05/04/2023

AONDE VAMOS? O QUE ESPERAR?

 Mas só sei ler livro impresso!






Este breve texto tem algo a ver com esse quadrinho do Recruta Zero.

O personagem que segura o livro, é Platão, o "intelectual" do quartel, que parece resistir à modernidade — ler um livro no "tablet" —, dizendo que o livro impresso "é um experiência mais completa", é um romance, um volume  "perfumado".

Não, o perfume do livro, isto é, o cheiro da tinta e do papel só se sente nos volumes novos e essa "virtude" — a do perfume — se revela tenuemente. Mas, se revela. Em dois livros novos aqui comigo: "Stalin" e "Leonardo da Vinci" esse leve perfume de tinta e papel, agradável, não foi preconceituoso nem com o primeiro, a biografia de um ditador perverso.

O quadrinho questiona a modernidade, ainda do tablet.

Quanto a mim, nem pensar em ler livros no computador ou afim. Os poucos que li nesses recursos, tiraram a minha liberdade de anotar, de refletir nas próprias linhas do livro.

Não creio que me adapte a esses recursos, a esse modo de ler livros.

O livro para mim tem que estar à mão e não numa tela.

Depois de tudo a que me vi obrigado a aprender e me adaptar, aos sistemas digitais e tudo o mais há recursos que rejeito.

Por exemplo, eu tenho celular e costumo dizer que eu o uso, assim, mas ele "não me usa".

Eu fico perplexo com a ostentação desse aparelho mesmo com pessoas em caminhada dominical, meio curvados olhando para a telinha.

Vou confessar uma coisa: eu ando angustiado com a velocidade como as experiências se efetivam: como estaremos com o advento da Inteligência Artificial daqui a pouco? Esses sistemas integrados que respondem a tudo? E essas experiências são só o começo. Acredito que logo seremos questionados por eles, por esses sistemas todos, aí incluída a AI.

Estou preocupado e mesmo angustiado. Enquanto estiver por aqui, de quais prazeres terei que abrir mão com toda essa tecnologia que avança de modo cada vez mais rápido? Que nos desafia? A própria vida será alterada?

Amenizo minhas angústias com o livro que acabo de abrir, sem perfume porque é bem possível que ele tenha frequentado algum sebo.

Mas, para mim o livro impresso não precisa de perfume. 

Não exagero, o perfume está nas expectativas que o livro vai desvendando, página por página.







Obs.: esse quadrinho foi publicado na edição de "O Estado de São Paulo" de 03.04.2023.


15/03/2023

MAS, NÃO ESTÁ BOM ASSIM?

 (Tem momentos em que Deus responde)

Neste meu estágio de vida, com alguma frequência, noite adentro, tento encontrar alguma inspiração aos segredos do Universo que são tantos, insondáveis e nessa linha, quantas vezes me pergunto, aquelas perguntas até desprezadas, porque respostas não vêm, “o que faço por aqui?”, “qual o sentido disso tudo?”

Porque são muitos os segredos mantidos em ...segredo além da compreensão.

Qualquer que seja o gênio humano que pensa ter desvendado um desses segredos num momento dado, se depara com um outro muro a ser escalado e outro e outro formando uma barreira interminável de obstáculos aprofundando os desafios e submetendo a inteligência.

Seria esta uma razão para os mistérios do Universo? E não sou muito de leitura evangélica, mas leio ("Aos Corintios", 2-14):

"Ora o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem  loucura, e não  pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente". 

 Qual filósofo ou espiritualistas devotos de qualquer fé, desvendaram esses mistérios?

Por outra, não sou eu quem poderia interpretar sonhos mas eles estão presentes na vida. Com qual mecanismo psíquico eles se manifestam? Nesse meu mundo de ignorância total, quantos deles me são tão agradáveis? Pois convivo neles não sei em que plano com pessoas atenciosas, gentis que parecem ouvir o que falo mas não respondem.

E também sonhos um pouco mais reveladores, como este:

Viajo na noite de breu. Não sei bem como cheguei até ali e onde estou. Noite de breu. Acho que estou onde tenho minhas raízes. Nada enxergo, mas pergunto para alguém que não vejo. Aqui é a rua ...? A resposta não veio sonora, mas fui informado por algum modo que era. Mas, a rua era muito acidentada não poderia ser. Nem nos meus tempos de menino que guiava barquinhos de papel pelas guias quando era ainda de terra.

Os barrancos são altos, dava para perceber naquelas trevas. Paro na frente de uma velha casa mal conservada:

- Aqui mora minha tia M.?

Não obtive resposta, mas entrei. Algumas crianças crescidinhas sentaram perto de mim e alguns moços que também lá estavam  me olhavam com condescendência.

Um deles de óculos:

- Nós fizemos alguns negócios, você se lembra?

Não, não me lembrava.

Minha tia aparece vestida com um vestido longo, simples, levemente rosado.

Se aproxima, me beija o rosto e desaparece.

Acordei.

Há muitos anos que minha tia falecera.

Essas sensações além de me deixarem perplexo, me reconfortam.

Tento pensar na casa velha. Não importa, nela moravam seres cordiais e amáveis.

A simplicidade, para que mais?

Há sonhos que me aterrorizam - não falarei deles pelo menos agora. Por isso, ao me recolher, não poucas vezes peço às Divindades que me façam, nas minhas “viagens” etéreas, estar perto de espíritos com um grau superior ao meu.

Não faz muito conversava num ambiente público com um amigo, um sujeito bom, mas que tem por hábito usar muito o baixo calão por qualquer razão. Eu já havia chamado sua atenção sobre isso. Às vezes me parece que o baixo calão é um vício meio parecido com o cigarro: vicia. Ambos fazem “cortes” nas inspirações creio, na sutil revelação que numa intuição qualquer nos é dada.

Então, dele não se poderia esperar, pensava, algum pensamento revelador que se aproveitasse, que saísse daquele círculo mundano. Mas, num momento de divagação sobre tudo o que nos rodeia ele, apontando para o sol lá fora afirma:

—  Bom, alguém fez tudo isso.

E na linha desse meu amigo que reafirmo os segredos imensos da vida de cada um, eu fico perplexo em constatar que neste planeta, convivem bem ou mal seres humanos com alto grau de entendimento ao lado de outros que agem como feras. Vizinhos, um perverso e um caridoso.

E é desses, mas não só, que se assistem barbaridades inenarráveis e a vida segue aos que, mesmo magoados profundamente, têm que sobreviver já no dia seguinte.

E as grandes tragédias que vitimam centenas e até milhares de vidas num só golpe?

E essas tragédias, seria a aplicação da “lei da causa e efeito” aceita pelos espiritualistas, agora mais popularizada como “lei do retorno”? Essa “lei” tem efeito individual e coletivo?

Sim, a vida é frágil, mas preciosa para cada um de nós mesmo que não compreendida.

Bento XVI, em 2006, alemão, ao rezar no antigo campo de concentração nazista de Auschwitz na Polônia, aos horrores e mortes impostos a milhares de judeus, àquelas vibrações tenebrosas do local, perguntou:

- Onde estava Deus?

Essa é uma pergunta que cala na mente de todos nós ao assistirmos tragédias que emocionam.

Mas, foi Bento XVI, em suas últimas palavras antes do falecimento, quem disse:

- Deus, eu te amo.

Qual fora a motivação do papa emérito a tal confissão? Naquele momento da morte tivera a ampará-lo uma mão divina, uma visão iluminada?

Nunca se saberá porque a experiência fora pessoal e intransmissível.

Nessas noites de Lua cheia ou sem Lua, estrelas incontáveis, perto de minhas plantas – uma árvore é o repouso de passarinhos – que tomo a liberdade de perguntar a Deus:

- Por que tantos segredos? Mistérios? O que fazemos aqui nessa imensidão, num lugar proporcionalmente tão pequeno considerando o Universo ilimitado?

Até que me detive na Epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos. Versículo 12: 2, 3:

2. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.

3. Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um.

Então, Paulo recomenda nos conformar com este mundo e, então, “não pense de si mesmo além do que convém”. Porque há nesses segredos indevassáveis, vou completando, “a medida da fé que Deus repartiu a cada um”.

Tenho um amigo com um nível melhor de compreensão, iraniano que vive há décadas no Brasil, seguidor da Fé Bahá’i, ocasionalmente eu o provoco sobre essas indagações que ele aceita bem, Deus, o Universo, os mistérios, essas angústias todas até que um dia desses ele me remeteu esta frase de Bahá'u'lláh, fundador de sua religião (*):

"E tu te consideras um ser insignificante, quando universo em ti se encerra?"

Mas, o que realmente pondero é a minha ignorância total “quando o universo em mim se encerra”. E, rigorosamente, com todos esses desafios, afinal, me pergunto: “sou insignificante”?

Bom, há momentos em que a vida enleva aqueles momentos que propiciam significâncias. E, penso muito nisso, ao final dos meus dias, levarei minhas experiências que só podem ser relatadas, jamais vividas por quem as tenha ouvido porque a emoção do momento não se transfere.

E, com o esquecimento ao qual estou reservado um dia, irei para algum estágio sem esses conhecimentos superiores não revelados, esses mistérios e segredos que não fazem parte das minhas possibilidades.

E todos com maior ou menor grau de reflexão não convivem com essas incompreensões no dia a dia? Difícil não pensar em si mesmo daquilo que não convém, contrariando Paulo.




A Lua como um olho que tudo vê. 





Noite dessas novamente refletindo sobre esses segredos universais sem respostas, sobre a vida frágil, a Lua lá no alto com seu reflexo prateado, recebi uma pergunta mental provinda não sei bem de onde, mas que me causou vigorosa impressão interior e significado se me propuser a respondê-la apenas por mim. Esta:

- Mas, não está bom assim?

● ● ●

NADA SEI DE ESSENCIAL

Ah, meus caros, aqueles tempos

De (ir) responsabilidade e

Imortalidade...

Isso era o que eu sentia

A felicidade era em si mesma

Não percebida mas vivida,

Mas, o existir não é sempre assim

Os chamados da vida que um dia clamam,

Os dissabores até severos e os amores

Laços de família

Tudo vai vencendo, indo

Eis me aqui, agora, certo de minha mortalidade

Nestes tempos que… assustam.

Nada tem respeito, nem as florestas

Os animais que defendo,

Habito em mim mesmo

Miro-me no espelho fixo-me nos olhos,

O que há atrás deles, onde habito?

Então, sabendo da mortalidade

Tantos do meu tempo se foram, já.

Meu irmão, generoso!

Sou instruído que da vida o essencial ninguém sabe

Não explico sequer o sabor duma manga

Do espocar duma rosa,

Bato nas janelas opacas da minha habitação

Não há resposta

Apenas um tênue sentido de religiosidade

Na interioridade, nos sonhos...

Os sonhos o que são? 

Que interações há nos sonhos com vivos e... mortos

Bem, não me é dado ir além do que sou

Um simples mortal com os dias contados...

E depois?

Nada sei do essencial...

Referência no texto em prosa

(*) “A Fé Bahá’í é uma religião monoteísta fundada por Bahá’u’lláh, na antiga Pérsia, durante o século XIX, que enfatiza a unidade espiritual da humanidade. Não possui dogmas, clero, nem sacerdócio, mas estima-se que existam cinco a seis milhões de Baha’is espalhados por mais de 200 países. Os ensinamentos Bahá’ís atribuem grande importância ao conceito de unidade das religiões: a história religiosa da humanidade é vista como um processo de desenvolvimento gradual.” Mais informações, acessar: https://www.youtube.com/watch?v=nELmf0ZQSwM

22/01/2023

UM TIPO NOTÁVEL (II)

TOCANDO A VIDA PRA FRENTE...

Numa das últimas vezes em que frequentara a pizzaria do S… – fenômeno -, no Ipiranga com a família, notei que no balcão de bebidas ou coisa assim, um sujeito de aparência cansada, cabelos grisalhos, barba alta também grisalha, me olhava meio de lado, de modo discreto.

Minutos depois, dirigi-me em sua direção, para pedir alguma coisa, não sei se água, se refrigerante. O sujeito me encarou por alguns segundos, olhar ansioso e perguntou:

- Você não é o advogado, que trabalhou na … (empresa)?

Eu naqueles tempos não era advogado, ainda. Era um "sofredor" na PUCSP.  Meio surpreso porque não o reconhecera, encarei-o, tentando me lembrar de onde teria havido algum contato com ele, que se apresentou:

- Eu sou F., que trabalhava na área de projetos. Lembro-me bem de você, pelas palestras que você ministrava no curso de formação de supervisores...

Esse ex-colega tivera atuação profissional destacada na multinacional a partir de suas sugestões, amealhando prêmios pelas alternativas e ideias que formulara em inúmeras oportunidades, reduzindo custos de operações e melhorando o próprio produto final. Trabalhara por mais de 30 anos para a empresa e para nenhuma outra.

Fidelíssimo.

Sua saída fora suave, conforme relatou.

Recebera homenagens por tudo o que fizera.

Relatou-me que o primeiro mês do desemprego, para quem se envolvera tanto com a empresa, parecera um período de férias meio longo.

Mas, os dias foram passando e, num certo momento, deu-se conta de que as férias seriam permanentes.

Alguns meses depois, angustiado, entrara num estágio de depressão braba, tendo que ter assistência médica por meses. Chegara a se esconder num quarto escuro por horas, rejeitava ver ou falar com alguém, quem fosse.

Relatara ele tal experiência, com muita emoção, ainda, concluindo:

- Tudo isso porque para mim a ... (empresa) fora uma extensão de minha vida e porque muitas das minhas ideias foram aplicadas diretamente nos produtos. Pela perda disso tudo sofri muito, nada tendo a reclamar dela. Para superar esse vazio, associei-me à pizzaria e estou “levando a vida pra frente”, conforme explicou.

Nessa empresa, eu me deparara com situação semelhante a essa.

Fora demitido havia um tempo, um executivo que chegara a diretor na empresa.

Falecera.

Fui designado para levar ou buscar alguns documentos falar com algum familiar se a empresa poderia ajudar nalguma coisa mais.

Falei com a viúva sobre isso. E ela me respondeu:

- Nada mais a fazer. Ele faleceu porque deixou a empresa...

                                                  ●●●

Deparei-me muito com situações dessas, ex-empregados que desempenharam funções gerenciais que se vincularam tanto à empresa que não tinham outro assunto para conversa que não os “bons tempos” nela. Reúnem-se para relaxar mas o relaxamento se concentra nesses tempos do emprego, do feito e do não feito. Do ruim e do bom. A empresa passa a fazer parte da vida, porque lá estavam os desafios, os elogios, as promoções, as férias…




Quanto a mim, depois das multinacionais automobilísticas “da vida” para as quais trabalhei, não adquiri esse “hábito” da "veneração" porque sempre houve a angústia e porque algo me provocava na minha interioridade me informava que poderia haver algo melhor. Mas, seria injusto se não reconhecesse tempos especiais numa delas (Chrysler - Santo André). (*)

Da última saí, sim, de modo meio melancólico, senti os efeitos da demissão – a mesma “dor”, a amargura de tantos com quem convivi e tiveram essa experiência depois de muitos anos de trabalho dedicado à empresa – mas não demorei muito em levar a vida pra frente.


Referência

Acessar: Chrysler - Greve de 1978


Foto de Milton Pimentel Martins: Noite enluarada a transição entre a noite e o dia lembrando que sempre há um alvorecer. 


UM TIPO NOTÁVEL (I)

 O RANCOR E A GRATIDÃO


Acho que já disse que estendi ao máximo minha “vida  estudantil”, o quanto deu até que um dia – eu já trabalhava nesse tempo – tive que buscar uma atividades mais segura na vida profissional. Afinal de contas, a despeito do interesse dos meus pais, quem haveria que bancar o curso superior seria eu mesmo.

Não demoraria muito, fui trabalhar na principal multinacional da cidade (automobilística).

Um choque tremendo porque eu não havia perdido os encantos de poucos anos antes da vida estudantil, da pequena imprensa... (*)

O supervisor tinha lá seus “grilos" a resolver, porque mal resolvidos - esses caras que um dia pensaram em ser padres -, tinha atitudes intempestivas, era ríspido.

Deixou a marca da ferradura.

Ah, sim, tenho até hoje uma marca dela no peito já cicatrizada.

Não posso dizer que tudo foram desenganos, rancores e vontade de fugir dali.

Foi nesse clima, porém, que por decisão dele, viajei de avião pela primeira vez, foi lá que conheci Brasília em “missão” profissional, foi lá que aprendi a dirigir para valer, foi lá que me desinibi ministrando palestras para supervisores em formação. Foi ela que comecei a entender a Justiça do Trabalho sendo o preposto da empresa ainda acadêmico. Houve também momentos de empolgação, o interesse que adquirira pelo sindicalismo, que me levaram a estudos e acompanhamento muito de perto do movimento sindical e grevista do final da década de 70 e até meados de 80 no ABC...

Mas, havia o outro lado da moeda: foi lá que ia encher o tanque do carro do chefe com alguma regularidade, ia obter assinaturas de documentos lá pelos fundos da fábrica em busca dos superintendentes que deveriam assiná-los.

Ora, direis, lições de humildade...

Não somente eu tinha essas “lições de humildade”. Colegas mais categorizados eram designados para tarefas incompatíveis com sua formação e função.

Mais não digo porque não é necessário dizer.

Algo que me marcou muito: com a perua Veraneio da empresa rumei muitas vezes pela periferia mais periférica de São Paulo (chegava nesses locais afastados por rumo com base no Guia de São Paulo que não mais existe) tentando achar empregados de linhas de produção desaparecidos. Muitos “desaparecidos” flagrei em pequenos botecos em bairros remotos jogando bilhar com garrafas de cervejas já consumidas.

Não somente isso: algumas vezes me obriguei a compulsar o livro dos horrores no Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo aquelas fotos “no estado em que foram encontradas as vítimas”, para tentar identificar um empregado desaparecido que não deixara vestígios. O ar por ali era ruim, o odor da morte “in natura”.

Eu me convertera num operário de relações trabalhistas “faz tudo” (“labor relation does it all”). Com o tempo e por conta do salário, dos laços familiares, filhos nascidos, fui me adaptando e, de certo modo, me anulando, aquele sentido de perda por tudo que julgava havia feito, aqueles valores pessoais coisas que julgava importante ter realizado.

Às vezes, nas minhas angústias acusava a empresa de ser um cemitério de talentos.

Quando deixei a empresa, não fui muito educado com o supervisor quando me despedi. Disse-lhe coisas que pensava ter que dizer, tal a minha amargura, então. Posso dizer que depois me arrependi ao extravasar meu rancor por causa da ferradura indelével que mantinha moralmente no peito.

Muitos anos depois, já trabalhando em outra multinacional, vez por outra eu o encontrava em reuniões no sindicato patronal. Era, então, ele, gerente da mesma empresa e competente negociador empresarial.

Um dia, numa reunião burocrática dessas, ele começou a falar de uma doença que o vitimava e se pôs a chorar copiosamente. O coordenador da reunião cuidou de acalmá-lo.

Eu não tripudiei seu choro sincero. Não. Ele demonstrava para quem quisesse ouvir sua fraqueza humana. E eu lá estava ouvindo.

Tudo tem seu tempo e mesmo o tempo de vida.









Eu tenho quase apagada a marca da ferradura moral mas “do alto, aqui no meu canto”, olhando as flores lá fora, confesso sem vacilar que tenho o dever da gratidão. Com ele aprendi muito até a não ser como…


Referência

(*) Acessar: Memória - Anos 60 - SCSul

05/10/2022

DIA DE SÃO FRANCISCO

 04.10.2022

DIA DE SÃO FRANCISCO: o Brasil não tem projeto ambiental. Só dos grileiros. Sabem o que têm sob as árvores ceifadas e incendiadas? Milhares de animais sendo mortos. E aí, muitos são os que fazem pose com animais de estimação e fecham os olhos para o que se passa na Amazônia, no Cerrado e no que resta da Mata Atlântica. E não se esqueçam: nos pastos fertilizados em áreas devastadas das florestas, alimentam animais que serão trucidados nos matadouros para consumo humano. Feliz dia de São Francisco.

Acessar livros: SÃO FRANCISCO DE ASSIS


01/08/2022

VOCÊ ACREDITA EM DESTINO? (*)


Fixado no horizonte do “interiorzão” que não chove, ar seco, sou acordado com um leve tapa nas costas.

- O destino provocou este reencontro depois de tantos anos.

Nem sabia o nome do meu “destinado” não o reconheci.

Ele se reapresenta. Sou o F. do Colégio…

Com muito esforço me veio uma imagem jovem, um estudante já acadêmico, então, agora mal vestido, barba por fazer. [Mal vestido? O “meu” pessoal diz que do jeito que ando, se estender a mão na rua posso até receber umas moedas].

- Ah, sim, me lembro agora. Você recitava marxismo naqueles tempos “perigosos” e agora vem falar em...destino?

Ele ri. Pergunto o que ele faz porque me parecera um sujeito muito culto naqueles tempos.

Me olha como se saísse dali, seus olhos se perdem no vazio, alguns segundos depois sem responder:

- Quando moleque, nas rodas adultas, não poucas vezes ouvi quem perguntasse aos interlocutores – “Você acredita em destino?” Você, não?

E prosseguiu:

- Os antigos também, com o inesperado da vida, se indagavam sobre o destino; se a vida, no essencial tinha desígnios fora do controle, as fatalidades.

Percebendo que estava eu atento:

- Olha não para complicar mas há duas tragédias gregas pré-socráticas que explanam sobre os efeitos do suposto destino, “Prometeu acorrentado” de Ésquilo e “Édipo Rei” de Sófocles. Nem falo de Sócrates com aquele seu sentido crístico. Uma coisa curiosa, ele rejeitou o suborno proposto por um discípulo para facilitar sua fuga de Atenas e da cicuta. Volto às tragédias. Prometeu fora acorrentado por ajudar, instruir os homens, os mortais, com uma série de culturas práticas de vida, inclusive o manejo do fogo. Zeus é apresentado como um deus cruel, vingativo, que castiga severamente Prometeu e quando este o desafia, mesmo acorrentado, seu castigo é agravado: o abutre do deus todo dia devoraria um pedaço do seu fígado - que é reconstituído durante o dia. Algo como o inferno de Dante, castigo eterno. Quanto a Édipo, o Oráculo de Delfos previra para o menino uma tragédia bárbara: mataria o pai e se casaria com a própria mãe. Fora, então, abandonando numa várzea, salvo por um pastor e, com o decorrer da vida, esse “destino” se realizou: matou seu pai e se casou com Jocasta, sua mãe. Dessa tragédia sairia o complexo de Édipo de Freud.

Pensou um pouco e foi concluindo:

- Claro que são peças teatrais mas elas atravessam os séculos, 400, 500 a.C. Quanto há de reflexão nisso?

- Pois bem, disse eu, eu tenho comigo uma tragédia que bem jovem muito me emocionou. Pois foi assim. O menino era apelidado de Bila, Quantos anos, quatro ou cinco? Quase todos os dias pela manhã, tomava seu café e saía à rua, sentava-se na guia e comia sua fatia de pão com manteiga.

Naquela manhã, ninguém sabe de onde, foi atacado por um cachorro louco – mas louco mesmo! O cachorro doente teve que ser morto e o foi com um taco de baseball arrumado na hora. Os ferimentos no rosto do Bila foram tão graves que ele não resistiu e faleceu poucos dias depois. Veja, um menino tão jovem com um destino tão trágico? Que emocionou tanto!

- Ah, meu caro, Sócrates, não sei se defendendo ideias de Platão admitiu a imortalidade da alma e os renascimentos sucessivos. Saiba, então, que no Evangelho de João, quando Jesus cura um paralítico ele o adverte: “não peques mais, para que não te sucedas coisa pior”. Em que momento da vida do paralítico “coisas piores poderiam acontecer”? Afinal ele fora curado havia pouco… e perdoado. Se a alma é imortal… há “dívidas contraídas” para serem saldadas nalgum tempo? Pode ser um castigo ou um aprendizado. Talvez o menino tivesse um “saldo” de vida a completar com uma tragédia. Observe em sua volta as diferenças nos semelhantes. Olha, meu caro, você acredita em destino? Responda aí. Vou saindo porque não estou agradando.

Usei meu chavão:

- Sabe duma coisa? Não explico sequer o sabor duma manga, o espocar duma rosa. Nada sei do essencial da vida…

F. riu, e quem sabe? e rapidamente saiu do meu campo de visão como uma sombra.





(*) Publicado na Revista “O Ginasiano” nº 41 de agosto de 2022.

Acessar: https://online.fliphtml5.com/umpdp/niwr/?1659322162764



09/06/2022

MINI RESENHA AMBIENTAL

MINHA” ÁREA VERDE

Já falei sobre isto: há alguns anos, aqui bem perto de onde moro, há uma “corredor” de áreas verdes que "cortam" no seu final pelo menos três ruas sem saída.

Na do meio mal formada, poucas árvores, há anos, com uma velha piscina de plástico recolhi uma quantidade imensa de pedras e despejei na primeira área, sem árvores - um  depósito de entulho e com as minhas pedras.

Então, comecei gestões até ao aborrecimento na Prefeitura a ponto de, num domingo, ser surpreendido por uma grande motoniveladora que arrastou o entulho e as pedras para um terreno vizinho. Nada de anormal até porque mais tarde ali se construiria uma casa "fechando" a área. 

Com a área limpa, obtive mudas em Americana e num dia de chuva intensa eu as plantei pessoalmente.


Cresceram muito.

Mas, não foi somente essa a minha, digamos, “intervenção” nesse tipo de ação. Talvez tenha influenciado o plantio de ipês, em número razoável, em Águas de São Pedro.


PREDAÇÃO

Hoje, embora as árvores estejam grandes, há ainda a ação de predadores que insistem em “podar” indevidamente e até cortar uma ou outra sem qualquer motivo.

Numa delas deixei até um aviso para que o predador permitisse que a árvore se recuperasse aos primeiros brotos insistentes renascendo. No dia seguinte o aviso estava picado e os brotos arrancados.





Pior se deu com uma muda de bananeira que plantei ali.

Todas as mudas que insistiam em se desenvolver eram pisoteadas.

No exato dia mundial do meio ambiente a última delas foi, também, destruída.

Se fosse permitido que elas (as mudfas) se desenvolvesse, estariam, com forte possibilidade hoje, de estarem com cachos pendurados. Se ninguém aproveitasse os frutos, aproveitariam os passarinhos e os gambas esfomeados porque seu ambiente natural praticamente não existe.

Bananeiras tem algo de “divino”. Numa noite, “explode” no silêncio um coração e, então, o cacho começa a se desenvolver pela manhã.


Um dia, na área verde do meio plantei uma muda de “pau brasil”. Sem entender as razões, uma  semana depois essa muda estava arrancada.


Mas, estou me acostumando com esses desgosto. Há mentes predadoras, indiferentes que não sabem bem o que fazem.

E essa irresponsabilidade tem exemplos de quem dá mau exemplo. O caso do mito da "Amazônia é nossa" que vai sendo tomada pela a grilagem, pela posse ilegal de áreas imensas, desprezo fatal aos indígenas, a derrubada vertiginosa e criminosa das florestas isso tudo está tácita e inconsequentemente autorizado.


FRASES

(De artigos e crônicas que escrevi - neste caso a mais antiga é de 1984)

I

 Enquanto isso, os técnicos, diante dos fenômenos naturais incomuns que se intensificam no mundo todo, costumam achar explicações científicas e racionais concluindo, em outras palavras, que se trata de um capricho da natureza.

● Dessa forma, acima dos cálculos e dos gráficos, latentes e poderosas permanecem as mensagens intuitivas que, silenciosamente, vão nos dando a medida das coisas. E a essas, não é nada coerente ignorarmos.

A natureza age com outras forças. Notem os prognósticos dos meteorologistas, cuja única tarefa é analisar as condições do tempo. Passam horas diante dos seus instrumentos e gráficos e com que frequência erram em suas previsões.

1984

Acessar: O FAZEDOR DE DESERTOS


II

● Entre nós, de muito pouco podemos nos vangloriar. A motosserra trabalha incansavelmente e de modo insano, tanto na Amazônia e no pouco que resta da mata Atlântica, ora para captar madeira nobre, ora para produzir carvão, ora para aumentar pastos, significando nesse caso, que as áreas devastadas ficam a um passo da desertificação.

● Esse efeito também se dá em razão das imensas plantações de grãos, embora seja imperioso preservar áreas verdes nessas plantações de tal ordem a garantir um mínimo de equilíbrio. 

2003

Acessar: UM MUNDO EM DEVASTAÇÃO


III

● Não explico sequer o sabor duma manga.

● Do espocar duma rosa!




Da vida nada sei do essencial.

Acessar: NADA SEI DE ESSENCIAL


IV

● Há uma indagação interessante: as planta rompem com a lei da gravidade ao levar para os altos, quantas vezes por metros acima do solo, sua seiva e eu acrescento, também a água para produzir frutos. São as raízes espécie de bomba d'água? O que dizer, para ficar num exemplo simplório, a frutificação das laranjas e a abundância do seu sumo? 

Acessar: VIDA SECRETA DAS PLANTAS  (Trecho)


V

(Trechos de um artigo transcrito no portal do CPTEC/INPE - 22.09.2010)

As queimadas, provocadas deliberadamente ou não, são as nossas tragédias diárias que se propagam pela incompetência oficial em coibi-las e combatê-las. Dai o agravamento da situação ambiental e a ampliação da desertificação em imensas áreas. 

● O meio ambiente pede ajuda.                                              

"Esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável – o homem. Este, de fato, não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nós, nomeadamente assumiu, em todo o decorrer da história, o papel de um terrível fazedor de desertos. Começou isto por um desastroso legado indígena. Na agricultura primitiva dos silvícolas era instrumento fundamental – o fogo."

● A citação acima, refere-se aos desertos provocados em regiõe diversas antes predominantemente no nordeste com as queimadas praticadas de modo desastroso que, ao longo do tempo, foram devastando imensas áreas de "flora estupenda".

● Não foi ela extraída de algum manual recente de entidade ecológica, entre tantas nacionais e internacionais que criticam a omissão brasileira na questão das queimadas havidas na floresta amazônica. Ela é de autoria de ninguém menos que Euclides da Cunha, ao estudar "a terra" em seu livro "Os Sertões", cuja primeira edição apareceu em 1902.

● Então, já então no início do século passado, demonstrando certa perplexidade e amargura, apontava Euclides o absurdo das queimadas para abrir espaços para a atividade pastoril ou, "ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro".

● Décadas e décadas se passaram e a prática do fogo continua destruindo desordenadamente as florestas brasileiras, quase que extinguindo a mata atlântica e agora, em proporções assustadoras, vai predando própria selva amazônica e o cerrado.

● É brutal a omissão oficial a essa calamidade, cuja fumaça das queimadas – provocadas ou não - cega transeuntes, fecha aeroportos e dificulta a respiração de crianças, exatamente na região antes conhecida como o "pulmão do mundo", qualificativo que fora um orgulho para nós brasileiros, pelo menos para os que pensam um pouco mais à frente.

● À omissão, aliam-se o absoluto desrespeito à vida, pela natureza e pelo mistério das matas virgens, com as milhares de vidas que sustentam, levadas de roldão, inapelavelmente, pelo fogo.

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