Há
exatos 15 anos, escrevi uma crônica sob o título acima referindo-me ao
centenário de uma peça jornalística que teve grande repercussão na França, do
escritor Emile Zola, J ’Accuse publicado em 14 de janeiro de 1898 em defesa da
maior farsa acusatória da qual foi vítima o militar Alfredo Dreyfus no final do
século XIX.
E
porque me veio à mente essa crônica tanto tempo depois?
Primeiro
porque ao “dia internacional da mulher”, houve a sobreposição do final de uma
novela da Globo, “Lado a lado”, que assisti fragmentos na qual a heroína não
podia assinar artigos jornalísticos em
seu nome, somente com pseudônimo masculino porque à mulher não era dado o
“direito” de escrever sobre “assuntos sérios”.
E
nesse “embalo” me veio um nome, Severine, jornalista francesa, a “rebelde”.
Por
vezes escrevo crônicas fora desse contexto no qual se misturam figuras
antagônicas amor e ódio, herói e vilão ou meras cenas do cotidiano.
Esta
é mais uma fora desse contexto, esperando não aborrecer muito os ocasionais
leitores.
Alfredo Dreyfus, acusado
falsamente de alta traição por ter supostamente passado aos alemães,
informações secretas sobre equipamentos militares franceses, sofreu um processo
penoso, prisão humilhante por anos, embora gritasse sua inocência era execrado
como traidor por quase toda a França.
Mesmo com divergências nas
provas grafotécnicas num bilhete obtido pela espionagem francesa no cesto de
lixo de um adido militar alemão lotado na Embaixada Alemã em Paris, aquele “judeu
traidor” foi preso em 1894, despojado de todas as suas insígnias e mais tarde
preso na Ilha do Diabo na costa da Guiana.
Afinal:
- Que lhe importa que esse judeu
fique na Ilha do Diabo?
- Mas, ele é inocente!
O “Eu acuso” (J’ Accuse) de
Emile Zola, fora uma peça com acusações repletas de adjetivação contra os
algozes de Dreyfus, na maioria militares: “autor diabólico do erro judiciário,
“crime de lesa-humanidade”, “monstruosa parcialidade”.
Por ter tomado partido com
tamanha veemência, foi Zola vítima de um processo, sendo condenado, sob o furor
do populacho que via ele também c como traidor.
A partir daí surgiram duas
correntes: os “dreyfusistas” e os “não-dreyfusistas”.
O absurdo do processo chegara a
tal ponto, tão fragrante o escândalo, que entre os “dreyfusistas” estavam a
Rainha da Inglaterra, o Tzar da Rússia, o Papa Leão XIII.
A Corte Suprema da França para
por fim ao escândalo que se constituíra o processo, à repercussão mundial – Ruy
Barbosa posicionou-se a favor do acusado – em 12 de julho de 1906, doze anos
depois de iniciada a farsa, anulou a sentença, declarando que a condenação fora
“ditada por erro e sem razão”.
De lado o sofrimento da vítima,
o processo Dreyfus constitui-se num empolgante romance de farsa e indignidades,
pouco alcançado pela ficção em episódios e mesmo suspense.
Talvez o livro mais completo
sobre o “processo Dreyfus” seja a do jornalista Paul Richard, escrito em 1937.
Ele fora um jovem jornalista que acompanhou todo o processo. A edição que nos
chegou às mãos casualmente, é de 1945, editada pela extinta “Livraria do Globo”
de Porto Alegre.
As mulheres e a jornalista no processo Dreyfus
A tragédia de Alfredo Dreyfus
trouxe revelações: a participação das mulheres.
Elas começavam a despontar nas
profissões ditas masculinas, se é que naqueles idos havia alguma que não fosse
masculina, salvo, para as mulheres os deveres do lar.
Além do incansável e corajoso
empenho da esposa de Dreyfus em defesa de seu marido a famosa atriz Sarah
Bernhardt apoiando o acusado: “Não sofra mais, caro mártir nosso. Olhe em
torno, mais longe, mais longe ainda e verá essa multidão de seres que o amam e
defendem contra a covardia, a mentira e o ódio. Entre esses seres está sua
amiga”.
Mas, eu quero destacar a
jornalista Severine, a frondeuse (rebelde).
Ela era jornalista do jornal “Le Fronde” (O Estilingue), fundado por uma
mulher, feito por mulheres e para as mulheres que chegou a ter boa tiragem.
Nos estudos sobre o jornalismo
no século XIX e início do século XX Severine é lembrada pelo seu acompanhamento
do processo Dreyfus: “o grande tema no coração da escrita de Severine é a
oposição da testemunha, esta observadora que vê o acontecimento e, nesta
proximidade, o contrapõe, com todo o seu corpo, ao jornalismo tradicional que
fala à distância.” (*)
É isso que queria lembrar,
deixando a mensagem de que o jornalismo no Brasil deu passos interessantes
naqueles tempos com a participação feminina.
Fotos:
1. Capa desgastada do livro de
Paul Richard, “Os grandes processos da história”;
2. A Jornalista Severine, foto
estampada no livro de Paul Richard.
(*) Trecho extraído do estudo de
Maria João Silveirinha, “As mulheres e a afirmação histórica da profissão
jornalística...”