03/04/2011

ALUCINAÇÕES, SONHOS (?)

Vejo-me dentro do carro - às vezes não é um carro -, eu o deixo estacionado num local absolutamente inóspito: ladeiras íngremes, barrancos ameaçadores, passagens estreitas infestadas por água imunda.

Parece que estou nas alturas. Essa sensação me atormenta porque sou um pouco acrofóbico. Bem pouco. Há situações em que me intranquilizo olhando para baixo lá do alto.

- Se fosse assim, você teria dificuldades do avião, me disse alguém. Vá lá!
Equilibro-me naquelas tábuas, passando por sobre poças e poços. Aquela sensação de mundo perdido, sem verde, sem nada, caos.
Quero voltar e sair dali. Mas onde deixei o carro. Desapareceu.
Outra daquelas alucinações?
Pois um dia havia estacionado o carro numa rua movimentada e fui resolver alguma coisa.
Quando voltei, o carro havia desaparecido. Roubado?
Ameaço ligar para casa para virem me buscar e ir à delegacia registrar a ocorrência.
Entro no meio ovo do orelhão e de relance vejo o carro de volta dois passos à frente tão branco como sempre. Eu o ofendo:
- Por onde você andou seu energúmeno.
A resposta foram sons sutis de gargalhadas. Duendes que me perseguem. Somem coisas na minha frente e viro para um lado desesperado a procura e lá estão elas a menos de um palmo do nariz, na minha frente.
Ou os documentos importantes que sumiram de repente e foram achados no arquivo, em busca exaustiva numa pasta que há anos não mexia.
Não encontro o carro naquela imensidão depredada, sem vida por onde caminho e flutuo.
Volto me equilibrando pelas tábuas, pinguelas, ainda com a sensação do que estou no alto. Me equilibro.
Um grito surdo:
- Socorro.
Volto-me e chego à beira de um fosso cheio de água suja. Meto a mão naquela fossa na altura do meu antebraço e agarro a mão de alguém.
Puxo-o.
O salvado sai com facilidade, está vivo. Começa a devolver a água imunda que bebeu no pré-afogamento. Digo-lhe:
- É isso mesmo, vomite essa água suja que lhe fará bem.
Olho para os lados e só vejo devastação, barrancos. Não sei mais do afogado que puxei. Não sei o caminho de volta, o carro.
Numa fração, estou de volta. Piso no chão duro. O carro está no lugar de sempre me esperando para o trabalho dali a pouco.
Olho-me no espelho com a cara deslavada, com a sensação ainda da minha mão na água suja puxando o afogado e confesso:
- Cara você não sonha é um alucinado mesmo dormindo.
Saio logo depois para o cotidiano “real”. (*)




Noite de breu

Viajo na noite de breu. Não sei bem como cheguei até ali e onde estou. Noite de breu. Acho que estou onde tenho minhas raízes. Nada enxergo, mas pergunto para alguém que não vejo. Aqui é a rua ...? A resposta não veio sonora, mas fui informado por algum modo que era. Mas, a rua era muito acidentada não poderia ser. Nem nos meus tempos de menino que guiava barquinhos de papel pelas guias quando era ainda de terra.
Os barrancos são altos, dava para perceber naquelas trevas. Paro na frente de uma velha casa mal conservada:
- Aqui mora minha tia M.?
Não obtive resposta, mas entrei. Algumas crianças crescidinhas sentaram perto de mim e alguns moços que também lá estavam  me olhavam com condescendência.
Um deles de óculos:
- Nós fizemos alguns negócios, você se lembra?
Não, não me lembrava.
Minha tia aparece vestida com um vestido longo, simples, de cor levemente rosada.
Se aproxima, me beija o rosto e desaparece.
Acordei.
Há anos que minha tia falecera.
Essas sensações além de me deixarem perplexo, me reconfortam.
Tento pensar na casa velha. Não importa, nela moravam seres cordiais e amáveis.



Trailer da passagem...

Você teria coragem de relatar tais terrores?

Pois vou relatar.

Foi assim.

Lá pelas 22h00 horas, no meu escritório de casa, lia as últimas crônicas de Monteiro Lobato na obra “A Onda Verde" (na mesma edição “O Presidente Negro” do qual fiz breve resenha na crônica “Dos livros que não consegui ler - ainda. E os já lidos” de 17.10.2010, neste “Temas”).

A capa é ilustrada pela efígie do autor.


O sono não tinha batido a ponto de me fazer “perder os sentidos”.

Então, como se alguém me ordenasse:

“- Olhe para minha efígie de novo”

Fiz isso e dai para frente não sei o que aconteceu.

Vi-me nalgum lugar sem janela e porta e comecei a gritar:

- Quero acordar, quero minha vida...

Fazia um esforço que imaginava consciente para acordar e sair daquele lugar.

De repente, como todos os sonhos, me achei acordado, ao lado de pessoas desconhecidas subindo degraus daquele que parecia o antigo sobrado onde morara em outra cidade, dirigindo-me ao quarto dos meus filhos, portas fechadas.

Nesse instante acordei do lado de cá do mesmo modo como adormecera: sem sobressaltos.

Tivera, talvez pela minha idade, experiência da perda de rumo quando da passagem para o outro lado... definitivamente.

Um trailer da passagem. Sem volta?



Imagens


(1) "Spiritual Repose", de Max Ernest
(2) "A grande convulsão" de Henry de Groux
(Fonte: http://casoual.wordpress.com)

Livro de Monteiro Lobato:
"Onda Verde" - Edição de 1961 - Editora Brasiliense

(*) V. "Terrores e Tremores" de 06.06.2010

27/03/2011

O MEU TEMPO DO ONÇA

TEMPO DO ONÇA: Essa frase foi cunhada a partir do modo de atuar do governador do Rio de Janeiro, capitão Luís Vahia Monteiro, que o governou de 1725 a 1732. Os relatos dão conta que era varão honestíssimo, exigindo o cumprimento rigoroso das leis. Seu apelido era Onça. Numa carta que escreveu ao rei Dom João VI, o governador chegou a declarar que "Nesta terra todos roubam, só eu não roubo". A frase é mesmo do “tempo do Onça” se considerarmos por aqui, como hoje e há muito age a classe política.
Rigoroso sem olhar hierarquia e interesses influentes obteve forte oposição sendo deposto pela câmara dos vereadores em 1732.
Há uma outra versão, mas me parece que essa é a verdadeira.



Saio da escola, não me adapto de modo nenhum à caneta com pena dura, troquei várias e sempre há borrões, diferenças nos garranchos entre o excesso de tinta e pouca tinta. Insiro de novo no potinho cheio da carteira e a mesma coisa.
Mas, dia desses eu achei uma Parker 21, caneta tinteiro famosa carregada com a tinta Parker Quinck. Uma evolução. Somente depois é que teria uma Parker 51, o suprassumo.
Mas, antes, apareceram as esferográficas, canetas pequenas, muito ruins, que liberavam tinta no papel e nos dedos. Por isso, eram rejeitadas e descartadas. Não teriam futuro...
À tarde dava uma chegada no bar do “seo” Pedro para assistir um pouco de televisão, torcendo para que exibisse desenhos do pica-pau ou qualquer outro. No fundo do bar, algumas cadeiras arrumadinhas, voltadas para a televisão. Quem quisesse, sempre que ligada – e não era muito – poderia se assentar por ali e passar o tempo vendo aqueles primórdios da televisão Tupi.
Aparelho grosso, preto e branco repleto de válvulas que demoravam a esquentar e trazer a imagem. Cinco minutos.
Muitas manhãs, quando possível, e à tarde, a molecada entrava por quase um caminho beirando a estrada de ferro e mais à frente, havia uma passagem que dava acesso para uma das principais vias da cidade. Ficávamos por ali vendo os trens se aproximarem como se fosse monstros até que alguém teve a idéia de colocar moedas sobre os trilhos e esperar o resultado. O trem passava a toda e as moedas saiam lisas. Algumas mais arrumadinhas viravam chaveiros.
Não contente em ficar por ali, naquele meio perigo, uma manhã avançamos nos rumos dos trilhos e chegamos mais próximo da estação. Os seguranças apitaram e vieram com tudo. Corri feito doido e pulei o alambrado e escapei. Na descida da cerca, minha camisa enroscou naqueles ganchos e virou trapo. Como explicar em casa. Camisa esfarrapada, desculpa esfarrapada.
Os outros moleques foram “detidos” e levaram um sermão daqueles porque era realmente uma área perigosa.
A minha sensação de êxito ao tomar o trem na estação de São Caetano e descer na estação da Luz e pagar o aluguel na rua Florêncio de Abreu e breve exploração do Jardim da Luz, então arrumadinho.
A sorte de não ter ingressado na Escola Vocacional de uma grande empresa de bebidas, depois de seis meses de curso pré-admissão. O alívio veio mais tarde ao descobrir outras alternativas de vida.
Não demoraria muito e fui trabalhar numa multinacional no Ipiranga, do ramo automobilístico de “faz tudo”, boysão que era.
Espalhadas pelas mesas as calculadoras “facit” de última geração, as máquinas de escrever modernas da mesma marca eram para mim um mundo novo.
Comunicações com a matriz na Europa a maior parte das vezes por telegrama, porque só havia uma linha telefônica, da antiga e inoperante CTB.
Depois os telex.
As cópias eram extraídas nas velhas heliográficas cuja matéria prima era amoníaco e a matriz papel vegetal.
As circulares em mimeógrafo predominantemente a álcool, com a matriz datilografada num carbono no verso da página.











E finalmente, para cópias de documentos havia a famosa thermofax que utilizava papel próprio, tipo fax de hoje (que também já está saindo de moda) de cor de abóbora numa das faces e ali era impresso o documento copiado.
A máquina de fotocópia exigia local a meia luz e demorava vários minutos por documento.
Tempo do onça.

Sou do tempo das máquinas de escrever capengas. Sempre apanhei delas. Quando advoguei em Santo André, já não tão do onça assim, mau datilógrafo, com muito cuidado ia datilografando petições com várias cópias em carbono. Erro grave no meio da página, tudo haveria que ser recomeçado. Muitos socos dei na minha máquina de escrever inocente.
Quando me aproximei dos computadores – após a quebra da reserva de mercado porque com essa política, os computadores eram gracinhas (microdigital e outros) - quantos textos perdi, por falta de memória da máquina ou toque numa tecla errada. Por isso, anotava num papel qual a utilidade de cada uma.
Tempo do onça
Hoje com o “pen drive” e o celular o escritório está onde esteja um computador que possa ser conectado.
Cada vez com maior rapidez o tempo avança e o tempo continua sendo o do onça. Amanhã de manhã porque as tardes são mais curtas.
Fotos
(1) Rua Florêncio de Abreu, década de 50. Fonte: Blog "São Paulo antiga".
(2) Modelo de “thermofax” do tempo do onça. Veja a moda da secretaria...
(3) Apanhando da máquina de escrever

20/03/2011

MISTURA FINA: a palavra "tsunami”, a Lua, “Os Sertões”, “frase caipiracicabana”

A palavra “tsunami”

Quando se deu a tragédia na Ásia em 2004, a palavra mais utilizada nos meios de comunicação foi “tsunami”, de origem japonesa.
Por que não maremoto?
Meio incomodado pelo seu uso comum de novo com a tragédia no Japão, num momento dado, me deparei com a coleção “Enciclopédia Exitus de Ciência e Tecnologia” e avancei para conhecer nela o significado mais pormenorizado de “maremoto”
Não há nada de novo neste mundo, salvo o que for descoberto!
Vejam a definição de maremoto nessa enciclopédia - edição de 1981:

"Agitação violenta das ondas do mar, ou do oceano, em consequência de movimentos sísmicos que ocorrem na crosta suboceânica . As ondas agitadas por essa causa podem atingir grande altura e grande velocidade (cerca de 700km/hora), e, como consequência, podem adquirir enorme ação destruidora.
Quando os maremotos ocorrem à pequena distância do litoral, os vagalhões, com mais de 20m de altura e mais de 1km de extensão, investem violentamente contra a faixa costeira, destruindo tudo o que encontram em seu caminho. Nesse sentido, são dignas de registro as ondas de extraordinária extensão e de formidável energia destruidora que ocorrem na faixa ocidental do Oceano Pacífico, e que assolam o litoral da Ásia, particularmente do Japão. Estas ondas têm o nome japonês, porém internacionalmente adotada, de tsunamis (de tsu, porto, e nami, onda e mar)."


Eis aí os tsunamis mencionados na definição de maremoto. Termo internacionalmente adotado! Revelação numa publicação de 1981! Ignorante é o que ignora...

Lua cheia e luar

Hoje, sábado, espero ver a Lua no seu perigeu – o ponto em que o astro mais se aproxima da Terra – ou a apenas 356, 5 mil quilômetros. Vi pouco, entre nuvens.
Este é também um espaço de poesia
Neste meu canto que serve para tudo, para escritório, para reflexão, ouvir à noite resmungos fantasmagóricos de minha cadelinha já morta na janela, sou sempre instado a me voltar para a Lua quando presente lá encima.
Tenho para mim que se trata ela de prova presente do universo infinito ao alcance dos olhos, sem necessidade de telescópio. Ora, mas e o Sol? Ele brilha tanto que não pode ser encarado olho no olho, salvo em alguns momentos do dia com muita restrição. Já a Lua não, a Lua pertence à noite e reflete com serenidade a luz do Sol.
Aliás, seleno, palavra que se refere às coisas da Lua (“Selene”, em grego significa Lua), tem muito a ver com sereno, aquele estágio interior nosso que se refere à paz e à tranquilidade.
A noite pode significar a paz e induzir à reflexão, ao amor presente, à angustia de sua perda, lembranças que não se apagam.

Desperta-me ó luz prateada
Brilho tépido, candente, o luar
Obriga-me a desfrutar do seu momento
Da graça, do amor e da nostalgia
Convida-me a olhar para fora do que sou
Indago assim inspirado o que há além
Sua luz não esconde os piscares infinitos
Da Terra aprisionado o bastante
O peso do meu tempo, bem sei, não permite,
Tocar na sua fronte, tão perto e tão distante.


Os Sertões de Euclides

Devagar comecei a ler “Os Sertões” de Euclides da Cunha, a partir do capítulo “O Homem”. Antes tarde do que nunca.
Mas, depois dessa parte, voltarei para o capítulo “A Terra”.
Estou gostando muito.
O grande escritor nessa sua obra imortal, faz revelações surpreendentes.
Entre muitos episódios descritos com sua precisão reverenciada, ele destaca a influência paulista naqueles sertões norte-nordestinos bravios, descrevendo os horrores da seca já então.
Curioso que num tópico, sob o título “Os jagunços: colaterais prováveis dos paulistas”, informa que os desbravadores deste Estado migraram àqueles “rincões longínquos”, formando colônias numerosas desde o século XVIII.
De que não são culpados os paulistas? Até dos jagunços que seriam seus parentes próximos, descendentes.
Quando concluída a leitura, voltarei até para refazer o texto sobre “Os Sertões” numa crônica que denominei “Dos livros que não consegui (ainda?) ler” de 17.10.2010 neste Temas.
O texto abaixo foi extraído de antiga crônica que escrevi, citando trecho do livros de Euclides da Cunha (A Terra), referindo-se sobre as técnicas dos “fazedores de desertos”:

"Esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável – o homem. Este, de fato, não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nós, nomeadamente assumiu, em todo o decorrer da história, o papel de um terrível fazedor de desertos. Começou isto por um desastroso legado indígena. Na agricultura primitiva dos silvícolas era instrumento fundamental – o fogo"
A citação acima, refere-se aos desertos provocados na região do nordeste com as queimadas praticadas de modo desastroso que, ao longo do tempo, foram devastando imensas áreas de "flora estupenda".
Não foi ela extraída de algum manual de entidade ecológica, entre tantas nacionais e internacionais que criticam a omissão brasileira na questão das queimadas havidas na floresta amazônica. Ela é de autoria de ninguém menos que Euclides da Cunha, ao estudar "a terra" em seu livro "Os Sertões", cuja primeira edição apareceu em 1902.
Esse consagrado autor, já então no início do século, demonstrando certa perplexidade e amargura, apontava o absurdo das queimadas para abrir espaços para a atividade pastoril ou "ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro".


Frase caipiracicaba pura

(Ouvida no trajeto Piracicaba – SP num ônibus da “Piracicabana”):
Duas mulheres falando e falando muito em caipiracicabano carregado. Uma delas: “Noi precisa levá os travisseiro porque doi a costa”.
Só digo que mesmo com "liberdade poética", doeu forte nos ouvidos. Eta nois.

"OS SERTÕES" de Euclides da Cunha: Comentários sobre esse livro clássico serão encontrados na crônica "Dos livros que não consegui ler (ainda)...e os já lidos" de 17.10.2010.


Fotos / Imagens

A figura foi extraída do livro "Os Sertões" edição de 1952 da Livraria Francisco Alves. Autor: Ib Andersen;

As fotos e a figura, foram obtidas via Google.

13/03/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (III)

Dia 14 de março é o “dia da poesia”. Divulgo mais algumas escritas ao longo do tempo. Perdoem-me poetas.
Já expliquei que não são inéditos já os tendo divulgados em crônicas minhas.
A que mais gosto é “Etéreos”.

ETÉREOS








Nessa de desânimo
apatia
Não sei o porquê
de tal melancolia
(ou nostalgia?)
Desmedida

Sei não!
Cadê a Inspiração
os elementos Etéreos?
Clamo, pois, só, no (meu) deserto
Respostas não vêm
Ilusões não há (mais).

Miro margaridas murchas
(bem-me-quer, bem-me-quer!)
Que se preparam para semente
Sinto o sol...
mas não me aqueço.
Num momento, surpreso
confuso
Sinto o Etéreo, porém.

Uma manchinha azul
No éter
Vindo, chegando, esvoaçando!

Ora, uma simples...
Borboleta...azul!

Ela dança nos meus olhos
Solene, encantada, frágil
magnífica, rebrilhante...
E pousa, então...
na margarida
a mais desfeita
na gema amarela.
(apenas três pétalas ressequidas)

Apreendi logo
o valor da escolha...
Da borboleta azul
Etérea
tão tênue
tão efêmera
Bem vinda...

Porque na margarida
murcha
na gema
Ela sentiu a vida
(ainda)

Assim falava ela
a borboleta azul
Etérea
na minha nostalgia
(ou melancolia?)
Naquele dia...


CONTRADIÇÃO E SILÊNCIO

A vida caminha pra frente
Sucedendo-se o dia-a-dia feliz ou triste,
Não há sequer uma garantia
Nessa sequência de luta sem nexo (ou sadia ?)
Sinto que há nesse vai-e-vem
Valores interiores, superiores, sutis.
Como descobrir o que exprimem
Se os embates da luta me reprimem ?
Parece que essa luta sadia (ou doentia ?)
Não começa no sexo e termina na morte:
Há mensagens fortes nessa contradição
Que só a Alma silenciosa possibilita audição".




ENTARDECERES


Chega a pouco o entardecer
Já chegara a hora da “ave-maria”
Já escapam os morcegos dos ninhos
Ouço no éter o som dos sinos
Na mesma hora da meditação,
Pássaros inocentes se abrigam
Seja sob o sol que se esconde
Ou sob as bênçãos da chuva
Neste instante, a paz, haveria,
Mas, encho-me de angústias e dúvidas
Por que a tudo perseguir?
Onde se perderam os ideais?
Surpreendo-me, por avançar nas coisas da vida
Pela constância dos entardeceres que vão
Nada igual aos de ontem, mas iguais
Há um sentido de perda e emoção
Que me faz no silêncio soluçar,
Incompreendo essa ânsia do quase choro
Alerta-me sempre tênue chama do fundo d’alma
Que esses entardeceres com hora marcada
Tal qual imagens que me vejo no espelho
Se sucedem, não voltam e, aos poucos, fenecem.



Fotos/Imagens: Google
Flor Sempre-Viva

06/03/2011

OUTROS CARNAVAIS

Lá fui eu, naqueles tempos, num baile de carnaval, num clube tradicional com amigos.

O salão estava enfeitado por grandes máscaras risonhas. Numa delas, vermelha e preta, uma boca enorme, saiam notas musicais. Não havia como não encará-la naquele semblante bem feito e bem humorado.

A folia já havia começado. Estanco me vendo meio sem jeito entrando naquela roda doida, cantando no meio daquela turma toda, será?

Turma geralmente bem comportada, apenas um esbarrão aqui, uma mão boba ali mas tudo fazia parte do refrão. As meninas de calça comprida, nada de shortinho!

Indeciso entre a minha timidez e meu desajeito para aquilo tudo, sabendo que não conseguiria pular e cantar as músicas sucessos de sempre, desligar-me de todas as minhas indagações próprias daquela idade tão cheia de alternativas, de florescimentos.

Estou boquiaberto com o som e a alegria de tantos quando recebo um punhado de confete no rosto. Uma quantidade razoável desceu goela abaixo. Vi a autora da proeza.

Uma menina bonitinha, morena, cabelos soltos de quem recebi um aceno delicado.
Talvez quisesse apenas compartilhar sua alegria com alguém que estivesse fora da roda. E provocá-lo para que nela entrasse.

O chão estava forrado de confetes. Catei um monte e esperei que com a volta da roda ela chegasse. Devolvi os confetes em seu rosto. Ela fechou os olhos, riu lindamente e seguiu empurrada pela roda saltitante.

Todos se esgoelando:

“Mamãe eu quero,
mamãe eu quero,
mamãe eu quero mamar.” (...)

Oh! jardineira porque estás tão triste?
Mas o que foi que te aconteceu?
Foi a camélia que caiu do galho,
Deu dois suspiros e depois morreu. (...)

Foi numa casca de banana que pisei, pisei,
Escorreguei, quase caí,
Mas a turma lá de trás gritou: Chi!
Tem nêgo bêbo aí! Tem nêgo bêbo aí (...)

Bandeira branca, amor
Não posso mais.
Pela saudade
Que me invade eu peço paz. (...)


E nesse enlevo todo, o baile se encerrou e não a vi sair e não mais a vi. Talvez não morasse na cidade.

No dia seguinte, na mesma hora, circulei pelas imediações do salão esperando pelo menos revê-la.

Mas, nada.

Resolvo ir embora, aguardando a quarta feira de cinzas que era ainda, por muitos, respeitada como dia religioso. Lembro-me que naquele passado mais distante, nas primeiras horas, uma tia recolhia cinzas do fogão a carvão e na rua as jogava para trás, pelos ombros, sem olhar para onde se espalhavam, num ritual muito próprio dela. E com esse gesto convidava a todos a uma oração rogando perdão pelos pecados e agradecimento pelas graças recebidas.

Nunca entendera bem o porquê das cinzas, até que um dia, no último ano do curso primário, uma professora explicara que as cinzas representavam a ideia da mortalidade, do pó, “ao pó voltaras”, nesse momento em que se extinguem todos os orgulhos e todas as vaidades.

Vou me afastando do clube, ouvindo claramente as mesmas músicas carnavalescas do baile da terça-feira, o derradeiro. Já distante, como se fosse uma ruptura àqueles sons alegres todos deu para ouvir os acordes chorosos do samba-canção “Fechei a porta” sucesso estrondoso do cantor Jamelão:

Eu não quero mais amar
pra não sofrer ingratidão
depois do que eu passei
fechei a porta do meu coração

Eu dei pra ela todo o carinho
e no entanto acabei sozinho.
(*)

Sozinho numa terça-feira de carnaval podia até ser verdade, mas a porta do coração estava escancarada.

Que entrasse a paixão sem bater e se esquentasse nas luzes que irradiavam no peito.

Tantos anos depois, essa música sempre me volta pelos carnavais da vida como uma homenagem daqueles tempos de amor e graça.


(*) Composição: Sebastião Motta/ Ferreira dos Santos

Imagem/Fonte: http://artigosedwardsouza.blogspot.com/2010/02/saudades-dos-antigos-carnavais-velhos.html

20/02/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / LUXÚRIA

Explicação:

Quando iniciei esta série, a partir do “pecado da Gula”, fiz referência a duas autoridades cristãs, ao teólogo e monge João Cassiano (370-435) e ao papa Gregório Magno (540-604), que viveram nos primórdios do cristianismo. (1)
São considerados sábios. Os elementos de que me valho para fundamentar as conclusões que agora faço sobre a luxúria, um dos sete pecados capitais – talvez na sua concepção original, um dos mais graves – porque naqueles idos já havia defensores do celibato entre os sacerdotes - foram inicialmente obtidos nos dicionários, o seu significado corrente:

LUXÚRIA:

Dic. Caudas Aulete: “Sensualidade, lascívia, dissolução dos costumes, corrupção”; Dic. Aurélio: os mesmo sinônimos, incluindo “libertinagem”; Dic. Houaiss “interesse incansável por prazeres carnais”.

Pode-se concluir, então, que a luxúria, numa definição mais atual, seriam os “excessos carnais”?
Se sim, tudo em excesso não transborda da racionalidade?
Assim a gula, o desejo descontrolado de se alimentar; a avareza, aquele sentido de reter bens e dinheiro como se pudessem ser transportados além túmulo e a preguiça que se transforma em indolência, apatia.
Pois aqueles religiosos citados não teriam sido moderados em condenar os prazeres sexuais, apenas os excessos, hoje tão comuns que nos assombra no dia-a-dia? A pedofilia, a homossexualidade (nesta crônica me refiro à relação homem-mulher que eu conheço), a pornografia nos seus estágios mais abusados...

Porque, fora da luxúria, há relatos bíblicos de admirável beleza sensual como se constata no capítulo “Cânticos dos cânticos” (capítulo 7):

1 Quão formosos são os teus pés nas sandálias, ó filha de príncipe! Os contornos das tuas coxas são como jóias, trabalhadas por mãos de artista.

2 O teu umbigo, como uma taça redonda, a que não falta bebida; o teu ventre como monte de trigo, cercado de lírios.

3 Os teus dois seios são como dois filhos gémeos de gazela.

4 O teu pescoço como a torre de marfim; os teus olhos como as piscinas de Hesbom, junto à porta de Bate-Rabim; o teu nariz como torre do Líbano, que olha para Damasco.

5 A tua cabeça sobre ti é como o monte Carmelo, e os cabelos da tua cabeça como a púrpura; o rei está preso dos teus encantos.

6 Quão formosa, e quão aprazível és, ó amor em delícias!

7 A tua estatura é semelhante à palmeira; e os teus seios, os teus seios são semelhantes aos cachos de uvas.

8 Dizia eu: Subirei à palmeira, pegarei em seus ramos; e então os teus seios serão como os cachos na vide, e o cheiro da tua respiração como o das maçãs.

9 E a tua boca como o bom vinho para o meu amado, que se bebe suavemente, e faz com que falem até os lábios dos que dormem.

10 Eu sou do meu amado, e ele é para mim.

11 Vem, ó meu amado, saiamos ao campo, passemos as noites nas aldeias.

12 Levantemo-nos de manhã para ir às vinhas, vejamos se florescem as vides, se aparecem as tenras uvas, se já brotam as romãzeiras; ali te darei o meu amor.

13 As mandrágoras exalam o seu perfume, e às nossas portas há todo o género de excelentes frutos, novos e velhos; eu os guardei para ti, ó meu amado!


Com as ressalvas da minha interpretação “poética”, essa declaração mútua de amor no texto transcrito constitui-se numa linda peça de sedução, da realidade entre homem-mulher quando apaixonados e livres.

Alguém pode me explicar o prazer intenso e desejado de um casal que se dá ao amor e ao sexo? Aquela explosão? Que fenômeno é esse? Ele instiga a relação, o encontro dos sexos opostos. Pode significar a felicidade
Mas, e a tragédia?
A luxúria desceria à libertinagem, aos excessos onde a mulher se submete e o homem a submete e se submete. Se esses excessos forem pecado, ambos não escapam.
Na imaginação de Dante Alighieri contida na obra “A Divina Comédia” os luxuriosos no inferno têm o seguinte castigo:

“Logo comecei a ouvir as lamúrias da infernal geena (*): aproximava-me já do lugar em que padecia ferozmente. Era um local privado de toda luz, que rugia como mar assolado por ventos furiosos. O furor da tormenta, nunca apoucado, flagelava eternamente as almas, agitava-as e as espicaçava, sem nunca parar. Quando à beira do abismo as precipitava, ais, choros e lamentos rompiam. A multidão de malditos blasfemava contra Deus. Ouvi dizer que sofriam de modo horrendo os que se dedicavam aos vícios carnais, submetendo a eles o discernimento.”
(...)
“Então, disse: “Mestre, que almas são aquelas que o vendaval castiga enfurecido?
Respondeu Virgílio: “A primeira entre as sombras das quais desejas ter notícias regeu nações. Decretou que a lascívia seria lícita e agradável, a fim de legitimar as torpes práticas nas quais se excedia. (...)”
(2).

Sempre soube que o celibato imposto pela Igreja Católica aos seus bispos, prática que estaria institucionalizada em definitivo e obrigatório pelo Concílio de Trento (1545-1563), se dera por conta de melhor se dedicarem à própria Igreja e à espiritualidade.
Nessa linha de idéias eis as referências contidas em Gálatas (16 -19):

16. Digo, porém: Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne.
17. Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis.
18. Mas, se sois guiados pelo Espírito não estais debaixo da lei.
19. Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: prostituição, impureza, lascívia,


Para atingir este comunhão do Espírito há que contar com grande força sempre, mas muito mais nestes tempos de sexualidade exposta em qualquer meio de comunicação. Por isso valho-me mais uma vez de outra fonte que analisa a abstinência do sexo em relação à espiritualidade e os que a praticam ser estar preparados. De Max Heindel, místico-filósofo no seu “Conceito Rosacruz do Cosmos”:

“Por outro lado, se a pessoa se dedica a pensamentos espirituais a tendência para empregar a força sexual na propagação é mínima, de forma que qualquer parte dela que não se use nesse propósito pode ser transmutada em força espiritual. Por tal razão o iniciado, em certo grau de desenvolvimento, faz o voto de celibato. Não é uma resolução fácil de tomar, nem pode ser feita à ligeira por qualquer pessoa que deseja desenvolver-se espiritualmente. Muitas pessoas ainda imaturas para a vida superior sujeitam-se, ignorantemente, a uma vida ascética. Tais pessoas são tão perigosas à comunidade e a si mesmas quanto o são os maníacos sexuais imbecis.” (3)

O livro de Heindel foi escrito no começo do século passado, quando havia recato e até mesmo a demonização do sexo. Imaginem nestes tempos em que o pêndulo solto sem controle, com violência foi para o lado oposto dos costumes, gerando a sua total erotização.
Tudo está indicando que há um apelo à moderação. Mas, eu não tenho autoridade para nada recomendar (imaginem!) até porque não sei onde ela, a moderação, se situa. Que cada um medite se está no sexo o pecado e nesse caso, qual o seu limite até a luxúria. A luz está apagada.


Referências:

1)“Gula”, 1ª crônica dos “sete pecados capitais”, publicada em 26.12.2010 neste “Temas”;
(2)“Divina Comédia” - Edição em prosa da Coleção L&PM Pocket (2006);
(3)“Conceito Rosacruz do Cosmos” – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz (3ª Edição – 1993)

(*) Geena (significado): “Local de suplício eterno, inferno” (Dic. Caudas Aulete)

Fotos:

1. Cena do filme “A um passo da eternidade” (1953) entre Burt Lancaster e Deborah Keer
2. Cena do filme “007 contra o satânico dr. No” (1962) – Ursula Andress

13/02/2011

FRAGMENTOS PATERNOS

















(Esta cônica, registro de memórias tem ligação estreita entre outras, especialmente com “Amarguras e Ternuras contidas” de 22.05.2009)

- Tá aqui outro livro. Você vai gostar. E policial e refinado.
- Mas...
- Dê uma folga nos “bang-bangs”. Afinal, você não conseguiu ler “Os Sertões” do Euclides? Esse aí vai ser fichinha.
Fanático por “bang-bang” naquelas sessões da tarde na televisão, lúcido porque sóbrio, creio que tenha adquirido esse “amor” por esses filmes, após assistir, mais de uma vez, “Os brutos também amam” (“Shane”). Se bem me lembro, uma tarde-noite, enfrentamos o trem da extinta “Santos a Jundiaí” para assistir esse filme no também extinto cine Windsor, na avenida Ipiranga, São Paulo. Chegamos em cima da hora, o cinema estava lotado. Sentamos nos degraus. Deu para ver bem o filme.
A avenida Ipiranga não era tão atribulada e até perigosa como é hoje. Nem por liberdade poética, vejo encantos na esquina da avenida Ipiranga com São João.
Lá se punha o velho na sala, na mesinha que ele mesmo fez, na frente da televisão com os pés postos numa geringonça para esquentá-los naqueles dias mais frios: uma caixa de papelão com uma lâmpada bem instalada sobre ela. O calor da lâmpada era irradiado por uma abertura esquentando seus pés.
Escrevia bem. Gostava de música clásica.
Era exímio marceneiro para objetos pequenos: a escada de 1,5 metro de peroba que durou “uma eternidade” – quando ainda havia peroba - caixas bem feitas nos detalhes –até hoje tenho caixas de documentos e uns recipientes de bambu feitos por ele onde guardo brocas de furadeira.
As inumeráveis carriolinhas que fez para seus netos, meus filhos, os caleidoscópios e, principalmente, tabuleiros de jogo de damas, cujas “pedras”, também de peroba, foram torneadas, pelo que sei, no canivete. E o jogo com dados que os jogadores avançam ou recuam nas casas do tabuleiro segundo os desígnios dos números sorteados.
Tudo no capricho total na sua minioficina, um quartinho no fundo. Ao lado umas bananeiras muito “produtivas”.
Era muito vaidoso com o relógio Rolex que ostentava com orgulho; quando dizia as horas, mencionava até os segundos. Esse relógio está comigo. Há décadas esquecido, há pouco providenciei revisão total, mas ele não vale muito, quer pelo seu modelo simples quer pela sua antiguidade. Além desse relógio, uns poucos livros foram a herança ou o meu quinhão.
No ginasial fui péssimo aluno. Não poucas vezes, minha mãe foi chamada na diretoria do colégio para ouvir as ameaças que representava seu filho para a sociedade.
Embora ele sempre incentivasse que eu estudasse, a verdade é que praticamente tudo o que estudei foi opção minha e pago por mim, inclusive, pelos resquícios do mau aluno de sempre, penei demais para me formar em direito na PUCSP.
Mais tarde, muito menos pela renda e zero de patrimônio, mas talvez pelo "crédito" que teria obtido na minha atividade estudantil e na imprensa na cidade de São Caetano do Sul fui seu avalista em valor importante o que lhe permitiu comprar a sua casa. (Ou por outra, o banco entendesse que com ele o empréstimo seria pago rigorosamente, exigindo avalista apenas para atender aos seus procedimentos).
Já com meu fusca vermelho, num descampado, dei-lhe as primeiras aulas de direção. Muito difícil, mas era ambição maior dele ter um carro e dirigir. Depois de uma dezena de tentativas obteve a carta de habilitação. Até hoje desconfio que o delegado a concedeu por puro dó.
Já bem idoso, então, não foi capaz de dirigir com um mínimo de segurança o seu carrinho. E desistiu.
Muitas vezes, ao entardecer quando passava em sua casa, lá estava minha mãe preparando algum prato que ele gostava, geralmente de carne, e escondia o chocolate dos netos vorazes, a guloseima preferida do velho.
Já começava a apresentar os primeiros sintomas respiratórios pelas décadas em que fumou.
Todas essa lembranças conservo com muito carinho e quão forte fora minha mãe que, como dizia um tio, fora ela a luz do meu pai. E de todos nós.


CARTA DE DESPEDIDA


Em 06 de setembro de 1987
Ilmos. Srs. Diretores da
Cia. Antarctica Paulista
São Paulo
Prezados Senhores:
Faleceu no último dia 4, no Hospital Santa Helena, o Sr. Dario Martins, com pouco mais de 81 anos de idade, meu pai.
Na Antarctica, ele trabalhou por mais de três décadas, de onde se aposentou há cerca de 20 anos.
Em todos esses anos, mais de meio século, essa Cia. sempre esteve presente em sua vida. Amparando-o na condição de empregado quando sofreu a terrível doença do alcoolismo, dando-lhe apoio sempre. Depois, durante todos os anos da aposentadoria com um pequeno, mas significativo auxílio e agora, no fim da vida, no Hospital Santa Helena.
Saibam que meu pai amava muito essa empresa, chamando-a, sempre que passávamos na Presidente Wilson, de “mãe”. Para ele, fora um privilégio ter a Antarctica como motivadora da maior parte de sua vida.
Para quem, como eu, com um conceito próprio sobre o mistério da vida e da morte, que o visitei, só, nos últimos instantes na UTI do Hospital Santa Helena, na cena triste e final de uma existência atribulada, mas essencialmente honesta, sensível e mesmo feliz, não pude conter a emoção pois que houve ali, um momento doce de despedida, com um leve gesto de cabeça de quem, ainda lúcido, reconhecia seu estado crítico, prestes a seguir para um estágio reparador e transcendente.
Esse momento, que se relaciona intimamente com o Hospital Santa Helena, levarei comigo para sempre.
Eis porque escrevo esta a V. Sas. para registrar meu agradecimento, sincero, emocionado, a uma entidade de comprovada grandeza a quem meu pai, ao longo de quase toda sua vida, só soube exaltar.




Foto 1: Esses lírios por muitos anos enfeitaram nosso jardim, quando morávamos em Santo André. É um símbolo daqueles tempos inesquecíveis. Por isso ele ilustra esta crônica porque infelizmente, raro, nunca encontrei bulbos e pior, não os trouxe quando mudamos.
Foto 2: São Caetano do Sul aérea, de minha juventude, onde tanta coisa vivi, fiz acontecer e aconteceu.

31/01/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (II)

Continuo nesta semana a divulgar poemas escritos ao longo do tempo. Mas, ao longo do tempo mesmo, com distância de décadas. São composições recuperadas e não revelam, eu reconheço, grande inspiração.
Já expliquei que não são inéditos já os tendo divulgados em crônicas minhas.


(V. mensagens no final desta página)



ORQUÍDEAS E BEIJA-FLORES



Eis-me aqui amargurado e pensante
Mal respirando nesse clima insano,
Tudo que exala desse meio paulista urbano
Envolto na fuligem dessas chaminés rasantes.

Que mundo é este de dura resistência !
Que mundo é este de intensa incerteza
Que mesmo à reação da pródiga natureza,
Ampliam-se os desertos por abusada inconsequência?

Que mundo é este de ganância e escuridão,
Que princípios postos pouco ou nada valem?
Se de tudo que inspira sucumbe, porém,
Nessa sanha caótica de destruição?

Reajo impotente qual um conformado perdedor
Sonhando acordado, no tráfego, quietamente,
Vendo desabrochar orquídeas no fundo da mente,
Visitadas por beija-flores em doce torpor.

E assim, no interior de minh’alma triste
Revela-se que tais doces criaturas, parece,
De Deus, são o preferido passatempo, uma prece,
E somente por essa dúvida a esperança persiste.

Esses instantes de valor e Paz perdem-se na poluição,
Sobressaltado não pela água límpida irradiando o sol,
Mas pela barulhenta abertura do farol,
Cujo verde não é o das matas que clamam proteção.


P A Z

Paz, o que significa paz, meu irmão?
Digo-lhe que é privilegiada palavra neste idioma
Por quê?
Explico:
P de perdão
A de amor... meu bom
e
Z – z do quê? quero saber...
De zênite, acredite.
Qual o significado de zênite, ora?
Digo-lhe meu caro:
Olhar de onde você está para o alto
Até onde a vista alcança o céu,
Mas, sobretudo, culminância
Da Alma
PAZ, significa, então,
Perdão
Amor
Culminância ... da alma
Acredite, meu irmão.


PASSADO PRESENTE

Se só o presente existe
O que faço com o ontem?
Dele tudo bate no peito
Na alma que se questiona
O que faço se o passado insiste?
Quando o revive saudosa a alma
No silêncio daqueles instantes
Eclode o sentimento da graça
De amor, tristeza e calma
Se o agora é o que conta
Porque a vida plena está presente
É no passado que ela ensina
E no passado que ela inspira.




ANTIGO SIM, VELHO JAMAIS

Eis-me aqui já antigo
Velho? Jamais!
Repensando atitudes insensatas
Aquelas que revivem dores e ais...

Eis-me, então, sisudo, tímido e capaz
Disso tudo, afinal, o que ganhei?
Muito daquilo que se diz desalentos
E pouco riso nas subidas que conquistei...

Eis-me agora já antigo
Velho jamais!
Encantado com o trabalho, azáleas e simples pardais
Ora, porque há que se extrair da vida meles reais,

Insisto agora com muito esforço
Superar o baixo astral dos tempos idos
Saio falando do ótimo e do maravilhoso
Meu Deus! Que tempos aqueles perdidos...

Há ranços que ficam ainda, é certo
Dos tempos velhos e dos velhos carcomidos
Mas, quem disse de velho e velhice?
Ora, eis-me aqui rindo da graça...

Pois sou somente antigo...


Imagens / Fotos: Google


MENSAGENS

1. Message to my friends in Russia: it is an honor to have you in this humble blog.

2. SOBRE AS ARARAS-CANINDÉ: NA CRÔNICA ANTERIOR (MENSAGENS & IMAGENS) CONSEGUIMOS INSERIR O VIDEO DO NAMORO OU DIÁLOGO DELAS SOBRE UM TRONCO, NA BELA CIDADE DE CAMPO GRANDE - MS. BASTA CLICAR NO INÍCIO DO VIDEO

23/01/2011

MENSAGENS & IMAGENS


Essa foto foi publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo” de 16 de janeiro último, uma cena emocionante entre tantas outras havidas na tragédia que se deu na Região Serrana do Rio de Janeiro. A legenda curta simplesmente diz que “nem a morte afasta o amigo”, acentuando que tentaram tirar o cachorro vira-lata do Cemitério de Teresópolis que há dois dias estava ao da sepultura 305, “onde foi enterrada sua dona Cristina Santana”.
Há muitos outros casos semelhantes e mais radicais do que esse apego do cão ao seu dono. Sempre me chama a atenção o cão vira-lata que, fielmente, segue seu dono ou protetor, seja ele um indigente, catador de papel, magro tal qual o seu senhor, dividindo as migalhas, mas, jamais, faltando com a lealdade. Ele é leal, mesmo sob pancadas. Nessas desfeitas, seu olhar é tristonho, ressente-se da reciprocidade não recebida nessa relação. Mas, continua caminhando junto ao seu dono

Eu já escrevi sobre isto. Tive duas vira-latas no meu quintal, mãe e filha. A primeira foi adotada porque perambulava pelas ruas. É dela a expressão de humildade. A segunda nasceu nele e mais do que eu ela se apegou a mim, a Preta. Foram 17 anos de convivência e aquele amor incondicional, como já relatei. Ela precisou ir atacada por insidiosa doença. Nunca imaginei que naquele momento que não tive coragem de assistir o nó na garganta, escondido no meu escritório, se convertesse em soluços amargos. Aquele sentido de perda que ainda me afeta porque parece que ouço às vezes seus fungos, seus reclamos de minha presença, pelos cantos da janela do meu escritório de casa ao anoitecer. Ou seu espectro no quintal. Passados já alguns meses de sua morte, minha penitência por tudo o que não fiz, que não retribui é essa: sou eu quem, no cemitério virtual, me deito ao seu lado com emoção. Há aquela frase referencial de Antoine de Saint-Exupéry na sua obra-prima “O Pequeno Principe”, que pela voz da raposa transmite séria advertência: “você é responsável pelo animal que domestica”. Tenho minhas dúvidas se não há alguns animais que têm certa responsabilidade sobre nós pelo amor que irradiam.

O diálogo (ou o namoro?) de araras-canindé

Em Campo Grande – MS, meu filho Eduardo Pimentel Martins, filmou num entardecer o diálogo de duas araras-canindé, deixando registrada a cena no endereço abaixo. Basta clicar sem medo.


Dá um sentido de liberdade, de pureza e esperança. Há quadros em que singeleza é mais eloquente que aqueles requintados.

Texto adaptado da Wikipédia: Essas aves estão sempre em grupo e são barulhentas mas pousam silenciosamente. A arara-canindé está ameaçada de extinção por conta do contrabando e pelo comércio ilegal de aves. São aves muito procuradas como “de-estimação” pela docilidade, beleza; possuem certa capacidade de fala. Uma vez que formam casal, não mais se separam e botam cerca de 3 ovos e chocam entre 27 e 29 dias. Em cativeiro, vivem aproximadamente 60 anos.

Estatísticas

Este blog correu o risco de ser extinto porque pouco acessado após implantado, salvo pelos meus amigos. Incentivado por alguns deles, fiquei mais um pouco inserindo na média uma crônica por semana. Já são mais de cem inserções. A estatística desde maio de 2010, disponibilizada pelo próprio blog, revela o seguinte até janeiro: 5732 vizualizações de páginas tendo a fábula “A vaca e o leão” 1.558 acessos. Em seguida, “A vida secreta das plantas” (386). Das visualizações do exterior, destacam-se Portugal (286) e Estados Unidos (180). Há até acessos do Iraque, mais creio que sejam casuais, mesmo que honrosos. No que se refere ao blog de “Artigos”, no qual revelo minha “face nervosa e inconformada” por todos os abusos que consomem o país, os acessos são em menor quantidade, até porque os instrumentos de busca (Google) remetem tais artigos para o portal www.votebrasil.com. Na verdade, esse blog de “Artigos” é um backup do “Vote Brasil”. Também desde maio de 2010, das 1750 visualizações, o “Bullying” é o mais acessado, 448 vezes. Quanto aos acessos do exterior, os Estados Unidos vêm em primeiro lugar (156) e Portugal em seguida (56) Por causa dessas vizualizações continuarei passando recados, bons e ruins. Minhas homenagens

16/01/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / PREGUIÇA



Para mim, a preguiça no dia-a-dia é um pecadilho.

Sei que tenho que fazer hoje, mas adio para quando der vontade ou quando não há mais jeito.
Os dicionários a conceituam como aversão ao trabalho, ócio, lentidão. (1)
Esses sábados à tarde em que a modorra bate forte:
- É preciso cortar a grama!
Penso:
- Ah, não. Vai chover quem sabe amanhã.
No domingo a preguiça bate mais forte, naquelas tardes intermináveis, véspera de segunda-feira implacável.
- Na semana que vem. Preciso arrumar os fios...Agora vou tirar uma soneca e viajar por mundos insondáveis...

Há tempos – naqueles meus anos de multinacionais com dedicação exclusiva até o dia em que descobri que não era “imortal” e saí da última com marca indelével da sola no assento - assisti palestra interessante. O palestrante dava vivas às segundas-feiras porque a vida “retornava ao normal”.
Ele sabia, tanto quanto eu, que o fim de semana nos libertava da “escravidão”, mas por isso a segunda-feira nos alertava que ela haveria que repor os grilhões. Já que assim era, haveria que comemorar.
Há muitos anos inspirado por uma cena inusitada de um indigente deitado exatamente na porta de agência da previdência social, cena emblemática – se tirasse, seria foto premiada - inspirei-me numa poesia que a certo ponto dizia:

Na estreita calçada da suja rua
Deitado e dormindo ao frio relento,
Eis um triste indigente, pele nua
De vida inexplicável, tal tormento.


E terminava assim:

“Sem amor nenhum, sem ideal
Lá esta o indigente sem viver,
Que teria cometido assim fatal,
Para tão grande castigo merecer?”


Em Provérbios 6.6-11 é bem clara a condenação à preguiça atribuindo a ela o castigo do despojamento. Lê-se:
“Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, olha para os seus caminhos, e sê sábio”
“A qual, não tendo superior, nem oficial, nem dominador” (refere-se a patrão, de um modo geral);
“Prepara no verão o seu pão, na sega ajunta o seu mantimento”
“Óh! preguiçoso, até quando ficarás deitado? Quando te levantarás do teu sono”
“Um pouco de sono, um pouco tosquenejando (cochilando), um pouco encruzando as mãos, para estar deitado”
“Assim te sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a tua necessidade como um homem armado.”

Esse texto de Provérbios dá a exata dimensão da célebre fábula de Esopo, a “A cigarra e a formiga”. Só que o grego Esopo vivera no século IV antes de Cristo. O final "dance agora" está muito próximo do versículo 11 acima ao advertir que a pobreza do preguiçoso significará o golpe de um ladrão e as necessidades serão satisfeitas pela mendicância com muitas negativas e ofensas, como se deu com a cigarra.
Eis a fábula com tradução de Bocage (Portugal, 1765-1805):

Tendo a cigarra, em cantigas,
Folgado todo o verão,
Achou-se em penúria extrema,
Na tormentosa estação.
Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.
– Amiga – diz a cigarra
– Prometo, à fé de animal,
Pagar-vos, antes de Agosto,
Os juros e o principal.
A formiga nunca empresta,
Nunca dá; por isso, junta.
– No verão, em que lidavas?
– À pedinte, ela pergunta.
Responde a outra: – Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.
– Oh! Bravo! – torna a formiga
– Cantavas? Pois dança agora!
(2)

Fui obrigado, nos meus tempos de ginasial, a decorar e recitar essa fábula em francês – verdadeira tortura. Até hoje guardo na memória quase seu texto integral.(3)
Bem, é o que tinha que dizer sobre a preguiça que pode ser um pecadilho ou o pecado capital.
Quantas vezes não me comprometo nesse pecadilho, porém.
Até segunda-feira, após espreguiçar-me (epa), ai, ai, ai!

Referências:

(1) O animalzinho “Bicho-Preguiça” ilustra a abertura desta crônica porque mais do que qualquer outro, sua lentidão é significativa para bem situar o tema. Mas, essa lentidão é de sua natureza, tendo como ponto negativo o de facilitar a ação de predadores quando não bem escondido entre as folhagens.(Foto: free2use.it.com).
(2) O texto da fábula de Esopo e a figura foram extraídos da Wikipedia. O texto tem outras fontes.
(3) A mesma fábula “A cigarra e a formiga” recontada por Jean de La Fontaine (França, 1621/1695) em francês:
La Cigale, ayant chanté
Tout l'été
Se trouva fort dépourvue
Quand la bise fut venue:
Pas un seul petit morceau
De mouche ou de vermisseau.
Elle alla crier famine
Chez la Fourmi sa voisine,
La priant de lui prêter
Quelque grain pour subsister
Jusqu'à la saison nouvelle.
Je vous paierai, lui dit-elle,
Avant l'août, foi d'animal,
Intérêt et principal.
La Fourmi n'est pas prêteuse:
C'est là son moindre défaut.
Que faisiez-vous au temps chaud?
Dit-elle à cette emprunteuse.
Nuit et jour à tout venant
Je chantais, ne vous déplaise.
Vous chantiez? j'en suis fort aise:
Eh bien! dansez maintenant!

09/01/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (I)

Já disse que nem nos poemas tenho vislumbres daquela inspiração que até uma pedra se torna musa. Acho que é o “juridiquês” que me atormenta, que me persegue. De qualquer modo, em quatro ou cinco etapas, estarei divulgando tudo o que tentei nessa arte tão especial que é a poesia. Elas estarão misturadas, pelo que haverá momentos - em épocas que se perdem - místico-religiosas, sensuais, de paixão, ecológicas...
Muitas já ilustraram crônicas neste “Temas”, pelo que são conhecidas, muito.
Estas primeiras revelam essa miscelânea de sentimentos.
Grandes inspirações? Haverão que buscar em outras plagas!


ONDAS DE VIDA


Num longo dia da misteriosa criação,
Criou Deus as águas, as árvores, a flor
Sabia o Criador com viva emoção
Que tal grande acervo era, por tudo, amor.

Noutro dia da gloriosa criação
Criou Deus seres viventes, as aves, os animais,
O paraíso já verde, multicolorido, em ação
Resplandecia azul nos céus com claros sinais.

Criou Deus, por fim, à Sua imagem e semelhança
Nele inserida a chama, o sopro da luz divina,
Este Homem interior inscrito na esperança
Que no caminho do amor e ventura destina.

Assim porque achou Deus que era bom
Ambientado o homem no encontro da eternidade,
Havendo uma só harmonia, num mesmo som
Ondas de vida da mesma fonte, diversa a idade.

Multiplicam-se nos tempos essa chama,
Diferindo da origem, pelo chão amealha,
Acumulando pecados que o egoísmo inflama
Fez do paraíso um campo de batalha.

Gozando os prazeres e vícios do exterior,
Vaga sem rumo, colhendo dores e pesada cruz,
Atenua no íntimo sua origem rósea
Esquece que do fútil, do vício, o nada produz.

Desatinada existência de muitas intrigas,
Não bastassem os ódios que expõe permanente
Investe feroz sem respeitar vidas amigas
Às outras criações, milagres da Divina Mente.

Ignora que a insensatez e a vantagem temporal,
Atrasam o despertar do lume interior
Em verdade, o paraíso que existe universal
E a bênção sutil de elevado valor.

Pois, os milenares dias da milagrosa criação
Nos tempos tem lugar certo e final perfeito.
São (somos) ondas de vida em franca evolução
Que obrigam nosso justo andar e vivo respeito.


ÉS JOVEM SESSENTÃO








És jovem, meu sessentão amigo !
Andas por aí tal qual profissional
Caminhando de cá até lá, encolhendo a barriga,
cabelo tingido (!?)
Se jovem és, amigo, és também antigo (!?)

Vê-se em teu rosto sulcado, marcado, maduro
Linhas passadas da alegre juventude, sem regras,
O olhar feliz, para frente, sorridente, ardente
Sem pensar no tempo, na vida, no futuro (?)

Da não eterna primavera solar, juvenil
Haverá um tão próximo dia que a vida cobrará,
Vislumbrando teus olhos (perplexos) o outono
E, amargura, mais adiante, o inverno senil.

Reconheço, sim, valor enfrentá-lo animado,
Uma ilusão de que a juventude se estende
E os choques reais, amenizam-se com lembranças doces,
Persiste o amor à vida – o existir digno, alinhado.


Diz-se que a velhice reside na mente
Ao refletires, porém, sobre a vida – ó jovem,
Não esqueças que algum dia ela se esvai
Mas, tal uma sentença ... pode ser adiada, somente.


POETA BEBERRÃO

Ah ! poeta falsificado
triste e doido beberrão;
rei da histeria tola
o que pensas da poesia ?
Julgas que diante dos copos ,
da garrafa vazia,
encontraras a musa do amor ?
enganado estás meu caro medíocre !
a musa imaculada que buscas,
aquela que o verdadeiro poeta canta,
não está no brilho d’uma garrafa,






Ilustre beberrão !
Porque a musa doce e bela
a pura e límpida impressão,
É a alma limpa que chama
É o espírito são que revela...
Ilustre beberrão.


PRESENTE, PASSADO E FUTURO







A tarde é cinzenta e fria. É outono

Bate forte o vento na janela entreaberta
Estas tardes melancólicas de sábado
me fazem viajar no tempo
E anoto quão ele é inexorável
de estação em estação.

Ligo o passado jovem com o presente
Sou eu mesmo, pena que sem mais ardor
Projetos mirabolantes, belezas utópicas,
Sem mais as ilusões de mudar
com discursos o mundo,
Nem parece verdade todo esse trajeto.

Que posso dizer disso tudo, afinal?
Que tenho saudade do feito e do não feito?
Contabilizando os trens que passaram
sem que embarcasse?
Pelas oportunidades e o tempo desperdiçados?

Não sei bem o que sinto, na verdade.
Só sei que tal ligação passado-presente
Está aqui comigo, n’alma,
E me desperta a cada dia
Quem fui, quem sou e quem serei?

Quem sabe um idealista que queria
mudar com discursos o mundo,
Lamentando os trens perdidos
Que me levariam...para onde?
Amargo com muito dó...
Olho do alto da maturidade
Serena e...mais além...
Lá serei uma lembrança remota
cuja presença se perderá no pó...

Inexorável!


PAIXÕES

Um rosto, um olhar
A convivência, a presença
A insistência
Eis que da empatia
Floresce a simpatia
O amor e, mais além
A paixão
Explosão,
Brilham luzes internas
O coração irradia
A doçura do desejo,
Que clama
Reclama
A presença
A convivência
Um abraço, um beijo
O amor abrasado
Intenso,
Que se esvai
No silencio
Na ausência
Do olhar, do rosto, da presença,
As luzes que se apagam
Uma esperança
Que se perde,
Uma ilusão ardente
Uma lembrança.




Fotos/Imagens
1. Criação, obra de Michelângelo - Capela Cistina - Roma
2. Idosos: http://gericareatendimentos.blogspot.com/
3. "Cultura cervejeira": Autor João Werner (http://www.joaowerner.com.br/)
4. Tempo: http://www.blogdosempreendedores.com.br/
5. Paixão: Idílio, de Willian Zadig - Largo de São Francisco - SP

03/01/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / AVAREZA

(Sobre a origem dos 'sete pecados capitais' voltar para a crônica anterior "a gula") Do alto de tantos anos, não me deparei com a avareza na acepção da palavra. Neste sentido exato: “apego demasiado e sórdido ao dinheiro; desejo imoderado de adquirir e acumular riquezas.” Talvez porque nunca me relacionei com a riqueza média e soberba. Fortes tendências vi ao longo do exercício de minha profissão que essencialmente trata de direitos sobre patrimônio e valores. Não sei até que ponto essa riqueza imensa se apropriou de meios da sociedade de modo não honesto. Dá para desconfiar O que me ocorre, neste País e que caracteriza a avareza, se dá no meio político e em alguns setores sociais, a corrupção desregrada que se apropria por todos os meios e engenhos de recursos públicos. E o pior: esses facínoras de gravata não se contentam com pouco. Saciam-se apenas com valores vultosos, a ponto de tirar da boca de crianças carentes, sua merenda ou diminuir recursos da saúde, educação e saneamento aos mais necessitados. Inclui-se, mas num nível marginal na acepção do termo, o trânsito das drogas e para que tal se dê, com a liberdade que até agora ocorre, claro que há imensa rede de corrupção que se beneficia do vicio e da destruição psíquica e moral do viciado e família. A preço do vil metal. E o pior é que esses desonestos e marginais se julgam imortais tal a quantidade de abusos que praticam. Como se todos os seus crimes e lucros que deles provém serão usufruídos sem limites, quando na verdade nada sobrará da herança quando da consecução da mortalidade. Diria que esse quadro faz parte da natureza humana, neste mundo desigual, que estimula certas personalidades à experiência e ao aprendizado, mesmo que vivendo num estágio ainda abaixo da intuição média, o que não evita a delinquência, o roubo e o assassínio. Temos que conviver com essa horda, ajudar no que possível com exemplos aos que beiram a criminalidade na tentativa de alertar sua censura (consciência) ou a combater e mesmo punir como penitência. Tudo parece óbvio. Há notícias esparsas que vêm se repetindo aqui e acolá de atos de caridade praticada por muitos indivíduos extremamente ricos, o que seria uma antítese da avareza. Esses surpreendentes caridosos e filantropos têm por princípio devolver à sociedade pelo menos parte do que ela os possibilitou amealhar aos montes. São exemplos a serem enaltecidos porque sacodem a sociedade, espécie de dedo em riste condenando aqueles que abusam e mantém tudo o que amealharam no cofrinho forte da corrupção que tem tudo a ver com a avareza. E àqueles insensíveis que moram em imensas redomas virando o rosto para as carências muitas nas suas vizinhanças e que poderiam minimizar. Sim, a avareza está presente de muitas formas no nosso dia-a-dia. Mas, como disse, nunca frequentei essa roda de vícios que de uma maneira ou outra a qualificam. (1)

 (1) Sempre resisto em explanar neste espaço, temas de natureza política, mas resolvi, pelo enunciado do tema, avançar um pouco nessa linha. Os que se interessarem, inclusive com a prática de caridade por brasileiros, remeto ao meu artigo “A caridade como solução” de 05.07.2009 no portal www.votebrasil.com ou no blog, http://martinsmilton2.blogspot.com/ (Nesses portais, prevalecem, então, temas políticos e ambientais.)