 minutos depois de minha saída.
Um sentimento de revolta contra o médico e um profundo sentimento de dó e ternura por meu pai me invadiu.
Quais diferenças e divergências passadas poderiam macular aquele momento solene da despedida?
Tudo, naqueles momentos finais, se transformara em amor e perdão.
Permanecerão para sempre em minha mente o esforço daquele aceno, a ternura de um olhar sofrido. De uma ansiada e esperada despedida que se prolongou até minha chegada fora de hora ao hospital.
Muitas vezes sonhei com ele depois disso. A separação pela morte parece impenetrável, mas em determinados estados de consciência, o véu se rompe, principalmente quando ela foi calma e sem rancores, como no caso do meu pai.


Minha mãe se tornara uma mulher forte, todos esses anos de lutas e feridas que muito tempo depois cicatrizaram mas que na velhice fizeram com que se tornasse impaciente com a vida que permanecia em seu corpo já cansado e que afetava sua lucidez mental. Nos últimos tempos, tinha dificuldade em externar pensamentos lógicos, dizia sempre que não tinha mais vontade de viver.
Tinha consciência de que a vida passara. Lembro-me dela na sua própria casa, simples, cuidando das cadelas, das bananeiras no fundo do quintal, colhendo alguns cachos de uva na parreira que constituía um caramanchão, do pé de tomate japonês e seus frutos ácidos, de suas plantas em volta, flores e abelhas. Um dia, pela manhã, fora encontrada morta. Sua passagem fora silenciosa e sem rancores. Havia muita serenidade no seu rosto. Para ela, certamente, um prêmio pela vida dura que enfrentara com bravura e com momentos de felicidade que usufruíra.
Não fora carinhosa naquele sentido de meiguice, mas esteve sempre presente, bonita e forte.
Por isso, tal a minha ternura que até hoje lamento não ter feito mais por ela e por meu próprio pai. Há momentos na vida que as coisas podem se inverter nessa relação pais e filhos.
E eu deixei passar oportunidades.

SUPERAÇÕES

Foram muitas as voltas por cima, digamos assim, que dei.
Tanto foi o esforço de superação que na cidade de São Caetano do Sul realmente tive um período, na década de 60, diferenciado, com forte envolvimento e influência na vida estudantil e na pequena imprensa.
Haveria muito que contar desses tempos deslumbrantes de realizações e influências.
Haveria que mudar o mundo.
Mas, há um momento em que a vida chama. Acaba-se o encanto como se dá ao acordar de um sonho bom.
Todo esse idealismo e autoestima foi jogado no lixo ao começar a trabalhar numa multinacional do município, me deparando com um supervisor truculento, problemático, que ignorou desde o primeiro dia meu “currículo externo”.
A despeito dele, houve períodos bons na empresa. Foi nela que comecei a me interessar pelo sindicalismo. O saldo foi positivo, mas a marca de sua ferradura permanecerá indelével no meu peito, como se gravada a ferro quente.

Herdei todos esses influxos familiares e profissionais e, por fim, casamento que já perdura por 40 anos com algum tumulto e filhos, cinco.
Da mesma forma que recebi, transmiti aos meus filhos esse distanciamento, essa tensão, até pelo excesso de trabalho que já perdura por quase 50 anos, algumas viagens ao exterior por períodos relativamente longos. Meio século de trabalho e não enriqueci. Dizem que quem trabalha não tem tempo de enriqucer.

Em comemoração ao “dia dos pais”, em 1982 recebi uma carta de meu filho mais velho que haveria que ser carinhoso na homenagem por ordem da sua professora, claro, mas que deixa transparecer minhas omissões. Sua carta que até hoje guardei:

Meu pai esta carta que estou lhe escrevendo é um tipo de um presente que mando-lhe no dia dos pais
Tenho certeza que você vai gostar dela. As palavras que estou lhe escrevendo saem da minha cabeça e não é copiada da lousa
O dia dos pais para você deve significar muita coisa porque é seu dia. Você promete muitas coisas mas demora para cumpri-las, por exemplo: quando eu queria ir no Parque Antarctica para ver o Palmeiras jogar mas isso demorou bastante, até que levasse. Você é esquisito, só gosta de estudar, não gosta de jogar nada, não gosta de montar barcos, aviões em miniatura, como os demais, só de estudar e também é vegetariano não come carne isso é muito engraçado. Não sei como resiste a uma feijoada, a um frango assado e outras coisas. Eu o admiro muito.”


Minha filha reclama desse meu distanciamento ao longo do tempo, ausência de carinho, mas não há mais jeito de recuperar isso. Apenas paguei as contas, diz ela. Aliás, herdei esse carinho contido de minha mãe. Tenho tentado alguma compensação com meus netos que já são cinco, incluindo de minha filha duas meninas gêmeas idênticas, mestiças nepônicas (japinhas).
A única coisa que posso dizer disso tudo é que, se me colocar ao lado dos meus filhos, talvez seja eu o pior deles.

(Acima, enfeitando esta crônica a foto das gêmeas idênticas, Sofie e Yarin. Ainda não sei dizer qual delas é ela e ela).

16/05/2009

SUSTOS

A guisa de explicação

Falei na crônica anterior sobre os efeitos da ligação com o ocultismo leve. Volto nesse tema. Não estou sendo repetitivo porque para cada relato exsurge um elemento peculiar. Ao absorver alguns conceitos básicos, vez por outra algum acontecimento fora do comum que ocorra, tende-se a interpretar segundo essa cultura. Demais, não será preciso lembrar a atração que produz a força mental sobre certos eventos e realizações.
Escrevi, digamos, um livro no qual misturo ficção com muitas dessas experiências pessoais. Tudo começa com um crime, havendo redenção da heroína no final. Não consigo deixar as coisas mal aparadas: "o crime é um dar de ombros" como se contata nestes tempos amargos. Quem relata essa história, aliás, é um advogado. Difícil é publicá-lo, mas sempre há esperança e os “desígnios da natureza” são invocados.
Depois, de tantos clássicos e campeões de venda que tenho lido, há páginas e páginas maçantes neles que chegam até a deslustrar a beleza da história. Claro que não quero justificar a minha mediocridade medindo a dos outros, máxime de autores consagrados.

Os sustos abaixo são pinçados desse livro. Deixo claro que, pelo menos por ora, omito outros eventos pelo receio de que mais alguma alucinação divulgada me conduza ao qualificativo inevitável de “alucinado” contumaz. Ironias e blagues à parte adapto o relato no qual há elementos verdadeiros e um pouquinho de ficção:

“Enveredar pelo ocultismo, esoterismo ou qualquer ramificação nessa linha, já se disse e digo eu, tende a influenciar o adepto para sempre. Retém ele certos conceitos, impressões e, talvez, até mesmo ilusões. Para mim fora no passado uma espécie de auto-ajuda, além de me fazer acreditar que a cada evento, a cada fenômeno a análise se dará pela lei da “causa e efeito”, que explica que aquelas eclosões foram decorrências dum ato qualquer, positivo ou negativo, perdido no tempo que vem prestar contas na hora aprazada, de crédito ou débito.
Esse indivíduo pode exagerar e se tornar mais sugestionável e às vezes tem experiências que considera aterradoras, atribuindo-as aos influxos desses conhecimentos que abriram frestas do desconhecido, do oculto, em sua alma.

Não teria coragem de relatar esta experiência que se dera mirando-me num espelho a meia luz, num entardecer beirando a noite, olhos fixados nos meus próprios olhos refletidos, e ver o surgimento momentâneo de imagem que não parecia mais ser a minha, um outro rosto em lugar do meu, disforme, envelhecido ou mal formado. Aquela experiência fora a um só tempo inquietante e reveladora porque pudera de início fixar-me nos seus próprios olhos com profundidade e encontrar timbres de uma individualidade superior (da alma?) até que a imagem distorcida tirou-me a coragem para continuar.
Coragem não teria sequer de contar essa história se não lesse em Guimarães Rosa, no seu “Primeiras Histórias”, no conto “Espelhos” uma revelação semelhante dita na sua linguagem rebuscada:
“Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei...Explico-lhe: dois espelhos – um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício – faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento espavor. E era – logo descobri...era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?”

Há susto outro que me encorajo a relatar. Lia um livro, certa madrugada, de alto ocultismo, certamente que “Zanoni”, de Eduardo Bulwer Lytton. Naquelas páginas, se bem me lembro, num momento culminante, era relatada uma terrível experiência que um iniciado nos mistérios estava tendo, ao decidir retornar do ponto de onde chegara. Tinha o personagem visões fantasmagóricas na escuridão indevassável no caminho da renúncia. O livro escrito com tal beleza levava-me a sentir o drama do iniciado renunciante.
A escuridão, as sombras e os fantasmas, o terror enfrentado pelo iniciado que desistia e, naquele instante culminante de pavor, a luz da sala se apagou com pequena explosão: POF. Dei um salto na poltrona, busquei ardentemente o interruptor, acionei-o insistentemente sem resultado, a escuridão era impenetrável tal qual descrito no livro. Tropeçando pelos móveis da sala cuja localização tão bem conhecia, cego de terror, cheguei à cozinha clareada pelo luar que penetrara pela cortina entreaberta e aí acendi a luz. Coração batendo forte. Pus a mão no peito tentando me acalmar. Mesmo reconhecendo o simbolismo da cena tão bem descrita no livro, por muito tempo fora influenciado por aquela experiência estranha, a coincidência da luz que se apagara num pequeno estouro quando as trevas dominavam aquele trecho da narrativa que aguçava, naquele momento, minha capacidade em distinguir vultos me observando.
Fora um grande susto. Por algum tempo fugi mais cedo da noite e da madrugada a partir do momento em que ficasse só.

Meus fantasmas...que se foram...sei não!