30/05/2009

LARGO DE SÃO FRANCISCO. A ACADEMIA DE SÃO PAULO



"Beijo eterno"
Foto: Neuza Guerreiro de Carvalho (www.vovoneuza.blogspot.com)


Há um encanto no Largo de São Francisco mesmo que mau cuidado. Por mais exausto que esteja nessa “paulicéia atribulada”, não consigo me livrar da imagem da Faculdade de Direito bem ali à frente, para mim a figura de uma esfinge. Mau estudante, não consegui resolver seu “enigma”, o vestibular e por ela fui “devorado”.
Chego até a igrejinha do Convento de São Francisco, fundado em 1647 ao lado direito da Faculdade e lá, surpreso, descubro que as primeiras aulas foram ministradas em sua pequena sacristia, a partir de março de 1828.
Avanço nos dados históricos: dom Pedro I instituiu os cursos jurídicos no Brasil em 11 de agosto de 1827, com faculdades em Olinda e São Paulo. Tal se deu porque não havia opção de formação de bacharéis no país, apenas em Portugal, na famosa Universidade de Coimbra, fundada por dom Diniz, rei de Portugal, em 1290. Falarei sobre ela numa próxima crônica.
A Faculdade de São Paulo, foi instalada no recinto do Convento de São Francisco, que contava com instalações adaptáveis e biblioteca. Somente em 1933 o prédio do antigo convento foi demolido. Foram encontrados esqueletos humanos misturados à argamassa em suas paredes, o que pode significar que serviram elas de túmulo para os religiosos.
O novo prédio da Faculdade ficou pronto em 1938, mas de modo completo somente 12 anos depois.
Apesar dos esqueletos encontrados nas paredes do prédio demolido do Convento, não há fantasmas na Faculdade. No seu ambiente, porém, de tantas tradições, de tantos vultos que lá estudaram e se formaram, sempre pressinto um sentido solene em seu ambiente.
Derrubaram-se as paredes, mas ficaram as vibrações, o “espírito” do lugar.
Quase defronte à entrada principal da Faculdade, um contraste a esse sentimento captado no seu interior, encontra-se a irreverente escultura do sueco William Zadig, “Idílio” ou “O beijo eterno”, na qual amantes nus, representando um francês e uma índia se enlaçam num ósculo vibrante e sensual. Fora uma homenagem do Centro Acadêmico XI de Agosto a Olavo Bilac que falecera em 1918. Essa escultura foi instalada em locais diferentes de São Paulo, sempre removida porque considerada uma “imoralidade”. Permaneceu, por tal censura absurda, adormecida por muito tempo em depósitos da Prefeitura até que, por injunção dos estudantes da própria Faculdade, foi ela instalada no Largo de São Francisco e lá permanece firme, uma homenagem ao amor e à poesia sensual de Olavo Bilac. O “Beijo eterno” do poeta tem esta estrofe final:

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!


Afasto-me do “Beijo eterno”, a escultura que encontrou a sua “liberdade”, atravesso o Largo e saio pela rua Líbero Badaró nos rumos do Largo de São Bento.
Penso nessa figura polêmica que deu nome à rua: Líbero Badaró.
Teve ele vínculos com a Academia, como professor de Geometria do curso preparatório para ingresso na Faculdade de Direito. Dedicou-se, também, à medicina e ao jornalismo. O italiano Giovanni Batista Badaró um liberal, incluiu no seu nome o apelido “Líbero” – que não tem sentido preciso no português, salvo na linguagem futebolística -, resultando no nome Líbero Badaró. Fundou o jornal "O Observador Constitucional" que propagava as idéias liberais, antimonárquicas e antiabsolutistas. Com esses ideais e campanhas, obteve inimigos poderosos. Foi vítima de um atentado a tiros nas proximidades de sua residência, nunca esclarecido, que se deu em 20 de novembro de 1830, e que resultaria na sua morte horas depois, momento em que teria dito a frase célebre: "Morre um liberal, mas não morre a Liberdade".
Liberdade, liberdade!
A rua de São José onde morava passou a chamar-se Líbero Badaró.
Meio nostálgico por todas essas impressões, confortei-me em lembrar que também estudei num convento que não perdeu ainda sua forma original, a PUC de São Paulo. E como foi difícil obter o diploma naquela escola tão rigorosa, naqueles dias.
Quantas vezes, beirando a madrugada, depois dos exames orais descia apressado a rua Monte Alegre, Perdizes, garoa fria no rosto, encharcado correndo para o último trem na Barra Funda. E nas noites quentes, tranquilas, já com meu Fusca vermelho, uma pausa na Xavier de Toledo, na leiteria, uns petiscos e uma olhada no Mappin que já se foi.
São Paulo da garoa, hoje dos congestionamentos e da poluição, mas repleta de reentrâncias e muitos segredos a serem revelados. Aqueles tempos mais doces que amargos...

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