
Volto-me quieto, um nó na garganta por toda aquela calamidade assassina que se deu na escola no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro
Tenho me queixado muito das coisas tresloucadas que tenho visto nos últimos tempos: tragédias ambientais como aquela que se deu, não faz muito, no próprio Rio de Janeiro, a predação ambiental produzida ou incentivada por desmiolados que não pensam no futuro, nas próximas gerações, o desrespeito aos animais, brutalizados e os que perdem seu habitat, ao tsunamis devastadores e mais frequentes, à crueldade que grassa pelo mundo especialmente pelas guerras sem causa.
Tudo bem que há um outro lado da moeda, aquele que mostra um sentido de ternura que ainda tempera este mundo em desespero.
Com efeito, neste meu canto, meu escritório aqui de casa que já tantas vezes me referi, me consolei por alguns instantes desses traumas que me ferem ao ver uma quantidade de passarinhos, saltitantes no zinco do muro, irradiando aquele sonzinho, em busca de nacos de mamão e bananas ali postos para eles.
Há um fantasma que não tem medo da luz do dia: minha cachorrinha preta, já morta, que está por aqui, transmitindo amor a seu modo.
Não há o que temer.
Indago-me, então, nesse mesmo instante aquela seleção do tresloucado, dito doente mental, mas com discernimento suficiente para fazer sua seleção macabra de quem viveria e quem não viveria.
- Fique tranquilo, disse a um menino apavorado, não vou matar você!
E em seguida:
- Vocês fiquem de costas que vou matar todos!
Foram somente as mãos do tresloucado que acionaram as armas?
“Onde estava Deus?”
Como isso foi possível?
Do alto de tantos anos, rememorando tantos eventos dolorosos, constato que, por uma série de razões, essas tragédias crescem de modo assustador e já fazem parte de nosso dia-a-dia. Como nunca.
Atento ao esvoaçar dos passarinhos – não há jeito – volto-me para os meus tempos distantes sem medo. Liberdade sem medo.
O meu passado está comigo. Dele não sou refém, porém.

Se só o presente existe
O que faço com o ontem?
Dele tudo bate no peito
Na alma que se questiona
O que faço se o passado insiste?
No silêncio daqueles instantes
Eclode o sentimento da graça
De amor, tristeza e calma
Se o agora é o que conta
Porque a vida plena está presente
É no passado que ela ensina
E no passado que ela inspira,
Porém.

Acho graça de alguns percalços. Num domingo como este de sol ameno, chuva à tarde, já lá se vão tantos anos, na minha vontade de parecer intelectual, andava pelas ruas de São Caetano do Sul, empunhando um Estadão de “5 mil páginas”, lendo artigos de fundo, contando que as meninas que rumavam para a missa das 10h40 na matriz, me vissem e se impressionassem.
Até o momento em que taquei a testa num tapume na calçada coberto pelo jornal que lia e, de regra, pouco entendia. Acordei dos desvairamentos. Olhei para todos os lados para descobrir alguém que tivesse visto a testada para mais me envergonhar.
Mas, não, não havia. Embrulhei o jornalão debaixo do braço e sai de mansinho.
Destes momentos, neste presente, nessa sucessão de segundos, não há tapume para trombar e me acordar de um delírio.
Aliás, não há delírios nestes tempo, de muita dor e desconsolo.
O que tenho que ver ainda?
Foto 1: http://passaregua.blogspot.com
Tucano na cidade
Parece que, por destruição do seu habitat natural, aves raras estão se aproximando das cidades. Este tucano foi filmado em Piracicaba, num bairro próximo do centro (imagens de Silvio P. Martins)