16/05/2009

SUSTOS

A guisa de explicação

Falei na crônica anterior sobre os efeitos da ligação com o ocultismo leve. Volto nesse tema. Não estou sendo repetitivo porque para cada relato exsurge um elemento peculiar. Ao absorver alguns conceitos básicos, vez por outra algum acontecimento fora do comum que ocorra, tende-se a interpretar segundo essa cultura. Demais, não será preciso lembrar a atração que produz a força mental sobre certos eventos e realizações.
Escrevi, digamos, um livro no qual misturo ficção com muitas dessas experiências pessoais. Tudo começa com um crime, havendo redenção da heroína no final. Não consigo deixar as coisas mal aparadas: "o crime é um dar de ombros" como se contata nestes tempos amargos. Quem relata essa história, aliás, é um advogado. Difícil é publicá-lo, mas sempre há esperança e os “desígnios da natureza” são invocados.
Depois, de tantos clássicos e campeões de venda que tenho lido, há páginas e páginas maçantes neles que chegam até a deslustrar a beleza da história. Claro que não quero justificar a minha mediocridade medindo a dos outros, máxime de autores consagrados.

Os sustos abaixo são pinçados desse livro. Deixo claro que, pelo menos por ora, omito outros eventos pelo receio de que mais alguma alucinação divulgada me conduza ao qualificativo inevitável de “alucinado” contumaz. Ironias e blagues à parte adapto o relato no qual há elementos verdadeiros e um pouquinho de ficção:

“Enveredar pelo ocultismo, esoterismo ou qualquer ramificação nessa linha, já se disse e digo eu, tende a influenciar o adepto para sempre. Retém ele certos conceitos, impressões e, talvez, até mesmo ilusões. Para mim fora no passado uma espécie de auto-ajuda, além de me fazer acreditar que a cada evento, a cada fenômeno a análise se dará pela lei da “causa e efeito”, que explica que aquelas eclosões foram decorrências dum ato qualquer, positivo ou negativo, perdido no tempo que vem prestar contas na hora aprazada, de crédito ou débito.
Esse indivíduo pode exagerar e se tornar mais sugestionável e às vezes tem experiências que considera aterradoras, atribuindo-as aos influxos desses conhecimentos que abriram frestas do desconhecido, do oculto, em sua alma.

Não teria coragem de relatar esta experiência que se dera mirando-me num espelho a meia luz, num entardecer beirando a noite, olhos fixados nos meus próprios olhos refletidos, e ver o surgimento momentâneo de imagem que não parecia mais ser a minha, um outro rosto em lugar do meu, disforme, envelhecido ou mal formado. Aquela experiência fora a um só tempo inquietante e reveladora porque pudera de início fixar-me nos seus próprios olhos com profundidade e encontrar timbres de uma individualidade superior (da alma?) até que a imagem distorcida tirou-me a coragem para continuar.
Coragem não teria sequer de contar essa história se não lesse em Guimarães Rosa, no seu “Primeiras Histórias”, no conto “Espelhos” uma revelação semelhante dita na sua linguagem rebuscada:
“Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei...Explico-lhe: dois espelhos – um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício – faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento espavor. E era – logo descobri...era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?”

Há susto outro que me encorajo a relatar. Lia um livro, certa madrugada, de alto ocultismo, certamente que “Zanoni”, de Eduardo Bulwer Lytton. Naquelas páginas, se bem me lembro, num momento culminante, era relatada uma terrível experiência que um iniciado nos mistérios estava tendo, ao decidir retornar do ponto de onde chegara. Tinha o personagem visões fantasmagóricas na escuridão indevassável no caminho da renúncia. O livro escrito com tal beleza levava-me a sentir o drama do iniciado renunciante.
A escuridão, as sombras e os fantasmas, o terror enfrentado pelo iniciado que desistia e, naquele instante culminante de pavor, a luz da sala se apagou com pequena explosão: POF. Dei um salto na poltrona, busquei ardentemente o interruptor, acionei-o insistentemente sem resultado, a escuridão era impenetrável tal qual descrito no livro. Tropeçando pelos móveis da sala cuja localização tão bem conhecia, cego de terror, cheguei à cozinha clareada pelo luar que penetrara pela cortina entreaberta e aí acendi a luz. Coração batendo forte. Pus a mão no peito tentando me acalmar. Mesmo reconhecendo o simbolismo da cena tão bem descrita no livro, por muito tempo fora influenciado por aquela experiência estranha, a coincidência da luz que se apagara num pequeno estouro quando as trevas dominavam aquele trecho da narrativa que aguçava, naquele momento, minha capacidade em distinguir vultos me observando.
Fora um grande susto. Por algum tempo fugi mais cedo da noite e da madrugada a partir do momento em que ficasse só.

Meus fantasmas...que se foram...sei não!

Um comentário:

Caio Martins disse...

Mestre Escriba,

afirmei, certa feita, que tudo que parece não é, e o que é não parece! A elegância, principalmente do último relato, nos obriga a pensar em acontecimentos e semelhanças nas quais, inexplicavelmente, como que diáfana mão nos toca o rosto... Mera teia de aranha, no escuro? Há que ter sempre uma lanterna ao jeito, nem que seja singelo Padre Nosso.
Parabéns pelo relato.