16/01/2011
SETE PECADOS CAPITAIS / PREGUIÇA
Para mim, a preguiça no dia-a-dia é um pecadilho.
Sei que tenho que fazer hoje, mas adio para quando der vontade ou quando não há mais jeito.
Os dicionários a conceituam como aversão ao trabalho, ócio, lentidão. (1)
Esses sábados à tarde em que a modorra bate forte:
- É preciso cortar a grama!
Penso:
- Ah, não. Vai chover quem sabe amanhã.
No domingo a preguiça bate mais forte, naquelas tardes intermináveis, véspera de segunda-feira implacável.
- Na semana que vem. Preciso arrumar os fios...Agora vou tirar uma soneca e viajar por mundos insondáveis...
Há tempos – naqueles meus anos de multinacionais com dedicação exclusiva até o dia em que descobri que não era “imortal” e saí da última com marca indelével da sola no assento - assisti palestra interessante. O palestrante dava vivas às segundas-feiras porque a vida “retornava ao normal”.
Ele sabia, tanto quanto eu, que o fim de semana nos libertava da “escravidão”, mas por isso a segunda-feira nos alertava que ela haveria que repor os grilhões. Já que assim era, haveria que comemorar.
Há muitos anos inspirado por uma cena inusitada de um indigente deitado exatamente na porta de agência da previdência social, cena emblemática – se tirasse, seria foto premiada - inspirei-me numa poesia que a certo ponto dizia:
Na estreita calçada da suja rua
Deitado e dormindo ao frio relento,
Eis um triste indigente, pele nua
De vida inexplicável, tal tormento.
E terminava assim:
“Sem amor nenhum, sem ideal
Lá esta o indigente sem viver,
Que teria cometido assim fatal,
Para tão grande castigo merecer?”
Em Provérbios 6.6-11 é bem clara a condenação à preguiça atribuindo a ela o castigo do despojamento. Lê-se:
“Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, olha para os seus caminhos, e sê sábio”
“A qual, não tendo superior, nem oficial, nem dominador” (refere-se a patrão, de um modo geral);
“Prepara no verão o seu pão, na sega ajunta o seu mantimento”
“Óh! preguiçoso, até quando ficarás deitado? Quando te levantarás do teu sono”
“Um pouco de sono, um pouco tosquenejando (cochilando), um pouco encruzando as mãos, para estar deitado”
“Assim te sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a tua necessidade como um homem armado.”
Esse texto de Provérbios dá a exata dimensão da célebre fábula de Esopo, a “A cigarra e a formiga”. Só que o grego Esopo vivera no século IV antes de Cristo. O final "dance agora" está muito próximo do versículo 11 acima ao advertir que a pobreza do preguiçoso significará o golpe de um ladrão e as necessidades serão satisfeitas pela mendicância com muitas negativas e ofensas, como se deu com a cigarra.
Eis a fábula com tradução de Bocage (Portugal, 1765-1805):
Tendo a cigarra, em cantigas,
Folgado todo o verão,
Achou-se em penúria extrema,
Na tormentosa estação.
Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.
– Amiga – diz a cigarra
– Prometo, à fé de animal,
Pagar-vos, antes de Agosto,
Os juros e o principal.
A formiga nunca empresta,
Nunca dá; por isso, junta.
– No verão, em que lidavas?
– À pedinte, ela pergunta.
Responde a outra: – Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.
– Oh! Bravo! – torna a formiga
– Cantavas? Pois dança agora! (2)
Fui obrigado, nos meus tempos de ginasial, a decorar e recitar essa fábula em francês – verdadeira tortura. Até hoje guardo na memória quase seu texto integral.(3)
Bem, é o que tinha que dizer sobre a preguiça que pode ser um pecadilho ou o pecado capital.
Quantas vezes não me comprometo nesse pecadilho, porém.
Até segunda-feira, após espreguiçar-me (epa), ai, ai, ai!
Referências:
(1) O animalzinho “Bicho-Preguiça” ilustra a abertura desta crônica porque mais do que qualquer outro, sua lentidão é significativa para bem situar o tema. Mas, essa lentidão é de sua natureza, tendo como ponto negativo o de facilitar a ação de predadores quando não bem escondido entre as folhagens.(Foto: free2use.it.com).
(2) O texto da fábula de Esopo e a figura foram extraídos da Wikipedia. O texto tem outras fontes.
(3) A mesma fábula “A cigarra e a formiga” recontada por Jean de La Fontaine (França, 1621/1695) em francês:
La Cigale, ayant chanté
Tout l'été
Se trouva fort dépourvue
Quand la bise fut venue:
Pas un seul petit morceau
De mouche ou de vermisseau.
Elle alla crier famine
Chez la Fourmi sa voisine,
La priant de lui prêter
Quelque grain pour subsister
Jusqu'à la saison nouvelle.
Je vous paierai, lui dit-elle,
Avant l'août, foi d'animal,
Intérêt et principal.
La Fourmi n'est pas prêteuse:
C'est là son moindre défaut.
Que faisiez-vous au temps chaud?
Dit-elle à cette emprunteuse.
Nuit et jour à tout venant
Je chantais, ne vous déplaise.
Vous chantiez? j'en suis fort aise:
Eh bien! dansez maintenant!
09/01/2011
“POEMAS”, para não dizer que não falei... (I)
Muitas já ilustraram crônicas neste “Temas”, pelo que são conhecidas, muito.
Estas primeiras revelam essa miscelânea de sentimentos.
Grandes inspirações? Haverão que buscar em outras plagas!
ONDAS DE VIDA
Num longo dia da misteriosa criação,
Criou Deus as águas, as árvores, a flor
Sabia o Criador com viva emoção
Que tal grande acervo era, por tudo, amor.
Noutro dia da gloriosa criação
Criou Deus seres viventes, as aves, os animais,
O paraíso já verde, multicolorido, em ação
Resplandecia azul nos céus com claros sinais.
Criou Deus, por fim, à Sua imagem e semelhança
Nele inserida a chama, o sopro da luz divina,
Este Homem interior inscrito na esperança
Que no caminho do amor e ventura destina.
Assim porque achou Deus que era bom
Ambientado o homem no encontro da eternidade,
Havendo uma só harmonia, num mesmo som
Ondas de vida da mesma fonte, diversa a idade.
Multiplicam-se nos tempos essa chama,
Diferindo da origem, pelo chão amealha,
Acumulando pecados que o egoísmo inflama
Fez do paraíso um campo de batalha.
Gozando os prazeres e vícios do exterior,
Vaga sem rumo, colhendo dores e pesada cruz,
Atenua no íntimo sua origem rósea
Esquece que do fútil, do vício, o nada produz.
Desatinada existência de muitas intrigas,
Não bastassem os ódios que expõe permanente
Investe feroz sem respeitar vidas amigas
Às outras criações, milagres da Divina Mente.
Ignora que a insensatez e a vantagem temporal,
Atrasam o despertar do lume interior
Em verdade, o paraíso que existe universal
E a bênção sutil de elevado valor.
Pois, os milenares dias da milagrosa criação
Nos tempos tem lugar certo e final perfeito.
São (somos) ondas de vida em franca evolução
Que obrigam nosso justo andar e vivo respeito.
ÉS JOVEM SESSENTÃO
És jovem, meu sessentão amigo !
Andas por aí tal qual profissional
Caminhando de cá até lá, encolhendo a barriga,
cabelo tingido (!?)
Se jovem és, amigo, és também antigo (!?)
Vê-se em teu rosto sulcado, marcado, maduro
Linhas passadas da alegre juventude, sem regras,
O olhar feliz, para frente, sorridente, ardente
Sem pensar no tempo, na vida, no futuro (?)
Da não eterna primavera solar, juvenil
Haverá um tão próximo dia que a vida cobrará,
Vislumbrando teus olhos (perplexos) o outono
E, amargura, mais adiante, o inverno senil.
Reconheço, sim, valor enfrentá-lo animado,
Uma ilusão de que a juventude se estende
E os choques reais, amenizam-se com lembranças doces,
Persiste o amor à vida – o existir digno, alinhado.
Diz-se que a velhice reside na mente
Ao refletires, porém, sobre a vida – ó jovem,
Não esqueças que algum dia ela se esvai
Mas, tal uma sentença ... pode ser adiada, somente.
POETA BEBERRÃO
Ah ! poeta falsificado
triste e doido beberrão;
rei da histeria tola
o que pensas da poesia ?
Julgas que diante dos copos ,
da garrafa vazia,
encontraras a musa do amor ?
enganado estás meu caro medíocre !
a musa imaculada que buscas,
aquela que o verdadeiro poeta canta,
não está no brilho d’uma garrafa,
Ilustre beberrão !
Porque a musa doce e bela
a pura e límpida impressão,
É a alma limpa que chama
É o espírito são que revela...
Ilustre beberrão.
PRESENTE, PASSADO E FUTURO
A tarde é cinzenta e fria. É outono
Bate forte o vento na janela entreaberta
Estas tardes melancólicas de sábado
me fazem viajar no tempo
E anoto quão ele é inexorável
de estação em estação.
Ligo o passado jovem com o presente
Sou eu mesmo, pena que sem mais ardor
Projetos mirabolantes, belezas utópicas,
Sem mais as ilusões de mudar
com discursos o mundo,
Nem parece verdade todo esse trajeto.
Que posso dizer disso tudo, afinal?
Que tenho saudade do feito e do não feito?
Contabilizando os trens que passaram
sem que embarcasse?
Pelas oportunidades e o tempo desperdiçados?
Não sei bem o que sinto, na verdade.
Só sei que tal ligação passado-presente
Está aqui comigo, n’alma,
E me desperta a cada dia
Quem fui, quem sou e quem serei?
Quem sabe um idealista que queria
mudar com discursos o mundo,
Lamentando os trens perdidos
Que me levariam...para onde?
Amargo com muito dó...
Olho do alto da maturidade
Serena e...mais além...
Lá serei uma lembrança remota
cuja presença se perderá no pó...
Inexorável!
PAIXÕES
Um rosto, um olhar
A convivência, a presença
A insistência
Eis que da empatia
Floresce a simpatia
O amor e, mais além
A paixão
Explosão,
Brilham luzes internas
O coração irradia
A doçura do desejo,
Que clama
Reclama
A presença
A convivência
Um abraço, um beijo
O amor abrasado
Intenso,
Que se esvai
No silencio
Na ausência
Do olhar, do rosto, da presença,
As luzes que se apagam
Uma esperança
Que se perde,
Uma ilusão ardente
Uma lembrança.
Fotos/Imagens
1. Criação, obra de Michelângelo - Capela Cistina - Roma
2. Idosos: http://gericareatendimentos.blogspot.com/
3. "Cultura cervejeira": Autor João Werner (http://www.joaowerner.com.br/)
4. Tempo: http://www.blogdosempreendedores.com.br/
5. Paixão: Idílio, de Willian Zadig - Largo de São Francisco - SP
03/01/2011
SETE PECADOS CAPITAIS / AVAREZA
26/12/2010
SETE PECADOS CAPITAIS / GULA
20/12/2010
REGRESSÃO (III): CARROCINHAS
MEMÓRIA: UM BRINQUEDO INESPERADO. UMA SURPRESA
Vou retornar no tempo, há muito tempo.
Eu ainda morava em São Paulo, na Lapa, bairro onde nasci. Na rua Roma.
Tempos de “pureza”, mais do que nunca, palavrão era pecado.
Criança, 6 ou 7 anos, saía sem medo pelas ruas dava a volta no quarteirão e parava nos escritórios da fábrica de máquinas de costura Leonam (Manoel ao contrário porque o dono seria Manoel Ambrósio Filho). As ruas eram praticamente desertas.
Tenho leve lembrança de queixas da derrota do Brasil na Copa de 1950 no Maracanã.
Acho que, pela família palmeirense, não sei se ainda na |Lapa ou já em São Caetano tenho distante a voz do incomparável narrador Pedro Luiz emocionado com a conquista pelo Palmeiras do campeonato mundial interclubes em 1951, comemorado apoteoticamente por 100 mil torcedores no mesmo Maracanã. Acho que meu irmão empolgado dissera: “o Palmeiras é campeão”. Não sei se foi nesse campeonato…
A proximidade do Natal e do Ano Novo tinha um sabor especial, muito mais do que agora, certamente. Naqueles idos na Lapa, a família toda se reunia na casa de um tio e lá havia a ceia do dia 31 de dezembro.
Minha mãe, excelente cozinheira, uns dois dias antes do Natal se unia às minhas tias e começavam a prepará-la.
Todos se uniam, meus primos e primas, meus pais, meus tios que contavam "causos", piadas, havia um clima de descontração pelo Natal, desprovido do apelo comercial de hoje e na véspera do Ano Novo, na virada, o rádio transmitia a corrida de São Silvestre. Em 1950 venceu um belga.
Penso que meus pais enfrentavam problemas, tanto que logo depois mudamos para as imediações de São Caetano, um trauma para minha mãe porque tudo estava por fazer, uma cidade que obtivera a autonomia havia dois anos.
Há desses momentos que não se esquece. E foi na Lapa. Guardei para sempre pelo gesto que surpreendeu o menino.
Fora, também, resultado de um impulso decidido, há quantos anos!
Quanto a mim, lembro-me bem, não sabia se meu presente de Natal seria bom. Se haveria presente.
Dias antes do Natal, meu primo fora ao "jardim de infância" para a festa da escola onde estava matriculado. Era perto de onde morávamos.
Fui com ele mas não tive coragem de entrar. Eu não "era" da escola.
Fiquei no portão e pude ver à distância todas as brincadeiras, as balas distribuídas e, para surpresa geral, no fim da festa, a escola distribuiu brinquedos a todos os alunos.
As crianças que estavam fora, vendo os presentes nas mãos dos meninos que saiam contentes, permaneciam boquiabertas pelos brinquedos que não ganhariam do "jardim da infância". E quiçá, do papai noel que naqueles tempos era uma figura comercial, mas nem tanto.
Eu não poderia ficar sem brinquedo também.
Criei coragem, entrei na escola quase vazia e vi-me numa sala ampla, toda enfeitada.
Uma mulher lá estava. Não me lembro do seu rosto? Era jovem? era velha? Bonita ou feia? Talvez mais jovem que velha. Jeito de professora, com certeza:
- Também quero um brinquedo, afirmei meio trêmulo com os olhos voltados para o chão.
A mulher, surpresa com o pedido, olhou-me por alguns segundos e sem relutar pegou sobre um armário uma carrocinha de madeira, puxada por um cavalinho. Caprichada, perfeita. Estava desembrulhada, sem a caixa. Talvez por isso tenha sobrado.
Entregou-me:
- Para você.
Foi demais. Inesquecível. Minha mãe ficou surpresa e contente com o presente inesperado que recebera. Jamais esquecerei essa carrocinha, pela forma como ela me foi dada.
Naqueles tempos e hoje com jogos eletrônicos e tudo, ainda acho que há uma idade em que a criança se encanta com um brinquedo. E quando ele é dado como foi dado sem qualquer relutância, seu valor se multiplica e permanece para sempre na memória.
Há um sentido de leveza e intensidade na gratidão a lembrar e a relatar.
Ainda que tenha sido há muito tempo, enleva tanto quem concede sem relutar, como quem recebe tanto que até hoje tenho guardada (na memória) essa carrocinha e seu cavalinho...
12/12/2010
A MATANÇA DAS BALEIAS E OUTROS BICHOS.
A mais recente se refere a pedido de ajuda para combater a matança de baleias pelos japoneses.
A tradução tem lá suas dificuldades, mas a mensagem tem o seguinte teor:
Enquanto você lê este e-mail, a frota baleeira japonesa está se aquecendo nos rumos Oceano Antártico para iniciar o abate anual da baleia. A “quota planejada” nesta temporada é de cerca de 1.000 baleias minc, 50 baleias jubarte e 50 baleias fin ameaçadas de extinção.
Temos de parar este massacre agora.
Durante a campanha de 2008, o então senador Obama disse: "Como presidente, vou garantir que os EUA assumam a liderança na aplicação de acordos internacionais de protecção da vida selvagem, incluindo a moratória internacional à caça comercial da baleias." Mas já há três temporadas caça têm ido e vindo desde que Obama falou aquelas palavras, e nenhuma alteração foi feita.
E aqui o pedido de donativos:
Por favor, apresse sua contribuição mais generosa como uma pressão sobre o presidente Barack Obama para cumprir sua promessa de campanha!
“Permitir que o Japão continui a caça comercial é inaceitável", como o próprio presidente Obama declarou, e o Greenpeace está arregimentando apoio para pôr fim ao massacre, uma vez por todas.
A caça comercial não só é inaceitável, é uma violação do direito internacional.
Imagine um navio japonês apressando-se através do Oceano Antártico. De repente, o arpoador vê uma baleia mãe e seu filhote. Os sons do oceano são abafados pelas explosões de arpões que atingem a baleia.
E o relato doloroso que seria preferível ignorar, não saber:
A dupla luta para libertar-se das linhas de arpão durante quase uma hora, debatendo desesperadamente suas caudas na água, até que, finalmente, um pistoleiro do convés atira para que sejam morta de vez. A baleia mãe e o filhote são arrastados até rampa de lançamento da nave, deixando um longo rastro de sangue atrás de si.
Para nossa frustração, em poucos dias essa cena trágica no Oceano Antártico vai se repetir inúmeras vezes. O Greenpeace precisa da sua ajuda, e a ajuda do presidente Obama, para pôr fim à matança dessas criaturas de nossos oceanos, “as mais originais, inteligentes e emocionais.”
Além do Japão, também a Noruega e a Islândia caçam baleias alegando interesse “científico” mas que na verdade, em especial os japoneses, apreciam a carne do maravilhoso cetáceo, fazendo parte de sua “cultura”.
Países ditos civilizados praticando tal barbaridade sem concessões.
Essa cena dolorosa há mais de um século foi descrita por Herman Melville no livro “Moby Dick”:
“Como quando o cachalote ferido, que desenrolou da tina centenas de braças de arpoeira, depois de um profundo mergulho flutua de novo e mostra a corda frouxa e torcida erguendo-se a boiar e espiralando-se rumo á tona, assim Starbuck viu longos rolos do cordão umbilical de Madame Leviatã, com o qual o filhotinho ainda parecia amarrado à mãe. Não raro, nas rápidas vicissitudes da caça, esse cordão natural, com a extremidade materna solta, enrola-se na arpoeira de cânhamo, de modo que o filhote é assim capturado.”
(...)
No que se refere às tetas na fase da amamentação, “preciosas numa fêmea que aleite, são cortadas pela lança do caçador, o sangue e o leite que correm da mãe mancham à porfia o mar, por quinas de metros. O leite é muito doce e forte, tem sido provado pelo homem, iria bem com morangos.” (1)
Ora, perguntareis:
Não há crueldade idêntica ou pior nos matadouros bovinos e caprinos, nos abatedouros de aves?
Não foi o Greenpeace que remeteu outra mensagem no “dia de ação de graças” deste ano, feriado americano, relatando seus êxitos enquanto, na véspera, eram abatidos milhares de perus, ave símbolo da comemoração? Que comemoração é essa em “dia de ação de graças” com tal matança?
E o “nosso” Natal com a matança dos leitões e também dos perus?
Sim, há. Este é o seu mundo, cara.
Mas, se esta é uma realidade dura, é chegada a hora de ir diminuindo essa prática. E por que não a partir das baleias, essas criaturas “mais originais, inteligentes e emocionais.”?
Já me referi em várias crônicas e artigos sobre os estragos ambientais que produzem o gado bovino – no Brasil o maior rebanho do mundo - criado “artificialmente”, no que concerne à devastação das florestas, emissão de gás metano pela sua defecação.(2)
Se a humanidade não se convence de que a carne é dieta dispensável ou que pelo menos tivesse consumo menor, “tudo bem!”, mas que fiquem em paz as baleias na imensidão dos oceanos. Comecemos por elas a nossa contenção à imensa crueldade que praticamos contra os animais, melhorando nossa moral perante eles e, principalmente, perante nós mesmos, absorvendo aqueles sentimentos de paz e amor que eles, no seu habitat e a seu modo, inspiram.
(1) Já fiz referência a essa obra na crônica “Baleias, Caranguejos e Tartarugas” de 27.02.2010.
(2) O artigo mais recente constitui-se uma resenha que publiquei no portal www.votebrasil.com e no http://martinsmilton2.blogspot.com/ de 21.11.2010. Há um resumo do relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que trata desse tema, inclusive fazendo referência à mudança de hábitos alimentares.
Fotos:
1. Baleias orca, from http://www.portalsaofrancisco.com.br
2. "Açougue" (Google)
05/12/2010
PÁSSAROS
Aqui do meu “escritório” de casa – já me referi a isso – muitas vezes fico assistindo esses pássaros avançando com apetite em fatias de mamão e banana postas sobre o muro. Mesmo à distância, bastou em gesto qualquer é eles esvoaçam com toda a pressa possível e, só depois, quando não notam mais a ameaça voltam para continuar a refeição.
Há algum tempo, num dia em que não me situava muito tolerante com tudo e com todos, chego até a loja de produtos de consumo animal e me deparo – como até hoje lá estão – aquelas gaiolas mal cuidadas com uma dezena de passarinhos massacrados entre as grades.
Perco a paciência e indago à atendente que sempre tão bem me atendia:
- Qual o preço de todos esses passarinhos?
- Deixa ver. Uns R$X.
- Tudo bem, levo todos. Coloque-os naquela gaiola ali que daqui a pouco volto para buscá-los. Vou soltá-los todos no parque...
- Mas, o senhor não pode fazer isso. Todos morrerão porque eles nasceram cativos e não sobreviverão na natureza.
Resigno-me, dou um soco na parede e me retiro contrariado. “Esse é o seu mundo, cara.”
Meu contato “íntimo” com passarinhos, pela sua desconfiança, foi mínimo. Já relatei a experiência com beija-flor quem sabe atraído pelo perfume do suco de uva, perdeu-se na sala e, por mais que fosse encaminhado para a saída, não conseguia sair. Batia no vidro, nas paredes, num ambiente que nunca seria o seu. Cansado se entregou. Com cuidado eu o peguei no chão. Um chumaço de penas. Olhinhos pretos esperando a vez como se estivesse sob as presas de um gato esfomeado.
Soltei-o e ele, talvez para recuperar o fôlego, empoleirou-se numa pinheiro por perto.
Mas, foi com um exemplar admirável de calopsita que me trouxe intimidade com um passarinho admirável, inteligente que “sabia o que queria”.
O exemplar pertence a um meu filho caçula, que ficou por uns tempos por aqui.
Sem poder voar porque suas asas foram cortadas – pelo mesmo motivo dos passarinhos engaiolados – com seus piados estridentes exigia companhia e, com aquele seu bico cortante andando pelo teclado do computador, quase cortou o fio do mouse e do próprio teclado.
Sempre de ombro a ombro, quando comigo, encarando-me com aqueles seus olhinhos pretos, seu topete amarelo empinado, havia algo de paz com sua presença. Algo inspirador, de inofensivo, de inocência, de anjinho.
A cena mais surpreendente deu-se numa tarde quando todos falavam na sala. Ele lá no canto, em sua gaiola aberta, piava alto reclamando por companhia, já que nós éramos suas asas. Não atendido nos seus apelos, sem nos ver, apenas o som das vozes porque a sala é em L, desceu da gaiola e com aquele penacho empinado, piando alto veio até nós, cerca de 12 metros até escalar os ombros pelos nossos pés.
E como assoviava bem acordes do hino nacional, repetindo sempre que atendido, a palavra que aprendera: “gotosinho”, “gotoso”
Ele vai fazer falta, mesmo exigente como era. Ah, se vai.
Passarinhos são um passatempo de Deus...
Todos se lembram do filme “O Pássaros” de Alfred Hitchcock de 1963, a história de milhares de pássaros que avançam sobre uma cidade e atacam violentamente os moradores. O filme pode ser interpretado de várias maneiras. Em 1963, bem me lembro, a ecologia não estava em voga, não havíamos chegado aos limites que chegamos neste século 21 de absoluto desrespeito ambiental a despeito das severas advertências do que está advindo desses atos insensatos e até um tanto suicidas.
Pois bem, o jornal “O Estado” do dia 21 de novembro, ilustrada com foto de quase meia página, trouxe a seguinte notícia, curta, em transcrição literal:
“Um bando de pássaros é flagrado pela fotógrafa Kaia Larsen, da AP, ao cercar um avião militar E-68 nos Estados Unidos. A imagem foi feita no dia 29 de outubro, mas só agora divulgada. O avião conseguiu pousar em segurança em Arkansas, e as aves o perseguiram até bem perto da pista. Não se sabe o que as fez ter esse tipo de comportamento.”
A notícia se encerra assim, desse modo lacônico. Que se saiba, não houve qualquer pesquisa para pelo menos “teorizar” o que fez as aves terem “esse tipo de comportamento”.
Os pássaros!
28/11/2010
DIAS AMARGOS
No domingo voltara a ver a minha cachorrinha preta, com doença grave, que a deixava prostrada e sofrendo. Por causa da doença, perdera aquele seu brilho nos olhos e agora me olhavam suplicantes.
Dizia para ela que sua doença era grave. Inteligente, ela parecia compreender mas contava comigo.
Exatamente naqueles dias em que o quadro da minha preta se agravara eu escrevera sobre São Francisco e os animais.
Que situação contraditória, que experiência essa eu não gostaria de ter!
Saio para umas andanças e vou visitar a muda de “pau-brasil” que plantara na área verde próxima daqui, que por muito cuidara. Outras árvores plantara há tempos que floresceram.
A muda de “pau-brasil” que florescia muito bem, estava partida no meio do seu tronco ainda frágil. Quem poderia ter praticado aquele ato estúpido?
Um soco na cara.
Quem sabe ela ainda brote do que restou, renascendo e florescendo? Difícil!
Moralmente a nocaute liguei a muda arrebentada com o sofrimento de minha cadelinha.
Estivera por aqueles dias no veterinário.
Relatei a um outro “paciente” que levara seu cão para tratamento, o estado de minha cadelinha, tentando esconder a emoção;
- Ela já está comigo há 17 anos, e está muito doente!
O meu interlocutor simplesmente comentara:
- Não é possível tratar um cachorro como um ser humano, é preciso separar as coisas...
Algo assim, nesse sentido. Essa observação me fizera mal.
Mas, é claro que não poderia, a minha cachorrinha ser tratada como um ser humano. Ela não era humana, mas um animal angélico. Uma humilde vira-lata. Não exagero sob os efeitos da emoção, não!
Era ela quem me chamava latindo ou choramingando sabendo que eu chegara, se não fosse vê-la apenas por um instante até ao anoitecer;
Era ela que feliz ia à minha frente nos rumos do quintal do fundo certificando-se se eu a seguia; lá me fazia companhia, me observando sentado no banco que ali há, fuçando e se espojando no gramado. Foi nesse quintal que li, com ela por perto sempre, a maior parte do imenso “Guerra e Paz”, de Tolstoi.
Era para ela que recitava carinhos que os recebia sempre com gratidão;
Era ela que reclamava dos banhos sob a torneira nos dias quentes e ficava exultante após se sacudir toda;
Era ela incondicional com a família mas principalmente comigo.
Não, ela não poderia ser tratada como ser humano, porque são poucos os que agem desse modo incondicional com os semelhantes. São Francisco?
Ela se foi. A doença a consumia de um modo atroz. Não havia como suportar.
Ficou comigo a amargura do que me obriguei a fazer, uma experiência que me diminuiu, mas a sua doçura haverá de temperar esse desgosto.
Fotos:
1. Flores do pau-brasil
2. Preta e eu
21/11/2010
MEUS 40 ANOS
A vida começa aos 40 e a velhice na cabeça de cada um...
No exato dia do meu 40° aniversário, postei-me no fim da tarde na sorveteria das Lojas Americanas de Santo André, no calçadão da principal rua comercial, refletindo, com um sorvete na mão, o que significava, efetivamente, para mim, ter alcançado aquela idade.
Sentia-me iluminado e inspirado. Um retorno ao passado saudoso fez-me rabiscar mais tarde (sim, rabiscar, primeiramente, porque computadores eram equipamentos de iniciados, e eu era sofrível datilógrafo), uma crônica publicada alhures, sobre aqueles momentos e o passado nem sempre vivido com a intensidade que seria desejável. Fora falta de aviso, com certeza. Algo assim:
- Viva intensamente esta década, a década de 60, porque ela será um marco de referências.
Mais poderia ter feito e vivido. Mas, eu desconhecia ou não sabia como construir esses momentos de felicidade. Talvez ela estivesse comigo todo o tempo mas apenas não explodiu como poderia.
Um momento inesquecível, hoje hilariante, constrangedor então, que quando dele me lembro me faz rir pelos cantos e pelas ruas, ocorreu a partir de uma aula de filosofia no colegial.
Dentro da minha irreverência, nas aulas de filosofia eu me tornara um aluno "inconveniente" para meu professor da matéria. Misturava conceitos de suas aulas, com rudimentos esotéricos que então começava a me iniciar, e a cada interrupção que fazia, mais ficava o mestre perplexo e confuso. Boquiaberto mesmo. Não, é claro, pelo meu brilhantismo, mas pelo que poderia se chamar de "samba do ‘filósofo’ doido".
Sendo um sujeito sensível, certamente que para conviver com minha "inconveniência", minhas notas sempre foram ótimas. Porque, sobretudo, penso eu, havia uma mútua simpatia e ele, para retribuir essa reciprocidade, me garantia notas excelentes em sua disciplina. Ou simplesmente para não me ver no ano seguinte, repetindo a sua matéria, tendo que me aguentar.
Mas, nessa disputa para mostrar conhecimento, ainda que desconexos, ocasionalmente ocorriam dissensões.
Havia na minha classe um sujeito metido a Ruy Barbosa, que assim pensava porque carregava, também, o sobrenome Barbosa.
Certa feita, desdenhara a classe toda, solicitando ao mesmo professor de filosofia que repetisse determinado conceito porque somente ele, por certo, o teria entendido.
Não fiz por menos:
- Falou o gênio Barbosa que não é o de Ruy.
Acabada a aula, com delicadeza ele chegara até mim, perguntando suavemente se aquela observação fora para ele. Respondi secamente:
- Se o capuz lhe serviu, use-o.
Traiçoeiramente, desferiu um belo soco no meu queixo. Meus óculos voaram pelo corredor. Senti todo o peso de sua mão fechada no meu maxilar. Chegou, é claro, a turma do "deixa disso e pôs as coisas no lugar".
A agressão não teve maiores consequências, somente imensa repercussão no colégio. Meus amigos faziam troça, olhando para meu queixo, procurando algum estrago "merecido". Um deles, gaiato, muitos anos depois, sempre que me encontrava fazia questão de relembrar a cena do soco, examinando meu queixo e fazendo troça dos meus óculos subindo alguns palmos no éter.
Repassando esse evento ali, na frente da sorveteria das Lojas Americanas, agora do alto dos meus 40 anos, na rua movimentada, mal consegui conter o riso.
Eis que minha atenção é despertada para um idoso com a Bíblia na mão. Associei a um amigo, muito religioso, desses que assumem a religião, com intensa fé, com desconcertante convicção.
Alguma vezes tentara me ensinar lições da Bíblia, mas essa tarefa nunca dera certo, porque tinha eu por hábito, como até hoje tenho, de fazer questionamentos "inconvenientes". Já me referi a isso em outros escritos que às vezes a Bíblia revela sua profundidade no silêncio da meditação.
Discutia muito com ele sobre religião. Em sua opinião, a China naqueles dias já pós Mao Tse Tung, uma potência nuclear que parecia olhar com desprezo o ocidente e seus "pecados" , seria a alavanca do apocalipse bíblico. Ao visualizar a China, então, eu a enxergava cinzenta, talvez porque a roupa padrão normalmente nessa tonalidade do chinês retransmitisse em minha mente essa cor como sendo do próprio país.
Eis que, num daqueles dias, o "Estadão" estampou manchete significativa, algo assim: "A China abre-se para o mundo".
Mostrei-lhe a manchete. Ele não se abalou e fez até um sinal de conformismo.
Naquele instante, com alívio, quem sabe, passara a adiar o apocalipse que "profetizara" iminente. (*)
Com essas lembranças, saí pelo calçadão, emocionando-me com o semblante humilde de algumas pessoas que passavam ao meu lado ou vinham em minha direção. É que as quarenta velinhas resplandeciam intensas na minha interioridade.
Só via beleza por todos os lados.
(*) Não é nestes Temas que faço observações de natureza política mas acho oportuno neste caso.
Anos depois da manchete do jornal, em 1989, viajando aos Estados Unidos já ocorrendo a invasão de bugigangas asiáticas, os carros japoneses se impondo com o binômio preço-segurança, fiz questão de trazer na bagagem algum objeto genuinamente americano.
Depois de muito procurar, encontrei um rádio-relógio GE, marca tradicional. Quando o tirei da caixa e o examinei com atenção lá estava: “made in Malásia”.
Mais tarde tive oportunidade de ouvir a preleção de uma comissão chinesa comandada por uma representante que falava relativamente bem o português. Estava, se bem me lembro, pesquisando meios de comercialização do etanol. Recusava-se em discutir o regime político chinês muito mais fechado, então. “Estamos aqui a negócios”.
Bem. Deu no que deu. A China invadiu o mundo com suas bugigangas a preços irrisórios e agora ataca com produtos de alta tecnologia. Se a China é apocalíptica o será pela emanação de gazes tóxicos na atmosfera, agravando o “efeito estufa”...juntamente com as outras grandes e médias potências.
Foto: Rua Coronel Oliveira Lima - Santo André - década de 90 (PMSA)